domingo, 23 de novembro de 2014

O tucano que iluminou o Brasil | Blog da Cidadania

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O tucano que iluminou o Brasil

Edu Guimarães



Ricardo Semler tem o perfil tucano padrão. Rico, 55 anos, paulista,
empresário de renome, é hoje vice-presidente da Fiesp, além de CEO
(executivo-chefe) e sócio majoritário da empresa Semco S/A. E não tem
apenas perfil tucano; é filiado ao PSDB. E das antigas. Filiou-se quando
Franco Montoro presidia o partido.


Semler tornou-se conhecido por ter implantado em sua empresa fórmulas
inovadoras de gestão empresarial. Sob sua gestão, o faturamento da
empresa subiu de quatro milhões de dólares em 1982 para 212 milhões de
dólares em 2003.


A revista TIME elegeu o executivo paulista como um dos “100 Jovens
Líderes Globais”, em 1994. O Fórum Econômico Mundial também o apontou em
trabalhos semelhantes. Foi exaltado como gestor pelo Wall Street
Journal – como “Empresário do Ano na América Latina”, em 1990, e
“Empresário do Ano no Brasil”, em 1992.


Semler formou-se em Direito na USP e estudou Administração em
Harvard. Além disso, escreveu livros que se tornaram sucesso em vendas
no Brasil e exterior.


Na última sexta-feira (21), o empresário surpreendeu o país com um
artigo no jornal Folha de São Paulo na linha super sincero. No texto,
reconheceu que, apesar da gritaria hipócrita entoada hoje sobre
corrupção – sobretudo na imprensa –, nunca se roubou tão pouco neste
país.


O artigo em questão se espalhou como fogo e provocou polêmica apesar
de não conter novidade. Tivesse sido escrito por um petista ou mesmo por
um cidadão sem coloração partidária, teria passado batido. O que fez o
texto repercutir tanto foi o fato de seu autor, declaradamente tucano,
contrariar o discurso de seu partido.


O artigo de Semler gerou polêmica a partir do título: “Nunca se
roubou tão pouco”. Dali em diante, sem abrir mão do discurso tucano
contra o PT – de que, ao longo dos governos Lula e Dilma, houve
corrupção e barbeiragens na economia –, o empresário tucano demonstrou
que é possível defender as próprias bandeiras políticas e ideológicas
sem cair no mau-caratismo.


O discurso de Semler em um texto literalmente antológico e que, a
esta altura, quem se interessa por política com certeza já leu, se fosse
entoado por Fernando Henrique Cardoso faria dele alguém que seria
respeitado pela maioria, em vez de repudiado.


Infelizmente, à diferença do correligionário no PSDB, FHC se entregou
à politicagem mais barata que se possa conceber, causando surtos de
indignação quando se dá ao desfrute de fazer acusações de corrupção aos
adversários políticos. Justamente ele, FHC…


Alguns dirão que Semler se contradiz porque reconhece que a corrupção
desbragada que existia antes de o PT chegar ao Poder também existiu no
governo federal de seu partido e, à diferença de hoje, não foi
investigada.


Pela lógica binária, portanto, se o empresário reconhece que sob o PT
a corrupção diminuiu, em vez de ter votado em Aécio Neves deveria ter
votado em Dilma Rousseff. Este blogueiro, porém, entende que cada um tem
o direito de votar de acordo com seus próprios interesses.


Explico: apesar de achar que os empresários brasileiros estarão mais
bem-servidos por um governo que não joga nas costas do povo o preço da
crise internacional, pois assim esse povo continuará movimentando a
economia, Semler vive entre os ricos empresários paulistas, relaciona-se
com eles, faz negócios com eles e com o resto do mundo capitalista. Por
certo, não seria bem aceito em seu meio se fosse filiado ao PT, ao
invés de ao PSDB.


Também dirão que Semler poderia não integrar partido algum. Mas como,
se tem uma visão política tão clara e saudável como a que demonstrou em
seu artigo?


Em minha visão, Semler é mais útil ao país sendo filiado ao PSDB do
que ao PT. Por que? Simplesmente porque constitui uma reserva de
sensatez e espírito público em uma agremiação que vem se perdendo em
hipocrisia e cegueira política, ideológica e social.


Trocando em miúdos: ter gente como Semler dentro do PSDB ajuda a
impedir que o partido piore ainda mais, mesmo que esse empresário
provavelmente tenha pouca influência junto às hostes tucanas.


Ao ler o artigo de Semler, é quase impossível não sentir-se tentado a
ser tão sincero e isento quanto ele. Aliás, sempre digo que isenção é
para poucos – e sempre para os mais lúcidos e inteligentes.


Nesse aspecto, nós – blogueiro e leitores concordantes ou
discordantes – que vivemos a política tão intensamente sentimos uma
ponta de constrangimento porque estamos a anos-luz de sermos capazes de
gesto igual ao de Semler.


Aliás, para um simpatizante ou um filiado tucano é muito mais fácil
ser sincero, neste momento, do que para um equivalente petista, pois o
governo recém-eleito de Dilma Rousseff está sob ameaça de golpe
“paraguaio”, de modo que quem não se dá ao luxo da sinceridade de
reconhecer as falhas do PT, como o empresário reconheceu as do PSDB, é
porque sabe que não dá para ficar criticando o partido do governo sem
ajudar aqueles que querem estuprar a democracia e jogar fora os votos de
54 milhões de eleitores.


Contudo, façamos uma concessão ao que chamo de o bom PSDB, ou seja, o
PSDB que não existe mais, o PSDB daquele que Semler disse que assinou
sua ficha de filiação ao partido, Franco Montoro, ou o PSDB do
inesquecível Mario Covas.


Lembro-me de Montoro em 1982, lutando contra Reinaldo de Barros,
candidato de Paulo Maluf ao governo de São Paulo, em um debate da
campanha eleitoral para governador, naquele ano – a primeira eleição de
governador após a ditadura.


O filho de Montoro André, é uma decepção. Politiqueiro, incapaz de um
mísero gesto de sinceridade. Mas o pai, ah, o pai… Franco Montoro era
daqueles políticos que já não se faz mais, assim como Mario Covas.


Mesmo os mais jovens devem se lembrar de Covas, em 2000, quase
consumido pelo câncer interrompendo o tratamento derradeiro para apoiar
Marta Suplicy contra Paulo Maluf no segundo turno da eleição para
prefeito de São Paulo apesar de seu candidato, Geraldo Alckmin, ter sido
derrotado no primeiro turno.


Aliás, lembro-me de Covas, na campanha a governador de São Paulo em
1998, sendo traído por FHC, que apoiou Maluf escancaradamente contra um
correligionário. Quanta diferença entre Covas e FHC…


FHC Maluf


Aliás, votei em Mario Covas algumas vezes. No primeiro turno de 1989,
pois então eu achava Lula “muito radical” – apesar de que votei no
petista no segundo turno, contra Collor –, e quando a escolha foi entre o
mesmo Covas e Maluf.


E, em 1982, é claro que votei em Montoro contra Reinaldo de Barros.


Semler resgatou o PSDB decente e social-democrata que poderia
existir, mas que foi corrompido por FHC e se tornou a excrescência que é
hoje. Um partido ligado à extrema-direita e povoado por ricaços
insensíveis, racistas e egocêntricos.


Quanto ao PT, Semler tem lá sua dose de razão. Rendeu-se ao
establishment, em grande parte. Mas enxergo que o fez porque não havia
alternativa – ou melhor, havia: entregar o país a uma direita das piores
que há no mundo.


Apesar de o PT ter admitido gente como um André Vargas em suas
fileiras, apesar de ter apelado ao mesmo caixa 2 que o PSDB e todos os
outros partidos sempre apelaram, ainda é o partido que tem a proposta
mais aceitável para o país.


O que me leva a apoiar o PT tão decididamente – e estou certo de que
Semler entende motivos como o meu – é que, apesar dos pesares, o partido
tem uma proposta invencível: divide melhor os sacrifícios que o país
tem que fazer.


Por fim, um tucano iluminar de forma tão digna e decente o país, como
fez Semler, permite-me fazer uma concessão à sinceridade: talvez
devamos, tucanos, petistas etc., refletir que ninguém é necessariamente
bom ou mau só por ser petista, tucano, corintiano ou palmeirense.


*


Leia, abaixo, o artigo antológico de Ricardo Semler publicado na Folha de São Paulo de 21 de novembro de 2014





semler 1


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