Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: A fonte do sucesso - 02/01/2011: "Ocorreu uma inovação decisiva, quase estritamente intuitiva, que veio a fazer o sucesso de Lula e do seu governo: a imaginação
A APROVAÇÃO espetacular da presidência de Lula se explica, é claro, pelo uso que fez dos instrumentos de governo, mas daí decorre uma indagação menos óbvia e mais interessante: o que levou a esse uso que se diferenciou do mesmismo governamental brasileiro?
Os dois mandatos de Lula são de presidentes e de governos que têm muito pouco em comum. Não foi por falta de memória que a caracterização do governo Lula como mero continuísmo, tão insistente no primeiro mandato, nunca mais foi repetida no segundo. Continuísmo que não era, como mal se defendiam os petistas, uma incompreensão da crítica nem, tampouco, uma contingência incontornável.
Era a escolha de um presidente e um governo temerosos dos setores dominantes, inseguros da resistência para manter-se no poder, e por isso decididos a apegar-se à cartilha do mesmismo governamental. Um estado muito evidente na contradição entre os ares serviçais voltados para o empresariado forte, em especial o financeiro, e a fúria desabafada por Lula, nas falas ao povão, contra 'as elites desse país'.
O convencionalismo do governo Lula confirmou-se na disputa pela reeleição. Geraldo Alckmin não era um competidor difícil, carecia de presença nacional e sustentava uma candidatura cujo único possível atrativo era a oposição a Lula. O qual, além do mais, mesmo valendo-se de facilidades e de meios de propaganda do governo, tal como Fernando Henrique em sua reeleição, teve uma vitória muito pouco expressiva. Ainda há pouco se veio a saber, pelo WikiLeaks, que a derrota de Lula chegou a ser temida em seu círculo.
De qualquer modo, a vitória pareceu dar a Lula alguma confiança mais. Embora não suficiente para encorajá-lo a fazer um governo menos preso aos legados históricos e aos recentes -um país a serviço do setor financeiro privado, com o serviço público devastado, um ou outro programinha social para maquiar a face real, a inexistência de soberania nas relações internacionais, e o mais que se sabe.
Nesse vago andar, não seria apenas por acaso a junção de Guido Mantega, Dilma Rousseff e Celso Amorim em torno de Lula e, desde aí, a criação de um sentido para o governo. Lula conquistou, sem o cerceio do duo de regentes conservadores Antonio Palocci/Henrique Meirelles, o estímulo para a segurança pessoal e a redefinição de sua presidência. Afinal formava-se a unidade no centro de decisões do governo.
A velha ideia de crescimento conjugado a combate à inflação enfim teve a sua oportunidade. Nada a ver com o petismo, nada das modificações estruturais e das reformas institucionais que, antes, se esperariam de Lula. Mas ocorreu uma inovação decisiva, quase estritamente intuitiva, que veio a fazer o sucesso de Lula e do seu governo: a imaginação.
Uma das características do Brasil é a falta de imaginação política e, com ela, de imaginação governamental. O exemplo extremo, nesse sentido, é o governo Fernando Henrique, em que 'o intelectual no Poder' só se afastou do roteiro mediocremente tradicional para submeter-se, e ao país, às diretrizes externas do neoliberalismo, feitas de muitos interesses e escassas ideias.
Aderido à proposta de crescimento, o governo Lula adotou (até por necessidade) uma dose razoável de imaginação, e agiu em função dela. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, é o exemplo mais apropriado. Não compõe um plano de ação, atira-se para todos os lados, mas deu o sentido de ação governamental a enfrentar buracos negros que, em seus variados gêneros, jamais viam ultrapassado o limite das palavras vazias, ou carregadas só de demagogia.
Geração de energia, retorno à indústria naval, transposição do São Francisco, estímulo a novas siderúrgicas, força total à Petrobras -fartas quantidade e variedade de iniciativas que criaram o clima de país em reelaboração. Nesse conjunto caótico do PAC, a urbanização de favelas juntou-se a programas como o Minha Casa, Minha Vida, o gigantismo do Bolsa Família e vários outros para grupos sociais e atividades pouco ou nada assistidos. Combinados, deram ao governo a face de poder voltado para o povo sempre sem governo. A imaginação deu frutos, a Lula e seu governo e, como melhoria das condições de vida, a grande parte da população.
Comparada à inovação nas relações exteriores, tanto políticas como comerciais, a ação interna foi ideologicamente moderada. Hoje se tem certeza, pelo WikiLeaks, de que a aqui tão criticada mediação no problema Irã foi a pedido dos Estados Unidos. Se esse episódio merece revisão, outros, como a insistência malsucedida para ingresso no Conselho de Segurança da ONU e a 'aliança estratégica' com o governo francês de Nicolas Sarkozy, continuam deploráveis. Mas o governo imaginou ações que conquistaram uma nova inserção internacional do Brasil e lhe deram a voz de nação. A importância dessa novidade é tão grande que ainda não pode ser percebida na plenitude, como realizadora de nova configuração do país e mesmo do mundo. A imaginação deu frutos.
A própria candidatura de Dilma Rousseff foi o exercício de uma liberação imaginativa, de sentido político, imposta por Lula em uma exibição definitiva da autoconfiança e da autenticidade que lhe faltaram no primeiro mandato. E outra vez a imaginação deu frutos.
O Brasil merece que Dilma Rousseff os reproduza e aprimore.
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