domingo, 14 de dezembro de 2014

"Eu não vim para explicar" - 14/12/2014 - Ombudsman - Folha de S.Paulo

"Eu não vim para explicar" - 14/12/2014 - Ombudsman - Folha de S.Paulo

VERA GUIMARÃES MARTINS



"Eu não vim para explicar"



Pergunta genérica sobre a responsabilidade de Dilma no caso Petrobras traz mais dúvidas do que revelações
"Valha-me Deus! Está me parecendo que o título de eleitor deveria ser
substituído por um título de habilitação eleitoral, que só seria
concedido a quem passasse no teste anticabeça de bagre", brincou o
leitor Carlos de Marchi, ao comentar o resultado do Datafolha publicado
no domingo, 7 ("Brasileiro responsabiliza Dilma por caso Petrobras").





Marchi não estranhava a revelação principal, alçada à manchete, de que
sete em cada dez brasileiros atribuíam à presidente Dilma Rousseff
alguma responsabilidade no esquema de corrupção da Petrobras.





Nem acho que era para estranhar. A maior estatal do país está mergulhada
num escândalo de delações e fraudes e jorram novas denúncias a cada
dia. Estranho seria se esse noticiário onipresente não respingasse no
governo federal, umbilicalmente ligado à petroleira.





O surpreendente, e não apenas para ele, era a aparente contradição desse
número com outros revelados na pesquisa. Se 68% responsabilizam de
alguma forma a presidente pelas irregularidades na empresa, como é
possível que 42% tenham concedido a seu governo a avaliação de
ótimo/bom, mesmo índice de outubro, no auge da campanha eleitoral? Dilma
também não aparece na lista de beneficiários do esquema de corrupção, e
40% disseram que os corruptos foram mais punidos em sua gestão.





Não é incomum haver algo de errático na percepção coletiva, mas
desconfio que o problema nesse caso não seja dos bagres, mas da pergunta
genérica concebida pelo jornal. O termo "responsabilidade" é um
guarda-chuva amplo demais para ser usado como foi, sem questões
complementares que ajudassem não só o entrevistado, mas também o leitor,
a entender o que o conceito poderia significar para cada um.





Ressalve-se que essa falta de parâmetros mais claros não é novidade
desse questionário. A pergunta é padrão, idêntica às que foram aplicadas
em pesquisas de governos anteriores, também atingidos por denúncias de
corrupção.





O problema é que repetição de um modelo criado há décadas tem o mérito
de respeitar o histórico, mas reprisa e repisa o seu defeito, no caso, a
ambiguidade. Na época, como agora, em vez de iluminar o cenário, ele
desperta mais dúvidas.





Por exemplo: o que pensam os 43% de entrevistados que imputaram à
presidente da República muita responsabilidade no caso? Julgam que ela
sabia das irregularidades e nada fez? Que tem alguma participação ativa
no esquema montado ou dele tirou benefícios?





Que é copartícipe por tabela, porque escolheu e/ou aprovou os gestores
da petroleira e fez/referendou os acordos partidários que colocaram
gatunos cuidando do cofre? E se a responsabilidade veio apenas por
derivação, em virtude do cargo que exerce, ela seria "muito" ou "um
pouco" responsável? (Para situar quem não leu: "um pouco" foi a opção
escolhida por 25%; outros 20% disseram que Dilma Rousseff não tem
nenhuma responsabilidade e 12% não souberam responder.)





A Secretaria de Redação concorda que questões adicionais poderiam
qualificar a percepção manifestada, mas afirma que não há razão para
crer que elas mudassem o resultado principal. Também acho que não, e não
coloco isso em dúvida. Meu ponto é que o levantamento poderia ir além
do quanto e tentar esclarecer os porquês.





Pesquisas são instrumentos valiosos para tentar apreender o humor da
sociedade e, quanto mais puder ser feito para reduzir suas limitações e
apurar suas revelações, melhor. Se não, como definiu o leitor, o
resultado fica difuso, vago e vira material para bate-boca.


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