terça-feira, 1 de julho de 2014

Folha de S.Paulo - Opinião - Para inverdades, há remédio? - 30/06/2014

Folha de S.Paulo - Opinião - Para inverdades, há remédio? - 30/06/2014

Dirceu Barbano
Para inverdades, há remédio?
Em 2002, cada medicamento de referência tinha três versões de genéricos.
Hoje tem oito. A concorrência triplicou e os preços caíram
Em períodos eleitorais, são comuns manifestações monotemáticas e
desavergonhadas como a do ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB) no
artigo "Na saúde, o PT não tem remédio" (13/6), no qual dissimula dados
do mercado de medicamentos genéricos e ilude acerca da gestão da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária).





No Brasil, como em qualquer país, a presença dos genéricos trouxe
benefícios. Aumentou a concorrência e os preços caíram. A lei que criou
essa classe de medicamentos foi editada em 1999, depois da aprovação
pelo Congresso Nacional de um projeto de lei apresentado em 1991 por um
deputado do PT. A obsessão pela paternidade da medida faz com que esse
senhor se comporte como padrasto que não aceita a possibilidade de o pai
ser capaz de cuidar ainda melhor do próprio filho.





Em 2002, os genéricos representavam apenas 3,9% do volume de
medicamentos vendidos no Brasil. Em 2006, saltou para 15% e hoje está em
30%. De cada três medicamentos vendidos, um é genérico. Um aumento de
quase dez vezes desde 2002, com participação próxima dos 31% observados
na França.





Entre 2000 e 2002, foram registrados 512 genéricos no país, apenas 170
ao ano. Em 2012, a Anvisa registrou 413 desses medicamentos. Ao final de
2002, cada medicamento de referência tinha, em média, apenas três
versões de genéricos. Hoje tem cerca de oito. A concorrência triplicou
nos últimos 12 anos e os preços estão bem mais baixos.





O ex-ministro se esqueceu da exigência que fez em 2002 para que os
medicamentos similares passassem pelos mesmos testes de equivalência
pelos quais passam os genéricos para serem considerados cópias idênticas
dos seus referenciais. O prazo para essa ação expira no final de 2014. E
o governo e os setores envolvidos discutem o que fazer para beneficiar o
consumidor com essa medida, que deu aos similares as garantias que os
genéricos já possuíam.





Omitindo o fato de ter alterado em 2001 a lei que criou a Anvisa para
esvaziar o poder de diretores que discordavam dele, o padrasto dos
genéricos faz considerações irreais sobre a conduta deles. Desde sua
criação, os diretores da Anvisa são indicados pela Presidência da
República e dependem de aprovação do Senado para serem nomeados para
mandatos de três anos. Tive a honra de passar por esse processo duas
vezes, sendo aprovado por senadores de vários partidos, incluindo o
PSDB.





Em 2002, 45% da mão de obra da Anvisa era composta por servidores da
própria agência, 20% eram concursados oriundos de outros órgãos públicos
e 35% eram indicados por critérios nem sempre transparentes e, por
vezes, indesejáveis, definidos pelo ex-ministro. O primeiro concurso
público foi autorizado pelo então presidente Lula em 2004. Hoje, o
número de profissionais técnicos escolhidos por concurso público chega a
99% do total de seus servidores.





Na criação da Anvisa, o ex-ministro incluiu 88 cargos de confiança que
eram preenchidos por indicação dele. Hoje, a escolha é feita depois de
edital público, análise de currículo, entrevistas e deliberação da
diretoria colegiada. Isso fez com que 75% dos cargos existentes fossem
ocupados por servidores concursados. É desrespeitoso dirigir-se a eles
como loteadores de cargos públicos.





A Anvisa conta com um parlatório onde são atendidos os agentes externos.
As reuniões são gravadas e as atas registradas. Se o ex-ministro
tivesse identificado aqueles que chama de lobistas e, nas suas palavras,
"operam livremente na agência", teria incluído os 43 atendimentos
feitos a deputados e senadores do PSDB entre 2010 e 2014.





Como farmacêutico, aprendi a respeitar os números, uma vez que existem
casos em que uma pequena variação na dosagem dos remédios representa a
diferença entre a vida e a morte. Os economistas gostam deles por outros
motivos. Mas uma coisa é certa: os números falam por si e não mentem.






DIRCEU BARBANO, 48, farmacêutico, é diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)


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