terça-feira, 8 de julho de 2014

A bola na urna

A bola na urna - 08/07/2014 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo







A bola na urna

Jânio de Freitas



Os sinais de preocupação dos opositores de Dilma Rousseff, com os presumidos
benefícios do "clima da Copa" à candidatura da presidente, são mais
uma boa comprovação do quanto era esperado que tudo resultasse em um pipocar
infinito de situações desastradas. As quais, para serem eleitoralmente tão
produtivas quanto possível, não poderiam limitar-se aos ambientes extracampo.



Logo mais, tanto pode haver motivo para mais inquietação opositora, como
pode ocorrer uma parte do insucesso, a do futebol. Em nenhum dos casos a
preocupação dos opositores deixará de ser precipitada.



A observação que se segue não é de todo segura, mas sem dúvida merece
consideração: em se tratando de política e de eleições no Brasil, os efeitos da
Copa nas urnas são do mesmo modo sujeitos, no êxito ou no insucesso, aos
fatores mais imponderáveis. Estamos no país em que o sequestro fabricado de um
dono de supermercado e a transmissão, uma só, da remontagem de um debate de
candidatos podem decidir uma eleição de presidente. O nível quase zero de
politização, na grande maioria dos brasileiros, e o uso político dos meios de
influência são capazes de definir ou revirar rumos como um vendaval a um
barquinho.



Assim como êxitos na Copa não preservam Dilma Rousseff do risco de trovões e
raios, não é provável que insucessos resistissem, ou resistam, à extraordinária
capacidade digestiva da memória brasileira. Nesse sentido, vem um oportuno
exemplo histórico do que agora deram para chamar de "Maracanazo".



Aquele 1950 foi, como este 2014, ano de Copa e de eleições, inclusive a
presidencial. Com derrota, "Maracanazo" ou lá o que seja, não houve
influência alguma contra a vitória de Getúlio, candidato verdadeiro (havia o
meramente partidário) do governo patrocinador da Copa e dos gastos agigantados
com o Maracanã. Os comprometidos com esses gastos e com a derrota foram eleitos
da mesma maneira que os presumíveis beneficiários eleitorais do desastre, os
que combateram a Copa ou a construção do estádio.



A mitologia da derrota de 50 propaga a ideia de um colapso nacional, um
infarto emocional que paralisou o país em prantos. A imagem da multidão abatida, deixando o
estádio, reproduz, porém, o que se passa com a torcida do Corinthians nas
derrotas, com a diferença de que não havia violência porque o povo então era
educado. Mas em poucos dias ninguém se lembrava mais de Uruguai e de Copa. A
não ser na imprensa esportiva, na ruminação própria dos comentaristas, não só
os de esportes.



O que foi escrito e dito a propósito da fissura vertebral de Neymar, nos
últimos três dias, é muitas vezes mais do que tudo o que foi dito e escrito em
todo o restante 1950 sobre o insucesso na Copa. O que diz muito, ainda mais que
de Neymar, do Brasil.

 


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