A utopia da Internet universal na Espanha - 23/01/2011 - El País: "Todo mundo, more onde morar, tem direito a poder contratar uma linha telefônica. E a ter uma cabine em seu povoado, por mais distante que seja. E inclusive a figurar em um guia telefônico, se assim o desejar. Mas, na era do Google e do Facebook, ter acesso à Internet ainda não é um direito, pelo menos na Espanha. O chamado serviço universal garante aos cidadãos, independentemente de seu local de residência, uma série de serviços mínimos de telecomunicações. A Internet está prestes a entrar nesses mínimos, mas será preciso esperar pelo menos um ano.
O governo, que tinha prometido que toda a população teria garantida por lei a conexão à Internet em 1º de janeiro deste ano a uma velocidade mínima de 1 Megabytes por segundo (Mbps), deu um passo atrás - o Ministério da Indústria de Miguel Sebastián nega taxativamente a palavra 'retificação' - e ampliou o prazo para 31 de dezembro deste ano.
A reforma histórica foi introduzida na Lei da Economia Sustentável (LES), mas passou despercebida porque a chamada Lei Synde, também incluída em um dispositivo da LES, que tenta perseguir as páginas de downloads de filmes e música, obteve todo o destaque. A norma passará ao Senado na semana que vem e, à espera do regulamento que a desenvolva, será uma realidade ao longo deste ano. Dessa forma, qualquer cidadão, mesmo que more em uma aldeia perdida, terá direito a reclamar do governo a possibilidade de contratar uma linha de banda-larga (o serviço universal só garante a contratação por um preço adequado, e não a gratuidade).
O assunto não é banal. Primeiro, porque há 536 mil residências na Espanha que não tem a possibilidade de se conectar à Internet a não ser na ridícula velocidade de 56 Kbps, a oferecida pela linha telefônica do par de fios de cobre simples (a chamada banda-estreita). E segundo, mas não menos importante, porque há uma considerável confusão entre as operadoras e entre todas elas e o governo para saber quem pagará por esse serviço universal, cujo valor ninguém se atreve a avaliar. O único que se sabe é que o Estado, como disse o Ministério da Indústria, não arcará com o gasto e o distribuirá entre as companhias.
A discriminação do internauta não é exclusiva da Espanha. A UE não dispõe de qualquer legislação a respeito e se limitou até agora a fixar objetivos em suas sucessivas Agendas Digitais, que a maioria dos 27 descumpriu sistematicamente. Para atenuar essa lacuna, a Comissão Europeia prepara uma diretriz que incorpore a Internet ao serviço universal. A situação é tão desigual por países que as propostas, que serão feitas nos próximos três meses, poderão ficar afinal mais em uma declaração de intenções do que em uma normativa concreta.
Maite Arcos, diretora geral da Redtel, a associação que agrupa as principais operadoras (Telefónica, Vodafone, Orange e Ono), esclarece que o serviço universal poderá ser financiado, de acordo com a atual norma europeia, por fundos públicos ou pelas empresas do setor. E unicamente em sete países da UE, entre os quais a Espanha, escolheram esta segunda fórmula. 'Não existe um serviço universal de eletricidade ou de água, nem no serviço postal, cuja lei de serviço universal acaba de ser aprovada em 30 de dezembro, mas financiado pelo orçamento público. Estamos dispostos a ajudar a prestar esta obrigação, mas sempre que o financiamento também seja público.'
Os países emergentes também estão se conscientizando de que uma das chaves de seu desenvolvimento é a 'Internet para todos'. O caminho é lento. Na América Latina, só o Chile, com sua Estratégia Digital 2007-2012, parcialmente o México (Agenda de Conectividade) e agora o Brasil têm planos concretos para levar a banda-larga a todos os lugares. O caso brasileiro é singular. Primeiro Lula da Silva e depois sua sucessora, Dilma Rousseff, estão dispostos a garantir o acesso à rede até a última favela, mesmo que tenham de ressuscitar o antigo monopólio público (Telebrás) diante do desinteresse das operadoras privadas, que obtêm lucrativos benefícios com um serviço caro e de má qualidade nos núcleos urbanos.
Na Espanha, o serviço universal vigente se baseia na Lei Geral de Telecomunicações de 2003 (desenvolvida pela regulamentação de 2005). Inclui as seguintes obrigações: acesso a uma linha telefônica que não só permita chamar mas também navegar em 'velocidade suficiente para ter acesso de forma funcional à Internet' (banda-estreita); um guia que seja atualizado anualmente; um número de informação telefônica, cabinas públicas e ofertas ou tarifas diferentes para aposentados e incapacitados.
Em novembro de 2009, o ministro Miguel Sebastián aproveitou a feira de conteúdos digitais (Ficod) para anunciar a inclusão, como parte integrante do serviço universal, a partir de 1º de janeiro de 2011, de uma conexão de banda-larga a uma velocidade de 1 Mega (download), garantida nas 24 horas do dia. E o incluiu no artigo 52 da LES, a principal lei de Zapatero para sair da crise. Um ano depois, no final de novembro de 2010, se esclareceu que a obrigação era adiada para 31 de dezembro deste ano. Embora o ministério negue, a retificação é palpável se se levar em conta que o próprio artigo da LES define que 'antes de 1º de janeiro de 2011 será aprovado o regulamento que estabeleça as condições de acesso de banda-larga à rede pública'. Se nem sequer foi aprovada a lei, muito menos o regulamento.
Além dos prazos, o relevante é que esse artigo define uma série de condições que passaram despercebidas para associações de internautas e consumidores. A conexão poderá ser fornecida através de qualquer tecnologia, isto é, também poderia ser a internet móvel. Além disso, o governo poderá atualizar por decreto essa velocidade, de acordo com 'a evolução social, econômica e tecnológica'.
E o Executivo também guarda um às na manga: poderá definir um preço máximo para as conexões. Devido à redação ambígua do artigo, não se sabe se poderá determinar o abono mensal ou só limitar o que custa levar a linha ao domicílio, isto é, a entrada no serviço.
'O governo chega tarde e além disso o faz mal. Não podemos falar seriamente em internet de qualidade com 1 Mega de velocidade. Isso é uma balela. O usuário já não vê só seu correio eletrônico, como tem outras exigências, como o acesso a conteúdos audiovisuais. E tampouco se garante que esse serviço será fornecido por preços razoáveis. O que deve fazer é definir preços de referência, como fez a UE com as ligações para o exterior. Temos um dos preços mais altos', diz Rubén Sánchez, porta-voz da associação de consumidores Facua.
Contudo, a norma situa a Espanha na vanguarda dos países desenvolvidos nesse campo. O dilema é que ninguém quer pagar pela festa e menos ainda em tempos de crise. Para começar, se desconhece o custo de levar a Internet a todos os lares espanhóis. Nem a indústria nem a CMT, nem a patronal Ametic, nem a Redtel se atrevem a dar cifras. Mas especialistas independentes falam em cerca de 500 milhões de euros na expansão da rede e não menos de 30 milhões por ano de manutenção, já que são zonas deficitárias.
Por enquanto, o peso recai sobre a Telefónica. Desde a liberalização das telecomunicações em 1998, o antigo monopólio foi encarregado de prestar o serviço universal. Todo ano deve se encarregar em princípio desse serviço e depois à Comissão do Mercado das Telecomunicações (CMT) decide como será distribuído entre as operadoras. Até agora a Telefónica só recupera cerca de 30% do investimento, que são abonados por Vodafone e Orange. As demais operadoras não pagam.
Até 2008, o último exercício sobre o qual se fizeram cálculos, o custo foi de 74,85 milhões. Se se acrescentar a banda-larga a essas obrigações, o custo poderá disparar acima de 100 milhões de euros. Nenhuma operadora se interessa pelo serviço universal, cuja licitação fica deserta, convocação após convocação. Assim, o governo teve de voltar a impor à Telefónica que se encarregue até 31 de dezembro de 2011. De fato, a situação pode se prolongar indefinidamente, já que quando forem aprovados a lei e o regulamento a indústria terá de fazer um concurso do novo serviço universal. E tudo indica que voltará a ficar deserto.
Não obstante, o Ministério da Indústria acaba de se assegurar outro instrumento para possibilitar seu objetivo. Vai obrigar a Vodafone e a Movistar a investir 240 milhões de euros em dois anos na expansão de redes móveis de última geração (3,5G), que permite velocidades de até 40 Mbps. Essa será uma das condições que imporá na distribuição de novas frequências que pretende realizar no primeiro semestre. E também tem sua polêmica.
'O serviço universal é um conceito do passado, que tem sua origem quando se tinha de assegurar que todo mundo tivesse uma conexão telefônica. Agora com o celular tudo isso mudou. Se é preciso legislar, o primeiro que se deve fazer é decidir sobre o financiamento. E o modelo que o governo voltou a escolher é o mais caro e não o mais idôneo. Impor um catálogo de mínimos para todo mundo e que paguem as operadoras, às quais se encarrega todo tipo de impostos arbitrários como o cânone da publicidade na televisão pública. O melhor seria detectar empiricamente quem não pode ter acesso à banda-larga e por quê, e tentar solucionar esses casos concretos', indica Pedro Peña, diretor jurídico da Vodafone.
As operadoras espanholas realizaram um esforço de investimento de mais de 31 bilhões, segundo a Redtel, que afirma que 88% dos internautas dispõem de 2 Megabytes ou mais de velocidade de banda-larga, quando a média europeia é de 75%. 'É verdade que continuam existindo pessoas ou áreas que ainda não estão incluídas na sociedade da informação, mas o instrumento adequado não é aumentar as obrigações das empresas em uma conjuntura econômica adversa, e sim em programas de informação digital (mais de 50% dos não internautas continuam respondendo que não usam a Internet porque não lhes interessa ou não sabem usá-la) ou de extensão das redes de banda-larga através de ajudas públicas em colaboração com as comunidades autônomas. A conjuntura econômica do país não é a mais adequada para atirar imoderadamente', indica Arcos.
O diretor de operadoras da Ametic, Javier García, vai além e opina que ampliar as obrigações do serviço universal poderá ser um obstáculo para a concorrência e frear a inovação. 'Não se trata de um problema de oferta, já que a cobertura de banda-larga está próxima de 96% da população. Existe uma proporção muito elevada de usuários que, tendo acesso à rede, não adotam a banda-larga. O financiamento do serviço universal deveria ficar contemplados sob orçamentos públicos, já que qualquer outra possibilidade leva a uma distorção injustificada do mercado.'
O governo defende sua lei. 'Embora a Finlândia tenha sido a primeira a introduzir a conexão de 1 Mbps, a Espanha é o segundo país da UE a incorporar essa velocidade', indica um porta-voz da Indústria. Agora só resta decidir quem se encarregará de fazê-lo e, sobretudo, de pagá-lo.
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