Copa mostra que país “é capaz”, diz cientista político
Carlos Sávio Teixeira, professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense
Publicado em 05/07/2014 | Taiana Bubniak Três semanas após o início da Copa do Mundo, o clima de
desconfiança em relação ao evento parece ter sido substituído no país
por uma grande festa popular. Antes, dizia-se que nem ia haver Copa.
Agora, já há quem brinque pedindo “Copa Permanente” ou “Copa todo ano no
Brasil”. No entanto, a realização do evento de grande porte, mais do
que animar a população, serve como pontapé inicial para outras
realizações que o país precisa empreender. O professor de ciência
política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Sávio Teixeira
analisa que o principal efeito do mundial, até agora, foi mostrar que o
país é capaz. Usar bem toda essa capacidade passa pela vontade política.
A Gazeta do Povo conversou com Teixeira sobre o assunto. Confira os
principais trechos da entrevista.
Três semanas após o início da Copa do Mundo no Brasil, como o evento repercute na sociedade?
O aspecto mais importante até agora é a comprovação de que o país é
capaz. Em termos de organização, tudo está ocorrendo dentro da
normalidade, contrariando muitos críticos que não acreditavam na
capacidade brasileira de realizar a Copa de maneira satisfatória. Houve
dois tipos de críticas durante a preparação para o evento. De um lado,
há os que não gostam do Brasil – a maioria da elite e da classe média –
que avaliam os limites e as possibilidades do país de maneira
preconceituosa. Para esses, o fato de as coisas estarem funcionando é
uma surpresa desagradável. De outro lado, há os que analisaram de
maneira objetiva as dificuldades estruturais da sociedade e do Estado
brasileiro. O Brasil é uma sociedade que combina enorme desigualdade
social com grande vitalidade econômica e cultural. Nós somos uma das
sociedades mais irresponsáveis do Ocidente, deixando à margem da vida
social minimamente digna cerca de um terço da população. Eles não têm
acesso a crédito, à tecnologia nem a conhecimentos. Na sua maioria
operam na informalidade, sem direito e sem representação política. A
instrumentalização desse universo pelo Estado representaria uma grande
transformação social e institucional no país. Esse é o maior “gargalo”
de nossa política.
Que mudanças a Copa pode trazer para as instituições públicas?
Na verdade, o único discurso da política brasileira contemporânea é a
combinação da agenda de redistributivismo marginal – que apesar de
necessária é insuficiente para enfrentar os desafios do país –, com a
agenda do controle exercida por órgãos do governo como as
controladorias, que parte de um pressuposto equivocado de que o maior
problema do Brasil é a corrupção. Essa agenda “policial”, além de travar
o desenvolvimento, desvia perigosamente a atenção do país de seus reais
problemas. Não estou dizendo que não devem existir controles. Mas que o
nosso direito administrativo deva ser reformado para melhorar a gestão
do Estado e ser meio para acelerar o desenvolvimento e inibir de fato os
desmandos com os recursos públicos – o que não acontece hoje. Muitos
dos problemas que tivemos com as obras para a Copa são o resultado
combinado de nossa ineficiência com essa estrutura formada por órgãos de
controle que torna qualquer iniciativa do Estado um verdadeiro inferno.
O que a realização deste torneio pode trazer de consequências a curto, médio e longo prazo?
Em primeiro lugar, já trouxe a modernização dos estádios de futebol
no país. Isso é muito importante, pois os brasileiros amam o futebol. Em
segundo lugar, apesar de atrasadas, muitas obras de infraestrutura
serão entregues. Mas o mais importante seria um debate sério e profundo
sobre o tipo de reforma de que precisamos para termos o tal “padrão
Fifa” nas políticas públicas. Que tipo de Estado é capaz de ofertar
educação e saúde de qualidade para a classe média? Pois sabemos pelas
experiências mais exitosas no mundo que políticas públicas só para
pobres não funcionam nem para pobres. Se a classe média não se
interessar pelas políticas de educação e saúde, elas serão como são hoje
no Brasil: péssimas.
Como o sr. avalia as manifestações que ocorreram nas várias cidades-sede e também fora do país?
Minha avaliação sobre o aumento da temperatura da política no Brasil é
favorável. É melhor as pessoas irem para as ruas reivindicar questões
que tenham algum apelo coletivo do que ficarem acomodadas em seus
interesses privados. Mas o que sempre pondero é sobre o aproveitamento
disso para fecundar mudanças efetivas. Acho que a população das
manifestações do ano passado era composta por três grupos: os
manipulados pela mídia conservadora com a questão da corrupção; os que
pegaram carona na onda para tentar dar sentido atual a abstrações
ideológicas do século 19; e uma minoria interessada de fato em lutar por
reorientação das principais políticas do Estado. Se esta última
motivação conseguir se sobressair sobre as outras, teremos uma vitória.
desconfiança em relação ao evento parece ter sido substituído no país
por uma grande festa popular. Antes, dizia-se que nem ia haver Copa.
Agora, já há quem brinque pedindo “Copa Permanente” ou “Copa todo ano no
Brasil”. No entanto, a realização do evento de grande porte, mais do
que animar a população, serve como pontapé inicial para outras
realizações que o país precisa empreender. O professor de ciência
política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Sávio Teixeira
analisa que o principal efeito do mundial, até agora, foi mostrar que o
país é capaz. Usar bem toda essa capacidade passa pela vontade política.
A Gazeta do Povo conversou com Teixeira sobre o assunto. Confira os
principais trechos da entrevista.
Três semanas após o início da Copa do Mundo no Brasil, como o evento repercute na sociedade?
O aspecto mais importante até agora é a comprovação de que o país é
capaz. Em termos de organização, tudo está ocorrendo dentro da
normalidade, contrariando muitos críticos que não acreditavam na
capacidade brasileira de realizar a Copa de maneira satisfatória. Houve
dois tipos de críticas durante a preparação para o evento. De um lado,
há os que não gostam do Brasil – a maioria da elite e da classe média –
que avaliam os limites e as possibilidades do país de maneira
preconceituosa. Para esses, o fato de as coisas estarem funcionando é
uma surpresa desagradável. De outro lado, há os que analisaram de
maneira objetiva as dificuldades estruturais da sociedade e do Estado
brasileiro. O Brasil é uma sociedade que combina enorme desigualdade
social com grande vitalidade econômica e cultural. Nós somos uma das
sociedades mais irresponsáveis do Ocidente, deixando à margem da vida
social minimamente digna cerca de um terço da população. Eles não têm
acesso a crédito, à tecnologia nem a conhecimentos. Na sua maioria
operam na informalidade, sem direito e sem representação política. A
instrumentalização desse universo pelo Estado representaria uma grande
transformação social e institucional no país. Esse é o maior “gargalo”
de nossa política.
Que mudanças a Copa pode trazer para as instituições públicas?
Na verdade, o único discurso da política brasileira contemporânea é a
combinação da agenda de redistributivismo marginal – que apesar de
necessária é insuficiente para enfrentar os desafios do país –, com a
agenda do controle exercida por órgãos do governo como as
controladorias, que parte de um pressuposto equivocado de que o maior
problema do Brasil é a corrupção. Essa agenda “policial”, além de travar
o desenvolvimento, desvia perigosamente a atenção do país de seus reais
problemas. Não estou dizendo que não devem existir controles. Mas que o
nosso direito administrativo deva ser reformado para melhorar a gestão
do Estado e ser meio para acelerar o desenvolvimento e inibir de fato os
desmandos com os recursos públicos – o que não acontece hoje. Muitos
dos problemas que tivemos com as obras para a Copa são o resultado
combinado de nossa ineficiência com essa estrutura formada por órgãos de
controle que torna qualquer iniciativa do Estado um verdadeiro inferno.
O que a realização deste torneio pode trazer de consequências a curto, médio e longo prazo?
Em primeiro lugar, já trouxe a modernização dos estádios de futebol
no país. Isso é muito importante, pois os brasileiros amam o futebol. Em
segundo lugar, apesar de atrasadas, muitas obras de infraestrutura
serão entregues. Mas o mais importante seria um debate sério e profundo
sobre o tipo de reforma de que precisamos para termos o tal “padrão
Fifa” nas políticas públicas. Que tipo de Estado é capaz de ofertar
educação e saúde de qualidade para a classe média? Pois sabemos pelas
experiências mais exitosas no mundo que políticas públicas só para
pobres não funcionam nem para pobres. Se a classe média não se
interessar pelas políticas de educação e saúde, elas serão como são hoje
no Brasil: péssimas.
Como o sr. avalia as manifestações que ocorreram nas várias cidades-sede e também fora do país?
Minha avaliação sobre o aumento da temperatura da política no Brasil é
favorável. É melhor as pessoas irem para as ruas reivindicar questões
que tenham algum apelo coletivo do que ficarem acomodadas em seus
interesses privados. Mas o que sempre pondero é sobre o aproveitamento
disso para fecundar mudanças efetivas. Acho que a população das
manifestações do ano passado era composta por três grupos: os
manipulados pela mídia conservadora com a questão da corrupção; os que
pegaram carona na onda para tentar dar sentido atual a abstrações
ideológicas do século 19; e uma minoria interessada de fato em lutar por
reorientação das principais políticas do Estado. Se esta última
motivação conseguir se sobressair sobre as outras, teremos uma vitória.
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