Ocupe-se de pouco para ser feliz
Postado em 11 jul 2014
“Ocupe-se de pouco para ser feliz”. Foi essa a primeira frase de um
livro de Demócrito, filósofo grego do século 5 a.C. O livro se chama
sobre o Prazer, e não chegou à posteridade senão por citações de outros
pensadores.
A palavra grega para tranquilidade da alma é euthymia, e sobre ela se
debruçaram intensamente os sábios. A recomendação básica de Demócrito,
sob diferentes enunciados, é encontrada sempre. Sobrecarregar a agenda
eqüivale a sobrecarregar o espírito, e traz inevitavelmente angústia.
Ninguém que tenha muitas tarefas, ou que se atribua muitas, pode ser
feliz.
Um homem sábio da Antiguidade não abria nenhuma correspondência
depois das quatro horas da tarde. Era uma forma de não encontrar mais
nenhum motivo de inquietação no resto do dia, que ele dedicava a
recuperar a calma que perdera ao entregar-se ao seu trabalho.
Se olharmos para nós, nos veremos com frequência abrindo mensagens no
computador alta noite, e não raro nos perturbando por seu conteúdo. O
único resultado disso é uma noite maldormida.
O fato é que fazemos muitas coisas desnecessárias. Coloque num papel
as atividades de um dia. Depois veja o que realmente era preciso fazer e
o que não era. Já fiz isto. A lista das inutilidades suplantou sempre a
das ações imperiosas.
O imperador filósofo Marco Aurélio, do começo da Era Cristã, louvou a
frase de Demócrito em suas clássicas Meditações. Acrescentou, com
sagacidade, que devemos evitar não apenas os gestos inúteis, mas também
os pensamentos desnecessários.
Marco Aurélio recomendava o formidável exercício de conduzir a mente,
quando desviada, para pensamentos relevantes. Isso conseguido, à base
de perseverança, controlamos a mente, esse cavalo selvagem, em vez de
sermos controlados por ela.
Ninguém escreveu com tanta graça sobre o tema como Sêneca, pensador
romano também dos primórdios da Era Cristã. Sêneca usou as expressões
“agitação estéril” e “preguiça agitada” ao tratar dos atos que nos
trazem apenas desassossego.
“É preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a
maioria dos homens”, escreveu Sêneca. “Eles vagam ao acaso, mendigando
ocupações. Suas saídas absurdas e inúteis lembram as idas e vindas das
formigas ao longo das árvores, quando elas sobem até o alto do tronco e
tornam a descer até embaixo, para nada. Quantas pessoas levam uma
existência semelhante, que se chamaria com justiça de preguiça agitada?”
Agimos como formigas quase sempre, subindo e descendo sem razão o
tronco das árvores, e pagamos um preço alto por isso: ansiedade,
aflição, fadiga física e mental. Nossa agenda costuma estar repleta. É
uma forma de fugir de nós mesmos, como escreveu sublimemente um poeta
romano. O resultado é inquietação.
Eliminar ao menos algumas das tantas tarefas inúteis que nos impomos a
cada dia é vital para a euthymia da qual falavam os sábios gregos. Quem
busca a paz fará bem em refletir na frase com a qual Demócrito iniciou
um livro que, tamanha era sua força, sobreviveu aos séculos, ainda que
com base apenas em citações.
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