sexta-feira, 22 de abril de 2016

Bolsonaro é violento por ter audiência ou tem audiência por ser violento?

Bolsonaro é violento por ter audiência ou tem audiência por ser violento?



Bolsonaro é violento por ter audiência ou tem audiência por ser violento?

Leonardo Sakamoto

Bolsonaro é violento? Sim, ele é. Mas não é burro. E nem está sozinho.

Representa
uma camada da população que divide com ele a visão de mundo e tem
orgasmos múltiplos ao ouvir as estripulias de seu deputado. Estripulias
que não vêm de rompantes do fígado, mas são milimetricamente calculadas
para ganhar espaço na mídia, nas redes sociais.

Todos os pontos de
vista merecem ter voz em uma democracia. O problema é que a visão de
mundo de Bolsonaro e representados torna o diálogo e mesmo a convivência
pacífica muitas vezes impossível. Um estranho paradoxo: Bolsonaro e
representados defendem a antítese da democracia, apesar de só
continuarem podendo se expressar livremente por conta dela.

No
capítulo mais recente, em seu voto pelo impeachment, pouco depois de
parabenizar Eduardo Cunha, homenageou o açougueiro e torturador
Brilhante Ustra e celebrou o golpe militar de 1964.

Bolsonaro é
causa e consequência da violência de nossa sociedade. Verbaliza a visão
de uma parte que reproduz processos que mantém a opressão, a dor e o
preconceito. Ou seja, o que me angustia não é ele e um grupo pequeno de
gente com ideias cheirando a naftalina, mas que parte do Brasil está com
eles. Nas rodas de amigos em bares, mas mesas de jantar com a família,
na hora do cafezinho no trabalho ou no silêncio do banheiro, lendo as
notícias do dia no tablet.

Mas, principalmente, entre os mais ricos. Como destacou Fernando de Barros e Silva, na revista Piauí,
entre os que têm renda familiar mensal superior a dez salários mínimos
(5% da população), Bolsonaro lidera a corrida presidencial na última
pesquisa Datafolha. Em um dos cenários, atinge 23% desses eleitores.
Entre os mais escolarizados, atinge 15% – atrás apenas de Marina Silva.
Entre os que ganham dois salários mínimos, ele tem 4% – mas com
potencial de crescimento porque, creio, ele não é tão conhecido nesse
estrato social.

Bolsonaro tinha 29 anos quando Figueiredo deixou o
Planalto para cuidar de seus cavalos. Ficou 15 anos no Exército e
mantinha-se na Câmara dos Deputados devido à sua defesa dos direitos
trabalhistas dos militares (pela quantidade de rifles que desaparecem
dos quartéis no Rio e reaparecem nas mão do tráfico, verifica-se como os
salários seguem vergonhosamente baixos). Daí, foi se destacando na
defesa de assuntos simbolicamente relevantes para alguns de seus
representados.

Bons exemplos disso não faltam. Foi ele quem
colocou um cartaz na porta de seu gabinete na Câmara com os dizeres
“Desaparecidos do Araguaia, quem procura osso é cachorro”, zombando das
famílias de vítimas da Gloriosa para encontrar as ossadas dos
guerrilheiros mortos pela ditadura e enterradas em local que o Exército
nega revelar.

Ou o machismo truculento presente na entrevista dada para a revista Isto é Gente,
em 2000: “Meu primeiro relacionamento despencou depois que elegi a
senhora Rogéria Bolsonaro vereadora, em 1992. Ela era uma dona-de-casa.
Por minha causa, teve 7 mil votos na eleição. Acertamos um compromisso.
Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para o meu celular para
decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser
influenciada pelos outros vereadores. (…) Foi um compromisso. Eu a
elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias. Acho que sempre fui muito
paciente e ela não soube respeitar o poder e liberdade que lhe dei''.
Note o “que lhe dei''.

Outra frase de efeito: “O grande erro foi
ter torturado e não matado” – esta dita após seminário no Clube Militar,
no Rio de Janeiro, em 2008, contra manifestantes do Grupo Tortura Nunca
Mais e da União Nacional dos Estudantes. Segundo ele, essa teria sido a
melhor solução para evitar que, hoje, pessoas perseguidas pela ditadura
pedissem indenização ou reclamassem a justa e correta abertura dos
arquivos que contam o que aconteceu na época.

Menos “humano'' que o então seu colega de partido Paulo Maluf, que outrora sugeriu aos criminosos “estupre, mas não mate''.

Em
um quadro de perguntas e respostas do programa CQC, veiculado em 2011,
compartilhou impressões sobre o mundo. Um filho que fuma maconha merece
levar “porrada”. Ser um pai presente e dar boa educação garante que a
prole não seja gay. E caso seus filhos se apaixonassem por uma negra,
respondeu que eles eram educados e que não viveram em ambiente de
promiscuidade, como a cantora Preta Gil, autora da pergunta. No dia
seguinte, sua página trouxe uma justificativa: de que a pergunta foi
“percebida, equivocadamente, como questionamento a eventual namoro de
meu filho com um gay''.

Ressalte-se, contudo, que o Supremo Tribunal Federal arquivou o inquérito
que apurou se o deputado havia praticado racismo e homofobia contra a
cantora Preta Gil. Segundo a corte, não foi possível comprovar que o réu
tenha cometido crime. A emissora de TV não enviou a íntegra da
entrevista e a Procuradoria Geral da República afirmou não ter meios de
verificar se houve crime de racismo ou se ele havia compreendido a
questão como de cunho sexual.

É claro que Bolsonaro e alguns
militares da reserva (com a ajuda de alguns “estrelados'' da ativa)
querem que a verdade e a Justiça permaneçam enterradas em cova
desconhecida junto com assassinados pela ditadura. E, pelo que parece,
que sejam enviados para as mesmas covas, os direitos conquistados a
duras penas depois que a ditadura, que ele defende, caiu.

E tendo
em vista os posicionamentos conservadores, machistas, homofóbicos,
preconceituosos de grande parte da população brasileira e que são
defendidos com unhas e dentes pelo nobre deputado e seu grupo, talvez
você esteja do lado dele. E nem perceba.

Após seu voto violento,
que fez apologia à tortura, um crime contra a humanidade, ele foi
ovacionado nas redes sociais por aquela legião de pessoas que pouco se
importa com a dignidade alheia.

Bolsonaro foi um dos principais
beneficiados pelo processo que culminou na abertura de processo de
impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados – ao lado de
Michel Temer, claro. De congressista caricatural, ele já tem 8% do
eleitorado. Em 2018, não duvidaria que ele parta de índices de 15% para a
campanha presidencial.

Como disse aqui, nesta segunda, Bolsonaro
ocupa um espaço de porta-voz de comentaristas de redes sociais, público
insatisfeito pelo fato de que seus queridos preconceitos estão sendo
atacados. Segue na mesma linha de Donald Trump, mas sem o mesmo charme
ou recursos financeiros.

Ambos dizem que essa parcela não precisa
se sentir mal ou de adaptar à evolução do mundo, que vem incluindo
pessoas antes alijadas de seus direitos. Basta lutar contra a “ditadura
do politicamente correto'', uma grande besteira, pois se ela de fato
existisse, não haveria sem-tetos, gente passando fome, mulheres negras
ganhando menos do que homens brancos, nem pessoas mortas por amar alguém
do seu jeito.

Por fim, vale lembrar que os três primeiros
colocados para a eleição, em 2014, de deputado federal do Rio de
Janeiro – Jair Bolsonaro (6,10%), Clarissa Garotinho (4,40%) e Eduardo
Cunha (3,06%) – bem como os de São Paulo – Celso Russomanno (7,26% do
total de votos), Tiririca (4,84%) e Marco Feliciano (1,90%) – têm uma
característica em comum: sabem se beneficiar da exposição
midiática. Parte deles fez sua carreira na mídia e a outra conseguiu
entender a lógica da cobertura política e, produzindo factóides, surfou
nessa lógica, mantendo-se constantemente em evidência em seus mandatos.

Discordo
das avaliações de que eles foram os primeiros apenas por conta de suas
pautas conservadoras, a importância da exposição é fundamental.
Eles souberam criar narrativas que são um prato cheio para nós,
jornalistas, ávidos por registrar e transmitir discursos que, por fugir
do que acreditamos ser a forma tradicional de fazer política, chamam a
atenção e produzem audiência.

Aos leitores que se enquadram como
cães de guarda do pensamento mais tacanho, que não compreendem que sua
liberdade não pode ferir a dignidade do seu semelhante e torcem para que
possam ser preconceituosos e segregacionistas sem medo de serem
incomodados, três coisas: a) esqueçam, isso não vai acontecer; b) livros
de história são muito baratos; c) deve ser muito cansativo defender
tanto ódio o tempo todo. Sugiro férias.

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