sábado, 29 de novembro de 2014

O discurso da grande mídia para inviabilizar blogs e a diversidade de opinião

O discurso da grande mídia para inviabilizar blogs e a diversidade de opinião

O discurso da grande mídia para inviabilizar blogs e a diversidade de opinião




Desqualificar votos de nordestinos, chamar cidadãos de bovinos,
acusar eleitores de Dilma Rousseff de serem cúmplices da corrupção,
tornar indignos os seguidores de Simón Bolívar,
disseminar uma suposta ameaça à liberdade de impressa, lutar contra
privilégios da população negra, extinguir cotas sociais, classificar blogs como sendo sujos e “acusá-los” de serem financiados pelo governo.


Que relação há entre todos esses acontecimentos com a estratégia adotada pela grande mídia para impedir o crescimento de blogs e sítios não alinhados com os interesses da meia-dúzia de famílias que controla os meios de comunicação no Brasil?


Para entender a ligação entre fatos aparentemente distintos é
proveitoso recorrer a alguns pensadores que analisaram as sociedades de
suas épocas, pois eles desnudam a ideologia e a forma de atuar das
classes dominantes.



A dominação


Há de se estar consciente de que em todas as épocas os humanos
utilizaram comumente a procedência ou características físicas para
explicar e justificar a julgada superioridade de certos indivíduos ou
povos sobre outros. Em cada momento histórico os povos considerados mais
avançados - modelos de superioridade e símbolos do ideal humano - eram
aqueles que dominavam e subjugavam outras gentes. Eram os que criavam as
leis, ditavam as regras, estabeleciam os valores da sociedade e se
autodeterminavam como referenciais para os demais.


O francês Frantz Fanon,
em “Os condenados da terra”, faz uma análise da psicologia da dominação
ao examinar os mecanismos utilizados pelos dominadores dentro do
contexto colonial. Aponta para a desumanização do povo colonizado
promovida pelo colonialista, a rigor, animalizando o outro. Quando fala
do colonizado a linguagem do colonizador é uma linguagem zoológica:


A linguagem faz alusão aos movimentos répteis do amarelo, às
emanações da cidade indígena, às hordas, ao fedor, à pululação, ao
bulício, à gesticulação. O colono, quando quer descrever bem e encontrar
a palavra exata, recorre constantemente ao bestiário. (Fanon, p. 31)



Ele evidencia ainda, em “Pele negra, máscaras brancas”, a importância
da degradação da imagem do povo subjugado para que haja um
engrandecimento da figura do dominador. Para Fanon isso pode ser
observado no antissemitismo que se propaga nas classes médias, pois não
tendo estas nem terra, castelo, ou casa, ao tratarem o Judeu como um ser
inferior e pernicioso, confirmam, ao mesmo tempo, que pertencem a uma
elite.





O racismo


Se grave a degradação quando se prende a um fator que pode ser
facilmente ocultado, tal como a origem e convicção judaica, o quadro
piora quando se prende a características físicas que estampam no corpo
aquilo que é depreciado pelo outro.


Nesse caso, no tocante à discriminação pela cor de pele, diz o autor
que “uma criança negra, normal, tendo crescido no seio de uma família
normal, tornar-se-á anormal ao menor contacto com o mundo branco”. Isto
ocorre porque, desde o momento da chegada do colonizador no meio social é
incutida a idéia da inferioridade das pessoas que possuem pele negra.


Para Albert Memmi,
outro pensador francês, em seu “Retrato do colonizado precedido pelo
retrato do colonizador”, a discriminação se insere de tal forma que fica
presente no “conjunto de condutas, de reflexos adquiridos, exercidos
desde a primeira infância, valorizados pela educação, o racismo colonial
está tão espontaneamente incorporado aos gestos, às palavras, mesmo as
mais banais, que parece constituir uma das mais sólidas estruturas da
personalidade colonialista”.





A obra da Escravidão


Em terras tupiniquins, segundo o brasileiro Francisco Weffort, em seu “Formação do pensamento político brasileiro: ideias e personagens”, dentre os intelectuais que trataram o tema Joaquim Nabuco foi o primeiro a ver na escravidão brasileira um “fenômeno social total”.


Nabuco advertiu, mesmo antes da abolição, que embora o abolicionismo
destruísse a escravidão, poderia permanecer a “obra da escravidão”:


Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder
sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda
preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta
estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo,
superstição e ignorância. O processo natural pelo qual a Escravidão
fossilizou em seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo durou
todo o período do crescimento, e enquanto a Nação não tiver consciência
de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do
seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá diante,
mesmo quando não haja mais escravos. (Weffort, p. 219)






O atual pensamento colonialista


O pensamento colonialista e a “obra da escravidão” ainda pairam sobre
nossa sociedade sob novas formas. O discurso preconceituoso advindo do
sudeste e a tentativa de rebaixamento de brasileiros nordestinos à
condição de animais tornam Fanon atual - não mais a subjugação de um
povo por outro, mas de brasileiros sobre brasileiros.


As desigualdades econômicas e sociais entre as populações negra e
branca em nosso país evidencia o quanto a “obra da escravidão” ainda
opera em nosso meio.


Sua obra transcendeu a questão racial. No sudeste e sul do país passa
a agir também contra nossos irmãos das outras regiões do país.


O combate resistente e articulado das elites econômicas contra a
diminuição das desigualdades se faz evidente com a ferocidade com que
atacam, desqualificam e tentam humilhar quem vote em Dilma, admire
Bolívar ou seja favorável às cotas sociais.


Por agirem em conjunto, alinhados e com pauta e discurso únicos,
conseguem ser efetivos. Em todos os meios e em qualquer canal sempre o
mesmo viés de classe. Em todos os rádios só se ouvirá aquilo, em todas
as televisões só se verá isso, em todos os jornais só se lerá isto:





• Cotas raciais: criam preconceito.


• Cotas sociais: instalam o fim do mérito pessoal.


• Cotas de gênero: desunem homens e mulheres.


• Benefícios sociais: constituem desestímulo ao trabalho.


• Nordestino: lugar de analfabeto.


• PT: sinônimo de corrupção.


• Votar no PT: cidadão corrupto, inculto.


• Reconhecer méritos do governo: ser pago pelo governo.


• Criticar sistematicamente o PT: indivíduo culto e informado.


• Bolívar: ameaça comunista.


• Blogs questionadores da mídia: sujos, submundo da internet.


• Verbas publicitárias públicas naqueles blogs: compra de opinião por parte do governo.





Persuasão dos incautos


A persuasão é tamanha que se vê que os potenciais beneficiários das
políticas públicas se tornam contra sua implantação. Veem-na como motivo
de rebaixamento social.


É a crítica quanto ao universitário que cursa faculdade com bolsa
integral do Prouni, mas não ao filho de família rica que cursa
gratuitamente uma renomada universidade pública.


O mesmo ocorre com a aplicação de verbas públicas em publicidade na
internet. O vitorioso discurso da grande mídia tacha de “comprado”,
“parcial”, “petralha” e “chapa branca” qualquer sítio ou página que
receba anúncios governamentais e que não esteja alinhada com a grande
mídia.


De um lado isso criou aversão nos blogs progressistas quanto
a receber qualquer tipo de publicidade governamental para poderem
possuir o “selo” de independência editorial.


De outro, por fazer oposição sistemática e cobertura parcial, a mídia
acusativa faz publicação de acusações sem provas e não dá voz aquele
que é alvo das acusações, o que leva aos blogs não alinhados a
destinarem a maior parte de suas publicações para contra argumentar
aquilo que foi divulgado na grande mídia. São esses blogs que se prestam ao trabalho de "ouvir" o outro lado, de publicar a versão da acusado.


De uma só tacada a grande mídia inviabiliza o crescimento desses blogs,
abarca a publicidade governamental realizada na internet e pauta os
assuntos que serão discutidos e publicados nos outros meios: os blogs se tornam caixa de ressonância dos grandes veículos.





Legislação e programas de estímulo


O Estado, representante da tutela dos interesses da coletividade,
deve regular os mercados a fim de evitar falhas de mercado, em especial
aquelas que podem ensejar malefícios à população em geral em
contrapartida a lucros abusivos de setores dominantes.


A diversidade de veículos de informação e a quebra do cartel
midiático se darão com legislação e instrumentos que estimulem a
criação, manutenção e crescimento de canais alternativos de divulgação
de informações, notícias e produção de conhecimento.


Tal qual estímulos recebidos pela indústria, a legislação que concede
tratamento diferenciado à micro e pequenas empresas nas contratações
públicas (Decreto 6.204, 5.9.07), o apoio à agricultura familiar
(Pronaf) etc., a mídia alternativa também precisa receber estímulos do
governo para que se desenvolva, seja mais atuante e o meio tenha
condições de ser plural e democrático.


Os pequenos veículos de comunicação não possuem o mesmo aparato e
capital que os grandes. Precisam de um tratamento diferenciado para se
fazer cumprir o princípio da isonomia, que implica a necessidade de os
iguais serem tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na
medida da sua desigualdade.


Preciso é também fortalecer a TV Brasil, tornando-a de cobertura
nacional. A fonte de recursos poderiam ser as verbas de publicidade
destinadas aos grandes veículos de comunicação.


Ao mesmo tempo o governo deve estabelecer critérios claros e de
interesse nitidamente público para a aplicação de verbas publicitárias,
cortando despesas com veículos que disseminem preconceitos e infrinjam
nossos princípios constitucionais.


Enquanto a grande mídia for a “fonte oficial” de informação para o
público e pautar governos e aquilo que seja “notícia” em nossa
sociedade, o colonialista, em nova roupagem, estará ainda sobre nós.

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