Você conhece o jurista mais ou menos (ou o mais ou menos jurista)?
Imagineque você está com dores no coração e procura um médico. Ao chegar,
pergunta se ele entende de dor no coração, ao que ele responde: mais ou
menos. Em seguida, você pergunta se ele sabe o que isso pode significar
e, novamente, ele diz: mais ou menos. Qual a impressão que ele lhe
passa? Confiança? Segurança? Qualidade técnica?
No Direito,
vivemos um momento de multiplicação de fontes, legislação, compreensões
e, principalmente, de gente que não estuda minimamente sequer os textos
normativos.
Dia desses perguntei em uma palestra quem havia lido a
Constituição da República. A resposta foi: mais ou menos. O Código
Penal? O Código de Processo Penal? Todas as respostas foram: mais ou
menos. Repeti isso em algumas salas de aula: mais ou menos, com honrosas
exceções.
Está complicado estabelecer um diálogo com gente que
desconhece os materiais básicos do campo jurídico, justamente porque são
incapazes de discordar ou concordar motivadamente. Sabem alguma coisa
sobre tudo e pouca coisa com profundidade, normalmente porque o Supremo
Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, ou talvez
porque na memória de curta duração ainda esteja presente o resquício da
leitura das ementas do último informativo[1].
Depois
fui a campo e insisti em uma conversa animada com um membro da plateia,
que veio dizer que discordava de um ponto de vista porque “tem muito
crime” e não se poderia, em nome dos princípios da legalidade,
taxatividade, ausência de tipicidade ou mesmo por ausência de provas,
deixar de condenar quem se sabe “bandido”. Disse-me, ainda, que, se há
prova, não interessa se é lícita ou ilícita, porque o que importa é a
“verdade”, daí que “tem que condenar”.
Passada a impressão de que
era pegadinha, até porque olhei ao redor para ver se não era algum
colega querendo pregar uma peça, percebi que as afirmações eram
sinceras. De uma sinceridade apoteótica de senso comum, sinceramente,
sorri levemente dizendo que era bem legal encontrar gente séria e que
estuda os fundamentos democráticos e saí correndo.
Não se trata de
defender posturas reacionárias ou progressistas. O problema está em que
eles não sabem o que dizem, na superficialidade da opinião, do lugar
comum, da compreensão rasteira, desfundamentada. Tenho amigos e inimigos
que são capazes de estabelecer um discurso coerente e consistente,
autorizadores de um debate sério. Entretanto, são cada vez em menor
número. Não é preciso ter imensa formação acadêmica, nem pedantismos de
títulos, dado que, se o jurista tiver uma formação minimamente sólida,
poderá dominar os requisitos básicos de um diálogo que se diz jurídico.
Enfim,
você conhece a teoria do ordenamento jurídico? Teoria do Delito? Teoria
do Processo? Se você respondeu mais ou menos, talvez tenhamos que
conversar melhor. Claro que não poderemos saber tudo e todos os
pormenores do Direito, mas é inaceitável que gente que se diz formada em
Direito não tenha lido a Constituição, não domine sequer as normas em
que precise operar. O resultado é o que vemos se alastrando por aí:
juristas mais ou menos ou mais ou menos juristas que não se envergonham
de não saber. Se você foi ao médico e teve a impressão de ele ser um
charlatão ou incompetente, quem sabe possa ter a dimensão da farsa que
alguns são. O que fazer? Estudar, estudar e estudar, autores sérios e
que ajudem a dominar um campo importante da convivência humana.
Inteligência a maioria tem, bem assim capacidade cognitiva. Mas será
preciso investir tempo e dedicação na atividade cognitiva, embora o
sofá, a internet e as redes sociais possam ser bem mais atrativas. Se
você é capaz de sentir vergonha e pensa no futuro, escolha uma área para
se dedicar depois de dominar a estrutura democrática do Direito e boa
sorte. De juristas mais ou menos o inferno e os ambientes forenses estão
cheios. Você quer ser mais um?
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