Lassance: o que vai acontecer no Brasil em 2018? - O Cafezinho
Para entender a lógica e o timing da Lava Jato
Por Antonio Lassance *
Os destinos do país em 2018
Primeiramente, a crise está de volta às ruas. “Fora, Temer!” e “eleições diretas, já!” são as palavras de ordem.
Para aprovar as diretas, é preciso uma proposta de emenda à
Constituição. Uma PEC, mesmo que aprovada a jato, cumprindo
rigorosamente a Constituição e o regimento das duas casas do Congresso,
demandaria de 4 a 6 meses. A PEC do teto de gastos (PEC 55/2016),
aprovada a toque de caixa e com forte pressão do governo Temer, então
com amplo respaldo congressual, foi votada em 6 meses.
A organização das eleições pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
pode ser feita em 70 dias. Esse foi o prazo informado pelo TSE, em 2013,
quando se cogitou fazer, às pressas, um plebiscito da reforma política.
Mas se essa organização, preventivamente, for feita de forma
concomitante à tramitação da PEC das diretas, as eleições poderiam ser
realizadas quase imediatamente após a promulgação da emenda. Com sorte
e, principalmente, muita pressão popular, teríamos um novo presidente em
dezembro de 2017. O eleito governaria por cerca de um ano.
Enquanto isso, o país seria governado por um presidente interino, por
30 dias, e, em seguida, por um presidente com mandato tampão, até
dezembro de 2018 ou até que um novo presidente seja eleito, se houver
emenda das diretas aprovada. Na prática, a emenda das diretas reduziria o
mandato desse presidente tampão. Ele saberia que não tem legitimidade
nem tempo para promover grandes reformas, principalmente, sendo
escolhido pelos deputados e senadores que passarão para a história por
terem elegido Cunha, derrubado Dilma, empossado Temer e sido denunciados
na Lava Jato.
Como se sabe, o presidente interino, que governaria por trinta dias,
pode ser, conforme a linha de sucessão, o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, e se esse não vier a assumir, o presidente do Senado, Eunício
Oliveira. Maia e Eunício estão totalmente metidos em denúncias. Se um
dos dois resolver pagar a aposta e assumir, pode ser rapidamente
impedido, caso vire réu no Supremo. Para isso acontecer, basta o
Procurador-Geral pedir e o ministro Fachin aceitar, ou levar a decisão
ao pleno do STF. Fachin tem mostrado que age muito facilmente sob a
pressão das ruas e da imprensa – o que for mais forte.
Caso nem Maia nem Eunício assumam, a Presidência da República seria
ocupada pela atual presidenta do Supremo, Carmem Lúcia. Quem passaria a
comandar o Supremo seria seu vice, Ministro Dias Toffoli, até o retorno
de Carmem após a eleição indireta de um novo presidente.
Duas coalizões se digladiam pelo poder. Nenhuma delas é popular
O destino do país e da Presidência da República depende
fundamentalmente do povo nas ruas, mas, neste momento, há duas coalizões
principais que se digladiam na disputa pelo poder. Nenhuma delas é
popular. Nenhuma cogita eleições diretas já.
Uma coalizão é a do grande acordo nacional. Essa é a coalizão
comandada por Temer, que assumiu o comando do país com o afastamento de
Dilma e que tem como base política o PMDB, o PSDB e o DEM, e como base
jurídica o grupo do Supremo conformado por Gilmar e Alexandre de Moraes.
Essa coalizão tinha como programa “estancar a sangria” dos políticos e
do mercado. Estancar a sangria política seria encerrar a Lava Jato,
controlar o Supremo, o Ministério Público e a Polícia Federal. Estancar a
sangria econômica seria estabilizar a economia do País e aplicar um
programa de reformas que transfira renda dos trabalhadores para as
empresas, por meio de duras reformas.
O sonho dessa coalizão seria implantar o parlamentarismo no país.
Desmoralizada perante a opinião pública, sobretudo pela presidência de
Cunha e Renan, pelas reformas da Previdência e trabalhista e pelas
sucessivas denúncias de corrupção, essa coalizão esperava no mínimo
preparar o terreno para a eleição de um candidato em 2018 que
continuasse esse programa impopular – Alckmin ou Doria.
A outra coalizão é a da Lava Jato, que tem como agenda principal
fortalecer o poder do Ministério Público, da Polícia Federal e do
Judiciário sobre os destinos do País. O que quer essa coalizão? O mesmo
que os políticos, guardadas as devidas proporções: poder, prestígio e
dinheiro. O mote principal desse projeto é o combate à corrupção, mas o
interesse fundamental desses grupos é garantir o controle sobre decisões
essenciais ao país e a remuneração de suas corporações em níveis que,
internacionalmente, não têm paralelo.
Ambas as coisas estão interligadas. Quanto mais poderosas essas
corporações se tornam, impulsionadas pela agenda do combate à corrupção,
maior a justificativa para que elas sejam muito bem remuneradas e
blindadas inclusive quanto a relações promíscuas que estabelecem com o
setor privado.
O caso de juízes que vendem sentenças; a prisão de um dos
procuradores, descoberto por vender segredos da Lava Jato para a JBS;
dos procuradores cujos parentes têm escritórios cuidando de investigados
e a situação, quase inimaginável, de procuradores licenciados para
advogarem para empresas denunciadas por eles mesmos demonstra o quanto o
poder absoluto que o Ministério Público ambiciona abre espaço para
práticas espúrias, tão corruptas quanto as que denuncia.
O mercado, comandado pelos bancos e outras grandes corporações, é
sócio da maioria dos políticos. Financia suas campanhas e compra suas
decisões a peso de ouro. Se alinha facilmente a qualquer grupo no poder
que queira fazer política como negócio. O mercado esteve com Temer até
que ele começou a falhar em entregar as reformas.
A velha mídia, cuja força hegemônica é das organizações Globo, segue a
lógica do mercado, de quem faz parte. A velha mídia é composta por
grandes empresas, não tão grandes quanto as que lhe financiam, e vende
seus produtos (notícia e entretenimento) com base em sua audiência e na
aderência à defesa dos interesses do mercado.
Para entender a lógica e o timing das revelações sobre Temer e Aécio
As revelações contra Temer e Aécio têm como propósito principal
fortalecer a posição do Ministério Público e a manutenção de seu
Procurador-Geral, Rodrigo Janot, no momento em que era ameaçado nas três
frentes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Janot tem até o final deste mês para decidir se concorre ou não a um
novo mandato. A votação dos procuradores deve ocorrer ao final de junho.
Só faz sentido para Janot entrar na lista se for para ganhar. Para
isso, precisa se manter em evidência entre os procuradores e ter força
suficiente para intimidar o Congresso e o presidente da República a
aceitá-lo goela abaixo.
A fratura exposta de Temer e Aécio veio, coincidentemente – se é que
alguém ainda acredita em coincidências -, no dia seguinte em que o
presidente revelou que não estava disposto e comprometido a indicar o
primeiro da lista de procuradores para ser o chefe do Ministério
Público. Ou seja, Temer insinuou que iria rifar Rodrigo Janot.
Também por coincidência, a revelação contra Aécio veio uma semana
depois de Janot ter trocado farpas com o ministro Gilmar Mendes. Gilmar é
quem manda hoje no Supremo, e não Carmem Lúcia, que se tornou mera
figura decorativa e cujo principal papel é produzir gafes e jantares.
Mais do que isso, é público e notório, e é assim entendido no
Ministério Público, que Gilmar é quem dá a linha no PSDB sobre como
tourear procuradores e as demais instâncias do Judiciário. Se, como
dizia Jucá, Temer é Cunha; Gilmar é Aécio. Gilmar é, no STF, a figura
central do “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”, e
costurava a estratégia de recolocar o MP sob controle, como nos velhos
tempos de Geraldo Brindeiro – conhecido como o engavetador-geral da
República.
O PSDB, sócio principal do governo Temer e com um presidente de
partido que, por baixo dos panos, costurava ativamente contra o
Ministério Público, confiava em Gilmar para servir de anteparo.
Esqueceram apenas de combinar o jogo com os russos, no caso, Fachin, que
se indispôs com Gilmar e foi criticado por ser um juiz pouco
interessado na lei e na Constituição e mais em obedecer ao MP. Fachin
acabou de provar que é isso mesmo. Está lá à disposição para cumprir
esse papel.
Para entender a Globo
A Globo, como ela própria confessou em editorial, era entusiasta do
governo Temer por sua agenda de reformas e também, isso inconfessado,
pelas generosas verbas de publicidade que Temer liberou para as mídias
decadentes e que tanto precisavam de dinheiro nesse momento de crise.
A reviravolta das revelações contra Temer e a opção editorial da
Globo pela renúncia ou impeachment se dá por duas razões claras. Em
primeiro lugar, a Lava Jato é hoje a principal notícia do país. A Globo,
desde o início, é o veículo preferencial dos vazamentos. Essas notícias
rendem grande audiência e verbas que ampliam sua publicidade.
Recusar os vazamentos levaria a Globo a perder sua preciosa fonte. A
entrega das informações do MP ao jornal O Globo e à emissora de tevê foi
feita na ofensiva de Janot contra Temer e Aécio para derrotar esses
dois adversários. Os vazamentos são inseparáveis da estratégia do
Procurador-Geral, pois são por ele controlados. Para a Globo, era pegar
ou largar. Ela precisava dar sustentação a Janot em sua briga ou
perderia a primazia nos vazamentos.
Outro fator essencial é dado pelo mercado financeiro. A situação de
Temer frustrou qualquer expectativa de que o governo consiga levar as
reformas adiante. Ao contrário, já se considerava que Temer estava
enfraquecido no Congresso e demonstrando grandes dificuldades na
tramitação da reforma Previdenciária e mesmo em aprovar a reforma
trabalhista no Senado.
Temer não interessa mais à Globo porque, no mercado, é considerado incapaz de entregar o que prometeu.
O “gran finale”: condenar Lula
Outro propósito essencial das revelações é o de fazer crer que a Lava
Jato é baseada em provas, e não em convicções, e que seria isenta e
apartidária, atingindo a todos indiscriminadamente, sejam eles o
presidente da República ou até mesmo o senador tucano queridinho de
delegados da operação – aqueles que lhes fizeram declarações de amor no
Facebook – e com quem Moro trocou conversas ao pé do ouvido. Esse
propósito é fundamental para o passo seguinte e mais importante da Lava
Jato: condenar Lula.
A convivência pacífica costurada por Lula com o mercado, em seus dois
mandatos, acabou rompida no governo Dilma, quando Unibanco, Santander,
Fiesp, montadoras de automóveis, os conglomerados de comunicação e
tantas outras grandes corporações passaram abertamente a atacar o PT, a
financiar Cunha e a conspirar pelo impeachment.
A condenação de Lula é líquida e certa desde quando o inquérito foi
remetido a Moro. Estamos há um mês para o dia D da Lava Jato, quando
ocorrerá a condenação de Lula pela suposta propriedade de um triplex,
apenas com base em delações.
Em seguida, o processo seguirá para a segunda instância, dessa vez
colegiada, e que selará a pá de cal sobre a candidatura Lula em 2018,
tirando do páreo quem é, disparado, o candidato mais popular em todas
pesquisas.
A coalizão da Lava Jato já decidiu: Lula precisa ser condenado, e o
será. É uma questão de honra e de autoafirmação. A única dúvida é se ele
será conduzido a um presídio ou se será determinada a prisão domiciliar
e a aplicação de uma tornozeleira eletrônica. Essa segunda opção
proporcionaria um ar de ponderação e isenção à Lava Jato, em vista da
idade de Lula e de sua condição de ex-presidente.
O relevante para a coalilzão da Lava Jato é desmoralizá-lo e mitigar o
risco de transformá-lo em vítima pelo encarceramento, cumprindo o
essencial: evitar que ele dispute 2018.
Pós-Lula
Não há hoje uma coalizão democrática e popular devidamente
articulada, com lideranças com suficiente protagonismo para conduzir uma
solução capaz de ser institucionalizada e tornar o país mais
democrático, mais justo e menos corrupto. A Lava Jato também demonstrou
que não tem projeto de país e sequer é capaz de combater efetivamente as
práticas corruptivas. Mesmo Cunha, preso, conforme reconhecem os
procuradores, continuava atuando.
As mobilizações de rua e a articulação de movimentos populares são a
única possibilidade de surgir um fermento social capaz de implodir a
lógica do atual sistema político, provocar mudanças e romper com os
riscos de um país tutelado por uma burocracia judicial que, se não for
controlada, pode se tornar um poder autoritário e corrupto que não deixa
nada a dever aos atuais partidos dominantes.
Mas as forças populares estão fracas e dispersas. Apesar do retorno
das mobilizações e da unificação das lutas em torno das bandeiras do
“Fora, Temer!” e “Diretas, Já!”, o fato é que não há nem coalizão
popular, nem comando e nem projeto devidamente coerente, consistente e
articulado.
O país precisaria não só barrar a reforma da Previdência, reverter a
reforma trabalhista e a PEC dos gastos. Para rivalizar com a coalizão do
“grande acordo nacional”, seria preciso um projeto capaz de reformar o
atual sistema partidário e eleitoral e reconstruí-lo em novas bases,
mais democráticas, mais participativas, de maior controle sobre os
eleitos e renovação de seus quadros.
Boa parte das lideranças sociais que despontaram na crise deveria
formar uma nova geração de políticos intimamente conectados às suas
bases, superando o descolamento atual que se vê nos partidos, e com uma
agenda de reformas de controle social sobre a política.
Para rivalizar com a coalizão da Lava Jato, seria importante um
programa para fortalecer o Estado, “desmamar” as corporações de seus
privilégios e criar instrumentos para blindar o Estado rigorosamente da
promiscuidade com o setor privado. Para tanto, é preciso que surja uma
maior coordenação com juízes, procuradores e policiais federais que
fortaleça, sem mordaça, o propósito democrático e republicano dessas
corporações.
Do contrário, o país continuará à mercê de seus predadores, sejam
eles políticos, empresários, burocratas ou mídia. Como se vê, o Brasil
tem sido vítima da ação perversa desses quatro cavaleiros do apocalipse.
Enquanto isso persistir, o poço continuará sem fim.
* Antonio Lassance é cientista político. Artigo publicado originalmente na Carta Maior.
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