Por que a cena da torcida japonesa recolhendo o lixo nos estádios nos chocou tanto
Postado em 03 jul 2014
Por que a atitude tão singela de
recolher os próprios rejeitos, protagonizada pela torcida japonesa nos
estádios de futebol, durante a Copa do Mundo, provocou tamanho espanto
entre nós, brasileiros? O que isso pode nos deixar de legado? Certamente
o que os japoneses podem nos ensinar é o que eles já sabem desde
criancinhas: temos que cuidar do lixo que produzimos.
De acordo com o sociólogo Roberto DaMatta, autor de livros como “O
que faz o Brasil, Brasil”, de 1984, – que trata da formação da
identidade do nosso povo desde o descobrimento e do famoso “jeitinho
brasileiro” – não sabemos ser responsáveis pelo lixo que produzimos.
Sempre fomos acostumados, avalia DaMatta, a ter alguém que limpe o que
sujamos. “A responsabilidade é sempre do outro”, argumenta o sociólogo.
Fazemos isso automaticamente, sem titubear. Ele lembra do nosso hábito
de dizer “jogar fora” toda vez que nos desfazemos de algo.
A má prática do jogar fora é mesmo antiga, como relata o jornalista e
escritor Laurentino Gomes em seu livro “1822″, em que informou que no
Rio de Janeiro colonial “lixo e os dejetos das casas eram atirados à rua
ou despejados nas praias”. Não é assim que ainda acontece nas ruas das
principais cidades brasileiras? Quem nunca presenciou alguém se
desfazendo de uma lata de bebida ou uma embalagem de salgadinho na
calçada, sem o menor pudor? O brasileiro não se responsabiliza nem ao
menos pelo cocô de seus cães.
O Brasil foi apontado recentemente pela ONU e pelo Banco Mundial como
o quinto maior produtor de lixo do planeta. Acontece que reciclamos
apenas 3% dessa montanha de dejetos. De acordo com a Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe)
de uma década para cá produzimos nada menos que 63 milhões de toneladas
de lixo todos os anos.
Cerca de 30% desse montante tem grande potencial de reaproveitamento.
Ou seja, são materiais que poderiam gerar riquezas para o país se
devidamente reprocessados para voltar novamente à cadeia produtiva.
Eles, entretanto, são simplesmente “jogados fora” e abarrotam lixões e
aterros sanitários.
O diretor-presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho diz: “O Brasil
viu seu volume de resíduos crescer 21% na última década, muito acima do
índice de crescimento da população, que foi de 9,6% no período”, relata.
Os índices de reciclagem, entretanto, não acompanham esse aumento da
produção de lixo que é resultado do crescimento econômico e do maior
poder de compra e consumo dos brasileiros.
Silva Filho Abrelpe também revela que 60% das cidades brasileiras
dispõem de algum tipo de coleta seletiva. “Mas isso não significa que
esses municípios tenham coleta seletiva em todo o seu território ou que
contem com um programa formalizado porta a porta. Apenas indica que o
município está aberto ao tema”, avisa Silva Filho.
É muito pouco para um país que está implantando sua Política Nacional
de Resíduos Sólidos (PNRS). Entre outras medidas como a obrigatoriedade
da reciclagem está determinado que 3 de agosto próximo é o dia em que o
país iria acabar com os lixões a céu aberto. É de conhecimento que a
meta não será cumprida, já que a grande maioria das cidades ainda não
conseguiu eliminar esses depósitos mal-cheirosos.
Agora vejamos como funciona no Japão. Em primeiro lugar, lá a
reciclagem é obrigatória faz tempo. A separação do lixo descartado em
casa também. É uma verdadeira maratona para o cidadão japonês, mas ele
se sai bem. Caso contrário as multas são pesadas. Em uma casa japonesa
sempre há sacos de lixo de cores diferentes para cada tipo de material:
incineráveis e não incineráveis (porque no Japão alguns tipos de
rejeitos são queimados) metais, madeira, plásticos, vidros, restos de
comida. Essa prática cotidiana é aprendida na escola desde a mais tenra
idade. Há, inclusive, uma cartilha distribuída nos condomínios onde é
ensinado o passo a passo do descarte de lixo. É impressa não só em
língua japonesa como também em inglês e espanhol. Assim, não há
desculpas para os incautos imigrantes.
Se quiser se desfazer de um móvel no Japão, antes é preciso verificar
de que tamanho e de que material ele é feito. Se for pequeno e de
madeira vai para a categoria incinerável. Caso contrário é preciso
agendar com a prefeitura um dia para que venham recolhê-lo para a
reciclagem. Não sai de graça, há taxas para esse serviço.
Parece burocrático, mas funciona como um relógio. Jogar lixo na rua é
impensável para o cidadão japonês. E, assim como fizeram em nossos
estádios, em certas cidades há mutirões de limpeza organizados pelos
próprios moradores para fazer faxina nas ruas onde residem. Também
existem campanhas educativas com slogans do tipo “Não compre objetos que
acabará se desfazendo mais tarde” ou “Só use artigos que podem ser
reutilizados várias vezes”.
É esta a lição deixada nas arenas por onde os japoneses passaram
durante a Copa do Mundo no Brasil. Um dia vamos chegar a esse nível de
consciência cidadã e nos livraremos de nosso complexo de vira-latas. De
lixo.
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