sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O problema da fome

Blog do Sakamoto

O problema da fome não é de falta de comida. É de distribuição de riqueza

Leonardo Sakamoto

O IBGE divulgou
pesquisa, nesta quinta (18), apontando que a insegurança alimentar
grave caiu de 6,9% dos domicílios (2004), passando a 5% (2009) até 3,2%
(2013)
. Em 2009, eram 11,2 milhões de pessoas. Agora, 7,2 milhões.

Ainda é muita gente.

Nunca
senti fome de verdade para poder entender de verdade e falar a
respeito. Passar um dia ou dois dias sem comer por alguma catástrofe não
conta. É diferente da dor sentida por aqueles que realmente não têm
acesso a alimento e têm que ir para cama mais cedo encarar o ronco do
sono para não encarar o ronco do estômago. Fome é sensação de ser comido
por dentro, em uma angústia longa de rogar por ajuda, esperar por
ajuda. E a ajuda não vir.

Os programas de transferência de renda,
como o Bolsa Família, e todo o pacote de ações públicas que vem com
eles, e a geração de empregos merecem crédito pela redução. Mas esse
processo ainda está lento demais. Pode soar demagógico, mas fome é algo
que não se pode dar mais tempo.

Até porque o problema da fome no
Brasil não é de falta e sim de distribuição. Há riqueza para todo mundo,
a questão é distribuí-la.

A cantilena é antiga, mas garantir
terra e, principalmente, condições de produção, com apoio técnico,
irrigação e financiamento, e facilitar o escoamento das mercadorias é
uma das soluções poderosas não pontuais para o problema na região rural.
Sim, reforma agrária.

A pesquisa mostra que, entre 2009 e agora, mais de 90 mil domicílios rurais passaram a ter medo de passar fome.

Sem
contar que isso ajuda a garantir mais alimentos na mesa do brasileiro –
uma vez que a pequena agricultura familiar é responsável por boa parte
dos produtos in natura que consumimos. Hoje a maior parte dos
recursos e das prioridades ainda passa longe desse pessoal, por mais que
a atenção dada eles tenha crescido nos últimos tempos.

Em certas
regiões, as famílias podem até ser ignoradas pelo “céu”, que não manda a
chuva, mas se estrepam mesmo é com a ação direta do pessoal de carne e
osso (que está de olho em suas terras ou sua força de trabalho), a
inação do Estado e a complacência de muitos de nós.

O mundo está
acordando para o fato de que é necessário mais apoio para a produção
agropecuária como instrumento de combate à fome. O que não significa
apenas garantir mais produtividade através de tecnologia (que, se por um
lado, gera mais alimentos, por outro cria uma dependência econômica
onde antes não havia – como o caso dos transgênicos). Ou amenizar a
guerra de subsídios. Mas também discutir que tipo de modelo será capaz
de garantir a segurança alimentar para bilhões de pessoas no desenrolar
deste século.

De acordo com a FAO, a agência das Nações Unidas
para agricultura e alimentação, o aumento na produção de alimentos terá
que ser da ordem de 70% para suprir uma população de 9 bilhões de
pessoas em 2050. Quem vai produzir essa comida extra? Segundo as Nações
Unidas, os pequenos produtores e suas famílias (que representam cerca de
2,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo) têm um papel fundamental,
atuando com menos impacto trabalhista, social e ambiental e sustentando
eles próprios que são os primeiros a passarem fome. Há muita gente
querendo plantar no Brasil e em outros países, principalmente na África,
onde a questão da fome tem contornos dramáticos. Só lhes falta terra,
recursos, escoamento, capacitação, tecnologia.

Adoramos culpar as
velhas oligarquias, mas esquecemos que elas deram sustentação para todos
os governos desde redemocratização. Sem contar o fato de que a economia
lucra sim com essa estrutura de exploração. Ou você acha que o seu
tanque de etanol é realmente limpo e barato com esse exército de
trabalhadores rurais temporários superexplorados que se esfolam na cana
aqui e ali?

O objetivo deste texto não é fomentar a culpa em
tempos de festas – apesar de ser um sentimento bastante presente entre
os cristãos e que não leva a lugar nenhum. Mas lembrar que comemorar
significa também “lembrar junto''. Ter em mente que nossa caminhada é
longa, mas não fará lá muito sentido se chegarmos lá sozinhos.

Garantir
que todos tenham acesso às mesmas oportunidades e ao mesmo quinhão de
Justiça. Para isso, nossa geração terá que ter a coragem de demolir
estruturas arraigadas desde a fundação do país, que garantem que uns
tenham tudo e outros nada.

E a pior das estruturas é nossa vergonhosa e humilhante concentração de riqueza. Sem combatê-la, o fim da fome é sonho distante.

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