Petrobras: sob a lei dos Estados Unidos?
Como uma decisão do governo FHC, mantida por seus sucessores,
ameaça empresa e Pré-Sal. Possível alternativa: recomprar ações,
tornando companhia 100% brasileira
Por J. Carlos de Assis
Somos um país que se contenta com aparências. Quando o Governo
Fernando Henrique decidiu colocar a Petrobrás sob a ordem jurídica
americana, nos anos 90, não nos demos conta de que era irrelevante mudar
o nome de Petrobrás para Petrobrax, ou para Petrobras sem o acento no a,
como acabou prevalecendo. O que muitos não perceberam é que, por trás
da troca de nomes para “facilitar” a internacionalização da empresa via
lançamento de ações na Bolsa de Nova Iorque, havia a inevitável
consequência de mudança de soberania sob a qual a empresa passaria a
atuar.
Não me atrevo a dizer que havia um propósito deliberado de colocar a
Petrobras, a maior empresa da América Latina, sob a ordem jurídica
norte-americana. Havia, sim, o propósito econômico de internacionalizar a
empresa. A questão jurídica seria mera consequência, aparentemente sem
maiores problemas na visão dos economistas neoliberais da época. Dado
que nos anos 90 se tinha como consumado o processo de globalização sob a
doutrina neoliberal, os ideólogos econômicos do Governo FHC acharam
natural aproveitar a onda da internacionalização sem medir as
consequências jurídicas disso. Aliás, há muito se sabe nesse círculo que
o que é bom para os EUA é bom para o Brasil!
Agora essas consequências estão aí. A Petrobras, uma empresa de
economia mista sob controle do Estado brasileiro, está sob investigação
do Departamento de Justiça dos Estados Unidos por conta do escândalo
Paulo Roberto. Se os economistas que internacionalizaram a Petrobras
acham que também isso é irrelevante, atentem-se para o que aconteceu com
o pagamento pela Argentina dos credores de sua dívida externa
renegociada. O acordo foi questionado porque os títulos haviam sido
registrados em Nova Iorque. Os juízes norte-americanos se acham donos do
mundo. Não há ordem superior à deles. Fazem o que querem, sem medir
consequências sociais e econômicas, ou com relação a soberania.
Se o Departamento de Justiça norte-americano identificar como
irregularidades de mercado, reais ou inventadas, certos procedimentos da
diretoria da Petrobras, poderá propor multas da ordem de bilhões de
dólares, abalando a situação econômico-financeira da empresa. Para se
ter uma ideia, Citigroup e Bank America se submeteram, cada um, a multas
de 20 bilhões de dólares por conta de fraudes no mercado de títulos
imobiliários no contexto da crise financeira. No caso da Petrobras,
acionistas individuais que se sintam lesados também terão cobertura da
SEC, a agência de regulação, para propor ações judiciais, entupindo a
capacidade de resposta da empresa que terá de manter um batalhão de
advogados em Nova Iorque.
Nacionalistas, como eu, se sentirão ultrajados. Mas o que poderemos
fazer diante de uma situação criada pelos economistas de FHC quando
tinham a liberdade de não fazer a internacionalização da empresa? De
fato, as vantagens trazidas pela internacionalização da Petrobrás –
venda na Bolsa de Nova Iorque de mais de 30% de suas ações – eram
ínfimas em relação aos riscos incorridos. Note-se que a indústria
automobilística americana tem ganhado bilhões aqui e nunca abriu seu
capital para brasileiros. Só quem acredita que a ordem jurídica do país
hegemônico deve ser a ordem universal, sem contestação, pode encarar
como normais, e suportáveis, as consequências jurídicas da
internacionalização da Petrobrás.
Se antes havia dúvida quanto aos riscos, a situação atual, que
qualquer advogado razoável poderia prever, revela friamente que a
internacionalização da Petrobras foi um crime de lesa-pátria. Não se
diga que era imprevisível. Houve muitos protestos, interpretados na
época como estatizantes e anacrônicos. O resultado agora é que a “causa”
da Petrobras está nas mãos de uma Justiça discricionária, privatista,
anti-setor público, regulada pelo princípio do Direito consuetudinário,
não do Direito positivo, e que se arvora, não raro, prerrogativas de
extraterritorialidade. Uma Justiça desse tipo pode tentar quebrar a
Petrobras em nome dos interesses do acionista minoritário americano, e
da ideologia neoliberal anti-Estado.
Objetivamente, temos como fato concreto, ainda a ser definitivamente
apurado, fraudes bilionárias articuladas por um diretor bandido em favor
de si mesmo e de alguns partidos políticos por ele mencionados, mas por
enquanto sem provas. Consideremos que todas as acusações sejam
verdadeiras. A Petrobrás é vítima, não autora do crime. Ela seria
implicitamente conivente, como foi o caso do Bank of America e do
Citigroup, se decidisse acobertá-lo com o pagamento de multa para se
livrar do processo criminal. Não é o caso da Petrobras, que não fez
nenhum movimento para acobertar do crime seu ex-diretor. Contudo, uma
Justiça privatista pode torcer os fatos. Seria melhor não estar
subordinado a ela. Para isso, talvez teremos que comprar as ações da
internacionalização de volta ao custo de um valor substancial de nossas
reservas internacionais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário