sábado, 22 de janeiro de 2011

Revista Fórum

Revista Fórum: "Os pontos obscuros no mundo das bases.

Procure no Relatório da Estrutura de Bases de 2010, do Departamento de Defesa dos EUA por bases no Afeganistão. Vá em frente, leia todas as 206 páginas. Você não encontrará uma menção sequer a estas bases, nem mesmo uma citação ou uma mínima referência de que os Estados Unidos da América tem pelo menos uma base no Afeganistão, muito menos 400. Esta é dificilmente uma omissão insignificante. Adicione essas 411 bases que não aparecem no Relatório às 560 bases apresentadas por Nicholas Kristof e você terá 971 bases. Adicione isto também à conta oficial do Pentágono e ficaremos com um total de 1073 bases e localizações norte-americanas no exterior, por volta de 770 a mais do que Walter Trohan descobriu em seu artigo de 1955. Este número supera, ainda, a contagem de 1967, de que os EUA possuíam 1014 bases em países estrangeiros, ano considerado por Chalmers Johnson “o auge da Guerra Fria.”

Existem, todavia, outros meios de apurar o total. Numa carta escrita na primavera passada, o Senador Ron Wyden e os Representativos Barney Frank, Ron Paul e Walter Jones afirmaram que havia somente 460 instalações norte-americanas no exterior, não contando aquelas do Iraque e do Afeganistão. Nicholas Kristof, que contou 100 bases a mais do que contaram eles, não respondeu a meu email que requisitava esclarecimento, mas aparentemente deve ter feito a mesma análise que fiz: procurar e selecionar no Relatório do Pentágono as localizações que obviamente, apesar de seu tamanho e valor, só poderiam duvidosamente ser contadas como bases, como complexos habitacionais e escolas, hotéis (sim, o Departamento de Defesa possui hotéis), áreas de ski (possui estas também) e os maiores de seus campos de golfe – em 2007, o exército norte-americano alegou possuir um total de 172 campos de golfe dos mais variados tamanho – e cheguei a um total de 570 localizações estrangeiras. Adicionando-as ao número de bases afegãs você chegará então a 981 bases militares no exterior.

Como é óbvio, o Afeganistão não é o único pais com um mundo de bases obscuro. Procure nas contas do Pentágono por bases no Iraque e você não encontrará um único registro. (Esta omissão aconteceu mesmo quando os EUA mantiveram desveladamente mais de 400 bases no Iraque). Hoje a marca dos exércitos americanos sobre o país diminuiu radicalmente. O Departamento de Defesa recusou-se a responder um email que requisitava o número atual de bases instaladas no Iraque, mas relatórios publicados indicam que pouco menos que 88 bases ainda estão lá, incluindo Camp Taji, Camp Ramadi, Base Speicher de Operação de Contingente e a Base da Junta de Balad. Esta última, por si só, comporta por volta de sete mil soldados norte-americanos. Estas bases omitidas elevariam os números totais de bases através do globo para 1069.
As Zonas de Guerra não são os únicos pontos obscuros. Basta observarmos algumas nações do Oriente Médio cujos governos, por medo da opinião pública interna, preferem que nada seja divulgado a respeito das bases militares dos EUA em seus territórios. Para exemplificar, o Relatório da Estrutura de Bases de 2010 lista uma base não nomeada no Kuwait. Ainda assim sabemos que no Golfo Pérsico residem algumas bases americanas, incluindo o Acampamento Arifjan, Acampamento Buering, Acampamento Virginia, Base Naval do Kuwait, Base Aérea Ali Al Salem e a Ordem Udari. Adicione mais estas bases omitidas ao total e ele chega a 1074 bases no exterior.

Mais uma vez, se checarmos o cálculo de bases do Pentágono para o Qatar não obteremos nada. Mas observando o número de empregados do Departamento de Defesa trabalhando no exterior, encontraremos mais de 550 homens e mulheres trabalhando no país. Ainda que esta nação do Golfo Pérsico possa ter oficialmente construído a Base Aérea Al Udeid por si só, dizer que esta base é outra coisa que não uma instalação americana seria, no mínimo, dissimulado, tendo em vista que ela serviu como uma das bases de logística e comando mais fundamentais para os EUA nas Guerras do Iraque e do Afeganistão. Somamos então mais uma base, tendo 1075 até agora.

A Arábia Saudita também foi omitida da conta do Pentágono, ainda que, mais uma vez, a lista de empregados do Pentágono trabalhando no exterior indique que há centenas de soldados americanos neste país. Desde a preparação para a Primeira Guerra do Golfo em 1990 à invasão do Iraque em 2003, as forças armadas dos EUA enviaram centenas de tropas ao reino da Arábia Saudita. Em 2003, em resposta à pressão dos fundamentalistas sobre o governo Saudita, Washington anunciou que retiraria quase todas as suas tropas do país, deixando apenas um pequeno número. Ainda hoje o exército americano continua a treinar e educar soldados em localizações como a Vila Eskan, um complexo que fica 20 km a sul de Riyadh onde, de acordo com números publicados em 2009, 800 empregados americanos estariam instalados.

Descontados, Não-Contados e Desconhecidos.

Em adição ao desconhecido número de micro-bases que o Pentágono nem sequer se preocupa em contar e às bases do Oriente Médio e do Afeganistão que permanecem invisíveis ao radar, existem áreas ainda mais obscuras do império das bases: instalações pertencentes a outros países e que são usadas, mas não reconhecidas pelos Estados Unidos ou não declaradas por seu país de posse, também entram na conta. Por exemplo, é bem sabido que as aeronaves americanas, operando sob os auspícios da CIA tanto quanto da Força Aérea Americana e conduzindo uma não tão secreta guerra no Paquistão, decolam de uma ou mais bases localizadas no próprio território paquistanês.

Soma-se a isso ainda outras bases como a “bases disfarçada avançada de operações, comandada pela Junta do Comando de Operações Especiais (JSOC) dos EUA na cidade portuária de Karachi, no Paquistão”, exposto por Jeremy Scahill na revista Nation, e um ou mais campos aéreos gerenciados por empregados da contratadora de segurança privada Blackwater (agora renomeada Xe Services). Mesmo com o cálculo oficial do Departamento de Defesa indicando que existem mais que cem tropas no Paquistão, ainda assim nenhuma base ali é contada.

Da mesma maneira não são contadas as frotas marítimas, frotas estas que consistem em numerosos Porta-Aviões, o maior navio de guerra já produzido, assim como Cruzadores dotados de mísseis guiados, dois Destruidores de Mísseis Guiados, um submarino que ataque e um navio de munição, combustível e suprimentos. Os EUA possuem onze frotas como esta, frotas que se configuram como bases flutuantes do tamanho de cidades que podem cruzar o planeta. Possuem também muitos mais outros navios, alguns comportando cerca de mil pessoas, entre soldados e tripulação. Navios estes que, diz a Marinha, “viajam para qualquer porto numa lista 100 cidades espalhadas pelo mundo”, de Hong Kong ao Rio de Janeiro.

“A habilidade de conduzir funções logísticas a bordo permite que as forças navais mantenham uma estação em qualquer lugar”, diz o Conceito de Operações Navais: 2010, da Marinha americana. Portanto, estas bases que flutuam por debaixo dos dados oficiais deveriam ser contadas também.

Uma Explosão, Uma Lamúria, e o Alam do Século XXI

A Subsecretária Ajuda de Defesa, Dorothy Robyn, quando falou no ano passado ao Subcomitê do Comitê de Gastos do Senado sobre Construções Militares, Veteranos e Agências Relacionadas, se referiu às “507 instalações permanentes”. O Relatório da Estrutura de Bases de 2010 do Pentágono, no entanto, lista 4999 localizações e bases nos EUA, nos seus territórios e em países estrangeiros.

No grande esquema das coisas, o número de fato não é de todo importante. Se o total mais apurado é de 900, mil ou 1.100 bases em terras estrangeiras, isto não é o ponto central da questão, mas o que é inegável é que o exército dos Estados Unidos da América mantém, como diz a famosa frase de Chalmers Johnson, um império de bases tão enorme e obscuro que ninguém – nem mesmo o Pentágono – realmente faz idéia de seu tamanho e alcance totais.

Tudo o que sabemos é que isso desperta a ira de adversários como a Al Qaeda, que isso tem uma tendência a importunar mesmo o mais próximo dos aliados, como o Japão, e que costa aos Americanos que pagam impostos uma pequena fortuna por ano. Em 2010, de acordo com Robyn, a construção e a moradia militar de todas as bases dos EUA gastaram $23,2 bilhões. Somando-se mais um adicional de $14,6 bilhões necessários para reparos, manutenção e recapitalização. Para levar energia às suas instalações, de acordo com as estatísticas de 2009, o Pentágono gastou $3,8 bilhões. E isso não chega nem a tocar a superfície do que as bases norte-americanas mundo a fora custam em termos econômicos.

Como todo império, o império de bases militares dos Estados Unidos, algum dia ruirá. Essas bases, porém, não cairão como uma seqüência filmográfica de dominós bem posicionados. Não cairão, isto é, com a explosão de Álamos futurísticos, mas com a lamúria da insolvência.

De fato, ao final de 2010, a Comissão de Déficit da Casa Branca – oficialmente conhecida como Comissão Nacional sobre Responsabilidade Fiscal e Reforma – sugeriu cortar em 1/3 os gastos na Europa e na Ásia, o que, na estimativa da Comissão, economizaria por volta de $8,5 bilhões em 2015.

O império das bases, ainda que tenha o tamanho que tem, está destinado a naufragar. Os militares terão que diminuir suas bases de controle estrangeiras e diminuir sua pegada global nos anos que virão. As realidades econômicas necessitarão disso. As escolhas que o Pentágono fará hoje sem dúvida determinarão em que condições nossos recursos voltarão para a casa amanhã. No momento, eles ainda podem escolher se voltar para a casa significará um ato de infalível e magnânima estratégia de estado ou simplesmente um recuo inglório.

Qualquer que seja a decisão, o relógio está correndo, e antes que qualquer retirada se inicie, o exército americano precisa saber exatamente de onde ele retirará suas tropas (e os americanos devem ter uma clara noção de onde estão seus exércitos). Uma contagem honesta de quantas bases os EUA tem no exterior – uma lista verdade, completa e compreensiva – seria um ínfimo primeiro passo no processo necessário de diminuição desta intervenção global.

Nick Turse é jornalista investigativo, editor associado do TomDispatch.com e atualmente também professor o Instituto Radcliffe da Universidade de Harvard. Seu ultimo livro se chama “The Case For Withdrawal from Afghanistan” (Verso Books). Você pode seguí-lo no Twitter @NickTurse. O seu site na internet é NickTurse.com.

Tradução de Cainã Vidor. Publicado por http://www.rebelion.org/noticia.php?id=120157
Fonte: http://www.tomdispatch.com/post/175338/tomgram%3A_nick_turse,_the_pentagon%27s_planet_of_bases__/. Foto por http://www.flickr.com/photos/soldiersmediacenter/.

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