sábado, 6 de dezembro de 2014

Businessmen às soltas — CartaCapital

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Businessmen às soltas

Que pretende Dilma? Uma conciliação de roupa nova? O ódio de classe não a
admite e uma liderança popular nascida há 12 anos não deveria permitir
recuos

por Mino Carta



publicado
05/12/2014 15:36


Depois de debater com André Lara Resende e Paulo Guedes, em São Paulo, na semana passada, Thomas Piketty confessou a CartaCapital:
“Não sabia que teria de me encontrar com homens de negócios”. De fato,
os organizadores da singular tertúlia atiraram Piketty a uma cilada, não
fosse ele capaz de impagável ironia voltairiana.


O herói destas minhas primeiras linhas é autor de um livro formidável, O Capital no Século XXI,
best seller mundial que acaba de ser publicado no Brasil, exposição de
um teorema implacável: o capitalismo atinge nesta quadra fatal do mundo
seu objetivo final. Ou seja, dilatar ao extremo a desigualdade social.
Não era isto que Adam Smith pretendia, mas o homem é um bicho
inconfiável e cuidou de frustrar suas intenções.


Inúmeros cidadãos nativos que se dizem economistas são, de verdade,
homens de negócios. Alguns, excelentes no mister de enricar. Por
exemplo, os envolvidos no escândalo da privatização das Comunicações,
entre eles André Lara Resende. Quanto a Paulo Guedes, sócio destacado do
Instituto Millenium, é infatigável inquisidor de todo projeto de
inclusão social. Creio que a própria editora brasileira da obra de
Piketty tenha agido em relação ao seu autor movida apenas pela
perspectiva do bom negócio.


Nada disso me espanta. Surpreende-me que a presidenta Dilma esteja
agora a compor um governo de homens de negócios. Em busca de
explicações, solto a imaginação. Se o objetivo for reconstituir os
esquemas adotados no começo do governo Lula, a dedução é inevitável: o
próprio aprova. Ou não seria mesmo o inspirador, assessorado na ação por
Antonio Palocci, o grande operador daquele início de governo?


Ah, os operadores... Surge na memória a figura de Serjão Motta,
dotado de habilidades que no Brasil conferem poder infinito a quem as
tem. Entre P.C. Farias, personagem escrachada, e Palocci, vítima de vez
em quando de transparente provincianismo, campeia Serjão, mais eficaz do
que Júpiter ao lançar raios e urdir manobras.


Mesmo assim, a imaginação me leva a figurar Palocci em busca dos
senhores do Bradesco para sugerir, em conversa amena, o nome de uma de
suas velhas relações, Joaquim Levy, homem do banco, de onde,
aparentemente, cogita-se extrair à força o presidente em pessoa, Luiz
Carlos Trabuco, para sagrá-lo ministro da Fazenda. Ora, ora, o banco não
deve perder Trabuco, treinado longamente para a missão pelo Grão-Mestre
Lázaro Brandão. E que tal, então, o Levy? Ele sabe tudo de contenção de
despesas.
Levy, está claro, não é o único homem de negócios
convocado pela presidenta, e aí pergunto aos meus perplexos botões quais
seriam as razões de tais escolhas. Sem demovê-los da perplexidade,
também eles mergulham em roteiros imaginativos. Aparece Dilma a romper
com o PT para reeditar a conciliação das elites de roupa nova. Pasmem,
se for do seu agrado.


Entendo que, assim como a editora de Piketty foi incapaz de se dar
conta da inadequação dos convocados para debater com seu autor, Dilma e
Lula não entenderam o alcance do seu poder e o usam em benefício de
fórmulas caducas. Os passos dados adiante até ontem, graças às políticas
de inclusão social praticadas nos últimos 12 anos não são considerados,
bem como o apoio incondicional de Severina e Maria das Dores. O
desencanto com um partido como o PT, que tanto prometeu e não cumpriu,
justifico por parte de Dilma, em cuja lisura e honestidade aposto a
vida. Cadê, porém, a inovação política? Onde fica a confiança em quem a
elegeu ao cabo de uma contenda tão acirrada? Ou vinga a leniência
tradicional, se não for coisa pior, a precipitar a genuflexão ao deus
mercado?


Há outra questão. Até que ponto adianta hoje oferecer satisfações à
casa-grande? Não se iludam os manobristas, o ódio de classe não admite
conciliações. Graças a Lula e Dilma, ficou superado o momento da
composição entre o primogênito do barão e o irmão deserdado, instado à
rebeldia pelo desapontamento e pelo rancor, eventualmente esquerdista de
ocasião. Entrou no jogo uma liderança popular autêntica, protagonista
inédito. Se esta recua, dá-se o desastre. A tragédia está desenhada.

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