Batalha perdida - Ricardo Noblat: O Globo: "Batalha perdida
“Eu sou um piano de cauda. Não caibo num único ministério”, observou Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, em conversa com o presidente eleito Tancredo Neves no início de 1985. Ulysses emplacou três ministros de uma vez – Pedro Simon, Renato Archer e Waldyr Pires. Tancredo morreu em abril sem tomar posse.
Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou à presidência da República, João Goulart, seu vice, só tomou posse depois que o Congresso trocou o regime presidencialista pelo parlamentarista. Foi a maneira encontrada pelos políticos para contornar o veto dos militares a Goulart. Tancredo elegeu-se primeiro ministro.
Tão logo encontrou Goulart, ouviu dele: “Você tem um longo parecer de sua assessoria que lhe garante todo o poder. Mas eu também tenho um da minha que me assegura todo o poder. Precisamos nos entender”. Não foi tão difícil. Tancredo respondeu: “O senhor me dá Minas e fica com o resto do país”.
Quer dizer: caberia a Tancredo indicar os ocupantes de todos os cargos federais que tivessem ligações com Minas, seu Estado natal. “É, mas também quero algumas coisas em Minas”, rebateu Goulart. Tancredo retrucou: “Então você me dá os ministérios dos Transportes e do Trabalho e fica com os demais”. E assim se fez.
Quando governou Minas nos anos 80, Tancredo foi procurado certo dia por seu secretário Ronaldo Costa Couto com a proposta de demitir 22 mil servidores para enxugar despesas. Tancredo hesitou. Não gostava de demitir. Cedeu, mas pediu ao secretário que contratasse cerca de mil pessoas com as quais tinha dívidas de gratidão.
No dia seguinte, ao ler na capa do jornal Estado de Minas que o governo dera a largada para um “novo trem da alegria”, Costa Couto reapresentou-se irritado a Tancredo. “Como a gente demite 22 mil servidores e a notícia que sai é sobre contratados?” Tancredo ensinou: “Mineiro gosta de nomeação. Fui eu que dei a notícia para o jornal”.
Tempos relativamente ingênuos, aqueles, onde os políticos competiam por cargos para empregar amigos, parentes e afilhados. Os empregados retribuíam com pequenos favores. Havia algum tipo de roubalheira, sim, sempre houve. Mas nada que se parecesse com o que ganharia corpo mais tarde. Com o que existe hoje.
A presidente Dilma Rousseff está empenhada em evitar que o loteamento de cargos entre partidos abra espaço em excesso para trambiques que resultem em futuros escândalos. Ao contrário de Lula, ela não parece ser muito tolerante com desvios de conduta. E, de resto, carece de lábia para enfrentar dificuldades só na base do gogó.
Determinadas áreas do governo foram reservadas por Dilma para ser entregues a técnicos de reconhecida competência. Ora, sem problemas. Os partidos dispõem de nomes para toda obra. Quer um técnico? Solta um técnico! E uns mais, outros menos, todos acabarão por servir a interesses nada republicanos dos seus patrocinadores.
Vem sendo assim. E nada sugere que deixará de ser assim.
Parlamentares fazem emendas ao Orçamento da União destinando recursos para entidades e prefeituras que os ajudaram a se eleger. Em seguida, precisam que os ministérios liberem a grana prevista nas emendas. Aí costumam ocorrer os pequenos e médios trambiques.
Os maiores, que dependem de pessoas bem situadas nos escalões mais elevados de ministérios, empresas estatais e bancos públicos, passam por licitações viciadas, isenções de tributos, pagamento de comissões – e sabe-se lá mais o quê. Os beneficiados contribuem para engordar o caixa de campanha dos partidos.
Um ministro do governo Lula, obrigado a lidar diretamente com deputados e senadores, decidiu escrever um diário. Por quase 30 dias, registrou tudo o que ouviu dos seus interlocutores. Imaginava manter o diário inédito até a sua morte. Por fim, achou mais seguro tocar fogo nas anotações. “Aquilo tudo era impublicável”, lamentou.
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