Submundo da internet já se tornou formador de opinião, diz Leonardo Sakamoto
Produção de notícias falsas: de quem é a responsabilidade? "Pra muita gente, confiável é quem fala aquilo que ela quer ouvir"
por Vitor Nuzzi, da RBA
publicado
05/05/2017 14h32,
última modificação
05/05/2017 18h21
Abraji/Via Isso é notícia
São Paulo – A enxurrada de notícias falsas na internet, que é motivo de preocupação de observadores e agentes da
comunicação, mistura descuido, interesses e más intenções. Em debate
realizado na manhã de hoje (5), o jornalista e cientista político
Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil, disse que os
divulgadores das chamadas fake news, que ele chamou de "submundo", já se tornaram fontes de informação. "A
parte invisível da internet, os sites anônimos, que não têm expediente,
que não tem quem assina, já formam opinião tanto quanto a parte
visível", afirmou.
O evento foi promovido pela Faculdade de Comunicação da
Fundação Armando Alvares Penteado (Facom/Faap). Foi a primeira edição de
uma parceria com o jornal espanhol El País – outras
duas já estão programadas para este ano. "A gente está vivendo um
momento tão complicado no Brasil que qualquer motivo é motivo para virar
fake news", comentou a editora-executiva do El País Brasil,
Carla Jimenez, citando caso ocorrido ainda ontem, sobre uma informação a
respeito de emenda para prorrogar o mandato do atual governo.
"Antes do desmentido, já tinha ido pros blogs de esquerda e
essa notícia pegou fogo. Essa ansiedade, a insatisfação e o estado
emocional do país favorecem também essa disseminação de informações."
Carla contou ter se assustado quando um jornalista catalão disse a ela
estar espantado com o grau de polarização no Brasil. "A Catalunha (região da Espanha) vive esse dilema da separação há muitas décadas, e ouvir isso dele me chocou."
Autor de livro com título autoexplicativo (O que aprendi sendo xingado na internet),
Sakamoto citou três casos em que foi envolvido em divulgação de falsas
notícias. Contou que foi xingado e agredido na rua, além de alvo de uma
cuspida (que não o acertou). "Na internet, o ônus da prova é do acusado. Você tem de provar que você não fez alguma coisa que alguém acabou colocando."
Há também aqueles que ajudam a espalhar essas notícias por identificação. "Pouco
importa pra muita gente se aquilo é verdade ou mentira, o que importa é
que aquilo pode ser usado como munição na guerra virtual. Você começa a
usar aquilo à exaustão. Mesmo portais verdadeiros acabam caindo também
nesse processo", diz Sakamoto, para quem a preocupação principal deve
ser "qualificar o debate público".
Como se faz isso? Por exemplo, não dando likes (a
imagem em que o polegar aparece levantado, sinal de que gostou da
publicação) para coisas absurdas que se espalham na redes. "A partir daí, você tem a construção de uma verdade", afirma o jornalista, para quem a trollagem "é uma ciência".
O caso da figurinista Su Tonani,
que recentemente denunciou o ator José Mayer por assédio, também levou a
uma notícia falsa, de que eles teriam sido amantes. Isso a motivou a
novamente se pronunciar, em um texto publicado hoje no blog #AgoraÉQueSãoElas, no portal UOL.
Leia mais
- Divulgação de notícias falsas na internet pode ter consequências graves
- Mentiras e boatos: especialistas apontam riscos do compartilhamento
Checagem
Segundo a coordenadora do curso de Jornalismo da Faap, ajornalista e cientista social Mônica Rugai Bastos, uma preocupação
básica do profissional deve ser buscar as fontes, de preferência as que
originaram a informação. Ela destaca a responsabilidade da mídia, mas
também chama a atenção do leitor, do receptor da notícia. "Os
veículos de comunicação também têm responsabilidade. (Devem) checar a
informação, para uma produção de qualidade. Se a sociedade quiser, terá
notícia de qualidade", afirmou. Mas muitas vezes, observou, à
preocupação é de "repercutir o próprio ódio".
Uma falsa notícia sobre o fim do programa Bolsa Família chegou a ter
mais de 400 mil compartilhamentos. Sobre a "prisão" do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, nove em 10 notícias compartillhadas eram fakes.
Às vezes, uma simples consulta ao Google pode resolver o problema, diz o
jornalista e cientista político André Rossi, sócio-fundador da Veto,
empresa de inteligência de redes.
Ele também sugere desconfiar de sites com nomes que tentam "imitar" veículos conhecidos, citando a Folha Política.
Rossi lembra que Google e Facebook começam a adotar medidas para tentar
barrar a multiplicação de falsas informações. Também começa a aumentar o
número de organizações que fazem checagem – segundo Carla Jimenez,
chegam a 115, um número que o fundador da Veto ainda acha pequeno.
O debate lembrou a influência das notícias falsas nas recentes eleições norte-americanas. Em entrevista ao El País
em novembro do ano passado, o diretor da Escola da Jornalismo da
Universidade de Columbia, Steve Coll, via um ambiente contaminado por
esse tipo de notícia e citou o exemplo da informação inverídica de que o
Papa Francisco apoiava Donald Trump – 1 milhão de compartilhamentos.
Para Sakamoto, as notícias falsas já influenciaram a
eleição brasileira em 2014. Ele citou a informação espalhada nas redes
de que o doleiro Alberto Youssef tinha sido envenenado e estava à beira
da morte em Curitiba. Não adiantaram nem sequer os desmentidos da
própria Polícia Federal. "Acho que isso só tende a piorar. (Há) desde
estruturas estruturas armadas para isso, mas também
tem muita gente que é paga", afirmou, destacando a criação de perfis
falsos, mas aparentemente convincentes. "Pra muita gente, confiável é
quem fala aquilo que ela quer ouvir."
A uma pergunta sobre o caso Escola Base,
sempre lembrado em escolas de Jornalismo, a coordenadora do curso da
Faap observou que o repórter sempre deve questionar, entre outras
coisas, por que algumas autoridades falam sobre determinados assuntos
quando a investigação ainda está em curso. "Muitas vezes elas
querem aparecer, e a mídia é uma das melhores formas pra isso." Mas ela
ressalva que, naquele caso, a notícia original saiu de um delegado.
"Tinha fonte."
O diretor da Repórter Brasil avalia que um dos problemas é a "falta
de pluralidade" no espectro ideológico, em relação aos meios de
comunicação. "Há espaço para todo mundo. O ideal seria que a gente
tivesse veículos contemplando todo o espectro político, para que a
população pudesse escolher." Em um momento em que todos podem ser
"produtores" de notícias, ele disse esperar que "a gente esteja vivendo apenas uma adolescência da internet", à espera da maturidade.
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