domingo, 21 de maio de 2017

Golpe de mestre

ConJur - Entenda o golpe de mestre de Joesley Batista via Teoria dos Jogos



Limite Penal

Entenda o golpe de mestre de Joesley Batista via Teoria dos Jogos

O
empresário Joesley Batista deu um xeque-mate. Fez uma jogada de mestre.
A perplexidade de alguns contracena com a ação eficiente de Joesley,
sócio da JBS, para salvar seu grupo empresarial e sua liberdade, típica
de quem domina a lógica do novo modelo de compra e venda de informações.
Farei uma análise via Teoria dos Jogos, tema que tenho procurado
estudar[1].
Sou favorável à delação premiada, embora reconheça que há certa
ambiguidade e ausência parcial de regras claras sobre o modo de produção
desse modelo negocial. Para entender o êxito da estratégia definida por
Joesley e seus advogados, seguirei o seguinte trajeto:

1)
as investigações estavam chegando aos interesses de seu grande
conglomerado empresarial, cujos lucros foram de R$ 4,6 bilhões em 2015 e
de R$ 694 milhões em 2016, sendo necessário agir para (i) manter a
vitalidade da empresa e (ii) mitigar os efeitos da ação penal sobre a
liberdade dos sócios;
2) para obter a estratégia dominante/dominada, abrem-se duas táticas: (i) passiva:
aguardar o desenrolar das investigações, tomando-se medidas
preventivas, arriscando-se em um processo penal cujos estragos seriam
postergados no tempo (que custa dinheiro), com a real possibilidade de
sanções patrimoniais e principalmente a prisão dos envolvidos
internamente, dentre eles Joesley; (ii) ativa: agir
para produzir material capaz de ser trocado no mercado da delação
premiada, atualmente em pleno funcionamento no sistema processual penal
brasileiro. A escolha foi pela segunda opção, lançando-se a campo. Na
avaliação de riscos, a tática adotada é a dominante para qualquer um que
pense como um “homem de negócios”;
3)
adotada a tática ativa, surge a necessidade de que as informações tenham
valor de troca, ou seja, de que seja possível chamar a atenção dos
compradores (Ministério Público e Polícia Federal) pela qualidade e
relevância, bem assim do fator impacto de seu conteúdo;
4)
inventariar a informação exigia um duplo movimento entre o passado e o
futuro. De um lado, levantou-se o que tinha de informação capaz de
chamar a atenção dos compradores e, por outro lado, diante da
oportunidade de consolidar as informações produzindo gravações que
seriam a prova real, agiu de modo eficiente. O portfólio de provas a se
mostrar foi bem desenhado, contando com a coprodução de agências
estatais, capazes de atestar a regularidade e a cadeia de custódia: ação
controlada, monitoramento do dinheiro por chip etc. Como bom negociador do mercado, o delator sabia que precisava de algo raro, valioso e irrefutável;
5)
no atual contexto, nada melhor do que gravações de conversas para
causar o impacto direto, irrefletido, imediato e avassalador. Se não há o
produto, seria necessário o criar. A produção de material probatório
então precisava de uma estratégia de aquisição que, habilmente, contou
com o planejamento estratégico de ações, coordenadas para comprovação
das conversas, devidamente gravadas, a entrega de dinheiro, previamente
identificado e com localização por chip eletrônico, tudo para
comprovar a cadeia de custódia do dinheiro. Delineado o curso tático,
promoveu-se com pleno êxito, juntando-se, em ordem: a) conversas
gravadas indicando a realização das condutas; b) efetivação das ações
programadas; c) filmagens e monitoramento eletrônico do trajeto do
dinheiro; c) preservação das fontes e do material produzido;
6)
a consolidação do material de alto valor fez com que fosse possível,
invertendo a tendência passiva, a negociação dos termos finais da
delação, mediante cooperação, pagamento de multa relevante, mas incapaz
de impedir a continuidade das atividades, evitando-se, ainda, a prisão.
Xeque-mate desferido, rei encurralado, delação homologada, segue-se
adiante com novos desafios do mercado. Aliás, com informação
privilegiada sobre corte de juros e alta do dólar, o que fez o nosso
personagem: utilizou a informação para operar seus interesses, “rifando”
o Brasil, como aponta o jornal Valor Econômico.
Os juristas do processo penal baunilha
não entendem muito bem como isso se passa. Tenho insistido em ler o
processo penal pela via da Teoria dos Jogos justamente para indicar um design
de compreensão dos processos penais reais, cujo palco probatório deixou
de ser no Poder Judiciário, para se resolver na fase de investigação,
onde uma gravação vale ouro, a saber, gravações são o novo Habeas
Corpus.

O império da tecnologia e das múltiplas possibilidades de
gravação fizeram com que, se alguém quer agir de modo a se precaver ou
se garantir, deva começar a gravar tudo e todos, em qualquer situação,
dado que isso pode ter valor no futuro. Não se trata mais de produção de
verdades, mas, sim, de pura análise de custo-benefício em face de um
processo penal transformado em um balcão de negócios de compra e venda
de informações, pena e liberdade.

P.S. Você pode ser perguntar por
que alguns meios de comunicação que sempre defenderam os protagonistas,
agora, inverteram o jogo. A questão é meramente econômica: a) a
informação é relevante e com gravações, hot notícia; b) quem
der o furo da informação ganha mais acessos e melhora a audiência; c) a
JBS é um anunciante importante aos meios de comunicação; d) na análise
de custo-benefício, não há questões morais ou éticas; e) quando o time
está perdendo, economicamente, vale a pena mudar de lado e ganhar. Eis o
jogo do mercado midiático. Ler Ramonet ajudaria a compreender.


[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos.
Florianópolis: Empório do Direito, 2017, especialmente o capítulo 17,
que aprofunda a discussão sobre a Justiça negociada, delação premiada,
enfim, o mercado do processo penal.

 é
juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de
Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na
Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Nenhum comentário:

Postar um comentário