terça-feira, 1 de julho de 2014

A volta da normalidade no STF - Carta Maior

A volta da normalidade no STF - Carta Maior

Wadih Damous








O Supremo Tribunal Federal, finalmente, volta à sua normalidade institucional.

Sem
mais arroubos autoritários; sem mais decisões monocráticas que, a
despeito da interposição do respectivo recurso, não são levadas a
plenário sem qualquer fundamento e subvertendo preferências legais (em
outras palavras, restabelecendo o princípio da colegialidade); sem
incidentes envolvendo a violação de prerrogativas de advogados nem
acusações e ataques mútuos entre Ministros. Enfim, uma sessão normal de
um órgão colegiado sério e respeitoso, tanto no trato entre seus
membros, quanto na relação entre estes, os advogados e a sociedade em
geral. A ausência percebida preencheu uma lacuna.

Assim foi a
sessão da última quarta-feira (25), presidida pelo Ministro Ricardo
Lewandovski, que está próximo de assumir definitivamente o cargo de
Presidente da Corte. Nela, o Pleno do Supremo (e não a vontade isolada
de um Ministro), decidiu dois recursos referentes à Ação Penal 470: um,
referente ao direito ao trabalho externo de alguns réus, condenados ao
regime semiaberto; o outro, referente ao pedido de prisão domiciliar de
José Genoino, por razões de saúde.

Feitas essas observações gerais, vamos aos julgamentos em si.

Com
relação ao trabalho externo, o Supremo apenas restaurou a aplicação da
Jurisprudência amplamente majoritária sobre o tema – majoritária não
apenas no próprio Supremo, mas em todo o Judiciário Nacional, no sentido
de que o trabalho externo, no regime semiaberto, não depende do
cumprimento de 1/6 da pena, caso em que não diferiria em nada do regime
fechado e não levaria em consideração a realidade do sistema carcerário
brasileiro.

Além disso, acertou o Supremo ao considerar
insignificante, ao menos do ponto de vista jurídico, a suposta relação
de amizade entre o representante da Pessoa Jurídica que ofereceu
trabalho a José Dirceu e este, bem como a suposta dificuldade em
fiscalizar um ente privado nessa hipótese. Com razão, o Tribunal, a
partir do voto do Ministro Barroso, reconheceu que esses supostos
obstáculos, além de carentes de qualquer fundamento racional, seriam
sérios entraves à desejada ressocialização do preso por meio do
trabalho, que muitas vezes só é possível a partir de iniciativas de
determinadas empresas ou a partir de vínculos pessoais de confiança, por
conta da natural desconfiança com relação a egressos do sistema
carcerário.

Com isso, o Tribunal evitou ceder à sanha de parte
da “opinião pública”, que cegamente clama por tratamento mais rígido aos
réus da AP 470 do que às demais pessoas que cumprem penas no país,
percebendo o enorme risco sistêmico e de retrocesso civilizatório que
esse tratamento diferenciado poderia ocasionar.

Já com relação à
prisão domiciliar de José Genoino, há que se discordar do entendimento
majoritário do Supremo. Já disse, em artigo recente, que respeito
profundamente o Ministro Barroso como pessoa, magistrado e acadêmico,
assim como o admirava como advogado. Mas tal admiração não me impede de
exercer o direito de crítica. Nesse caso o Ministro Barroso, a meu ver,
parece ter feito pequena concessão à “opinião pública” (ou publicada),
que acusaria (injustamente, é claro) o relator e quem votasse com ele de
prestigiar a impunidade. Isso porque, no seu voto, o Ministro mencionou
que a decisão seria excepcional, por se verificar a mesma situação no
caso de diversos outros detentos do mesmo sistema prisional, e que não
gozam do direito pleiteado.

Ora, com o devido respeito, a lógica
me parece, nesse ponto, invertida. Até o senso comum indica que não se
deve justificar um erro por outro. Se diversos presos estão
indevidamente privados de cumprirem pena domiciliar, que se lhes garanta
esse direito, e não se negue seu exercício a quem legitimamente o tem,
apenas por uma suposta isonomia.

De todo modo, ainda que
discordando da decisão, reitero minha satisfação do início de nova fase
no Supremo Tribunal Federal, esperando que continue exercendo suas
funções sem os arroubos e paixões individuais que tanto prejuízo podem
causar à sociedade brasileira como um todo.
___________
 
Wadih Damous foi
presidente por duas vezes da OAB do Rio de Janeiro e atualmente é
presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão
da Verdade do Rio de Janeiro.

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