Sergio Moro X respeito à lei na gravação de Joesley - O Cafezinho
Andre Lozano observa que a gravação da conversa com Temer serviu como
lição de como se faz uma investigação. Não bastam delações. É preciso
provas. Ele comparou o caso à “conduta criminosa” de Sergio Moro quando
vazou à Globo conversas da presidenta da república.
***
No Justificando
Gravação da conversa por Joesley seguiu Código de Processo Penal e Constituição
Os desdobramentos das investigações e processos que estão atingindo
os principais atores políticos brasileiros têm ocasionado diversas
discussões de cunho jurídico, em especial de caráter processual penal.
Infelizmente, Direito não é matéria obrigatória nos colégios
brasileiros, de modo que a maior parte das discussões que há nos meios
de comunicação ou nas mídias sociais são rasas e infrutíferas.
Quando se fala de provas a discussão acaba sendo, por vezes,
infrutífera, pois muitos institutos não são claros sequer para quem é
formado em direito, imagine-se para pessoas que nunca abriram um manual
de Processo Penal. Isso faz com que o clima de “Fla-Flu” (já reinante
nos dias atuais) seja exacerbado, com pessoas defendendo partidos e se
esquecendo que por trás do processo deve reinar a técnica e o respeito
às regras processuais.
As gravações realizadas por Joesley Batista, um dos donos da JBS,
fazem parte de mais um episódio dessa disputa política, expondo um
Senador de grande importância, Aécio Neves, e o próprio Presidente,
Michel Temer. É impossível, diante da divulgação de gravações, não
lembrar do caso ocorrido há pouco mais um ano, quando o juiz Sérgio
Moro, de forma criminosa, forneceu à Rede Globo as conversas obtidas
mediante a interceptação dos telefones do ex-Presidente Lula e de sua
família, conversas que envolviam, inclusive, a Presidente à época, Dilma
Rousseff.
A questão que vem à tona é: porque trato a divulgação das conversas
obtidas mediante a quebra do sigilo telefônica como criminosas e não
trato as gravações da mesma forma?
O primeiro ponto a ser analisado é quem está realizando a gravação em
cada caso. Enquanto uma interceptação telefônica a gravação é realizada
por um terceiro, alheio à conversa, na gravação ambiental o que ocorreu
foi o registro de voz da conversa por um dos interlocutores. Esse é
ponto fundamental, pois no primeiro caso estamos falando do caso de uma
conversa em que os interlocutores têm expectativa de privacidade,
acreditam que ninguém mais está inserido no diálogo.
Já no segundo caso há uma conversa em que um dos interlocutores faz a
gravação, não há uma terceira pessoa envolvida, de modo que a
expectativa de privacidade está intacta, pois não houve a intromissão
ter um terceiro sem o conhecimento dos demais participantes da
conversa[1].
Podem dizer que foi quebrada a expectativa de privacidade em ambos os
casos. Mas o que se dá no caso da gravação por um dos interlocutores é
que não se pode esperar privacidade absoluta de uma conversa. Qualquer
um dos interlocutores poderia quebrar a expectativa de privacidade, por
exemplo, contando para terceiros o conteúdo daquela conversa. Levando-se
a questão para o enfoque processual, qualquer das partes poderia
utilizar tal conversa como testemunho dos atos ali ocorridos. Nesse
ponto não há diferença nenhuma se a gravação se deu via telefone ou via
escuta ambiental, não havendo o envolvimento de terceira pessoa tem-se
como válida a gravação, independente do cargo das pessoas envolvidas.
Nesse ponto chego a uma questão muito importante, pois o delator não é
testemunha, a delação, diferente de prova, é meio de obtenção de prova.
Isso significa que as palavras do delator desacompanhadas de outros
elementos capazes de demonstrar a veracidade dos fatos narrados não vale
absolutamente nada.
O delator é um criminoso confesso, busca perdão judicial ou redução
de pena por meio da incriminação de outros membros do grupo criminoso,
fará o que for preciso para se livrar ou atenuar sua pena, inclusive
mentir. Caso seu depoimento valesse como prova, poderia incriminar
pessoas que não tem participação nenhuma nos crimes investigados, sem
que isso lhe acarretasse nenhum ônus. Por isso o depoimento do delator
deve ser visto com ressalvas e, repita-se, somente pode ser validado se
acompanhado de outras provas.
Uma vez que Joesley Batista fez um acordo de delação, seu depoimento
desacompanhado de qualquer prova de nada valeria, por isso a importância
das gravações ambientais. Certamente poderia narrar na audiência o teor
da conversa, mas como ele poderia provar que aquelas palavras realmente
foram ditas? A simples marcação de uma reunião na sua agenda certamente
não serviria como prova de acusações tão sérias.
Outro ponto de vital importância, e é aí que reside o caráter
criminoso da conduta de Sérgio Moro, foi a divulgação das conversas.
Ainda que as gravações captadas por Joesley Batista não estejam
protegidas legalmente, tomou-se todo o cuidado necessário para que sua
divulgação não fosse capaz de macular o processo – lembrando-se que em
casos dessa magnitude é preferível ter excesso de cautela –
aguardando-se o aval do Ministro Edson Fachin para que tais escutas
fossem divulgadas.
Já as escutas telefônicas jamais poderiam ser fornecidas aos meios de
comunicação por qualquer pessoa, muito menos pelo juiz do processo,
isso porque a Lei 9.296/1996, em seu artigo 8º deixa claro que as
gravações são sigilosas, sendo que o a privacidade é tão importante que a
mesma lei, em seu art. 9º determina que as gravações que não
interessarem ao processo deverão ser destruídas. Ou seja, tais gravações
somente podem ser utilizadas no processo, nunca para mobilização
política. A própria lei define como crime a divulgação das gravações
telefônicas.
Não bastasse, Sérgio Moro ainda autorizou a divulgação de conversas
telefônicas envolvendo a então Presidente, Dilma Rousseff, o que é
inadmissível, uma vez que, tendo chegado ao seu conhecimento que havia
gravações da Presidente os autos deveriam ter sido enviados
imediatamente ao STF. Ainda que fosse aceitável a divulgação das
escutas, não era um juiz de primeira instância competente para autorizar
tal divulgação.
É evidente que crimes graves como os narrados na Operação Lava-Jato
ou a cooptação de agentes públicos e de testemunhas com o conhecimento e
aval do Presidente precisam ser investigados. Mas essa investigação
deve ser feita dentro dos limites legais, respeitando-se as regras do
jogo. Respeito entendimento contrário, desde que fundamentado
juridicamente, mas ao meu ver o cuidado que tiveram com as gravações
realizadas pelo dono da JBS devem servir de parâmetro para o restante
das investigações envolvendo crimes de grande repercussão.
Há muito ouço de uma tia querida, “canja de galinha e precaução, não
faz mal a ninguém”. Se houvesse mais precaução no processo penal
brasileiro e certo que o fantasma da nulidade – que na esmagadora
maioria dos casos é causada por agentes públicos – não pairaria sobre
operações tão importantes para o combate à corrupção.
André Lozano Andrade é advogado criminalista especializado em direito e processo penal
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