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Senadora binacional
Raymundo Costa – VALOR
Num país governado por uma mulher, a representação feminina do novo Congresso não chega a 10% na Câmara e chega à metade do patamar de 30%, a cota de candidaturas de mulheres exigida aos partidos, no Senado – 8,77% e 14,8%, respectivamente. Mas consagra um outro perfil parlamentar, entre as mulheres, mantendo uma tendência verificada nas últimas eleições.
São 45 deputadas e 12 senadoras que devem assumir suas cadeiras, em fevereiro, com interesses, em boa parte, que vão além daqueles que costumavam caracterizar os mandatos das mulheres, como os problemas da infância e da adolescência, para ficar apenas num exemplo. O perfil dessa nova parlamentar é parecido com o da presidente Dilma Rousseff.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) é, sem dúvida, um exemplo bem acabado. Ela é um fenômeno eleitoral, anunciado em 2006, quando esta advogada de 45 anos, sem nunca ter disputado antes uma eleição por pouco não ganha a vaga do senador Álvaro Dias, candidato à reeleição, com uma passagem bem avaliada pelo governo estadual.
Ano passado, Gleisi atropelou os adversários, superando a marca dos 3 milhões de votos, enquanto o ex-governador Roberto Requião (PMDB) suava a camisa para ganhar a segunda vaga, com cerca de 100 mil votos à frente do terceiro colocado, mas quase meio milhão de votos atrás da candidata do PT.
Com a eleição de Gleisi, o Paraná ganhou uma senadora e o Paraguai ganhou uma aliada no Congresso brasileiro. É que os interesses dessa ex-diretora de finanças de Itaipu, mulher do ministro Paulo Bernardo (Comunicações) e desde já virtual candidata ao governo do Estado vai além das linhas que demarcam a tríplice fronteira no extremo Oeste paranaense.
Gleisi Hoffmann veste o figurino da nova congressista
Gleisi escolheu três comissões do Senado para atuar prioritariamente. Entre elas não está a que trata de assuntos sociais, uma escolha comum entre as mulheres, em legislaturas passadas (e que ela faz questão de valorizar tanto nas parlamentares que a antecederam como naquelas que hoje continuam se batendo pelas causas sociais). Pela ordem, escolheu a Comissão de Assuntos Econômicos, a de Agricultura e a de Relações Exteriores.
Para entender as escolhas da senadora é preciso compreender, pelo menos, a região que ela representa. A escolha da Comissão de Agricultura é quase um lugar comum entre os congressistas do Paraná, um Estado essencialmente agroindustrial. Relações Exteriores já é consequência de uma realidade local que extrapola ao Paraná e ao Brasil.
Foz do Iguaçu, no extremo Oeste paranaense, é a fronteira mais populosa do Brasil, entre os vizinhos da América do Sul. Apenas em Foz (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), são mais de 600 mil habitantes. Em 62 municípios, nos três países, considerados área de influência da tríplice fronteira a população chega a 1,9 milhão de habitantes.
Depois dos Estados Unidos (EUA), o Paraguai é o país que abriga o maior número de brasileiros fora de casa, não menos de 300 mil, talvez 450 mil, segundo cálculos de entidades governamentais e não governamentais (não existe um número oficial).
A maior parte desta população é constituída de “brasiguaios”, na origem os brasileiros – indenizados – cujas terras foram inundadas pelo lago de Itaipu e atravessaram a fronteira atraídos por terra fértil e incentivos fiscais concedidos pela ditadura do general Alfredo Stroessner, na primeira metade dos 70.
Os “brasiguaios” são hoje responsáveis pela maior parte do que de melhor existe no agronegócio paraguaio. Algo entre 80% e 85% da soja exportada por aquele país é produzida por brasileiros – no Paraguai ou do lado de cá da fronteira, diga-se a bem da verdade.
Segundo Gleisi, essa é a questão: ainda hoje, o Paraguai é visto no Brasil, inclusive entre autoridades, como um problema. Em sua opinião, trata-se de um enfoque que precisa ser mudado. Ela costuma dizer que, para cada paraguaio envolvido em ilícitos como o contrabando de armas, o tráfico de drogas e o descaminho de mercadorias, “há pelo menos cinco brasileiros juntos”.
É um exagero deliberado, mas que serve para justificar o argumento segundo o qual ajudar o Paraguai, um país menor que o Paraná, é contribuir para solução também de problemas internos brasileiros. “O contrabando, por exemplo, afeta nossa indústria”, diz. A tríplice fronteira também virou um motivo de atenção mundial, devido as suspeitas dos EUA de que tenha se transformado em abrigo de terroristas.
Na realidade, a teia de interesses entre Brasil e Paraguai é hoje tão densa que o vizinho detém hoje sete representações consulares brasileiras. No atual conselho da Itaipu Binacional há dois representantes do Itamaraty.
A aprovação da revisão do tratado de Itaipu “será um ponto de honra” para Gleisi, em sua estreia no Senado. Ela acha que o governo brasileiro se equivocou, quando resistiu à renegociação, exigida pelo Paraguai, do valor pago pela energia de Itaipu.
É nesse contexto que se discute a revisão do Tratado de Itaipu, assinado em 1973 pelas ditaduras que governavam os dois países, na ocasião. O Brasil pagou pela usina, mas assegurou-se de que, nos 50 anos seguintes, os paraguaios nos venderiam, a preço de custo, o que não utilizassem da energia a que teriam direito como sua parte no empreendimento. O Paraguai utiliza apenas 10% dos 50% que lhe cabem.
A revisão do acordo, atualmente em tramitação no Congresso, levará o Brasil a pagar três vezes mais do que atualmente paga pelo excedente paraguaio da energia de Itaipu. Com base em valores de 2008, os pagamentos anuais passariam de R$ 200 milhões para R$ 600 milhões.
O fato é que o país precisa de energia, e Itaipu responde por cerca de um quinto do consumo brasileiro. A partir de 2023, prazo longínquo em 1973 mas hoje visível a olho nu, em tese o Paraguai poderia assumir, com seus custos e riscos, a comercialização de sua metade em Itaipu.
Dilma não conseguiu colocar tantas mulheres quanto gostaria no governo. Mas a bancada feminina do Senado promete, como mostra a agenda de Gleisi. E além dela tem Marta Suplicy, Ana Amélia Lemos e outras nove.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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