domingo, 13 de julho de 2014

Perder, ganhar, viver!

Perder, ganhar, viver! | O Cafezinho







Perder, ganhar, viver!

Postado em : julho 13th, 2014 | 8 comentários
Diante da tristeza e vexame causados pelas duas últimas derrotas da seleção,
esta crônica de Drummond andou circulando bastante pelos blogs. Acabou que eu
só a reli ontem. De fato, é um texto primoroso, que permanece incrivelmente
atual. Por isso, reproduzo aqui para incentivar que mais pessoas possam ler.



*



Perder, Ganhar, Viver



Carlos Drummond de Andrade (JB, 7/7/1982)



Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi
homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos
antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não
achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não
deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados
para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido
e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara
muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria;
vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso
esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo
clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o
gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente,
que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande
momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de
governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que
lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições
divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará
talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição
dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do
esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora
destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e
dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta
coisa, senti tanta coisa nas almas…



Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de
tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de
renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que
constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é
arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de
apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que
inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de
detritos: começar de novo.



Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será
suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais
sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de
transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a
Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco
e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que
mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do
difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A
verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos
alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos
quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não
tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual
para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em
desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da
volubilidade das coisas.



Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na
maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de
possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também
não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão
relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de
Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto
Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em
palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o
compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a
sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o
Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.



E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano
já está na segunda metade?













capa-do-jt-06071982







- See more
at: http://www.ocafezinho.com/2014/07/13/perder-ganhar-viver/#sthash.LzhievnD.dpuf
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário