domingo, 10 de abril de 2016

Os vazamentos da Lava Jato e a lição da escola Base

Os vazamentos da Lava Jato e a lição da escola Base, por Janio de Freitas | GGN



Janio de Freitas


Uma única certeza: seja qual for o
desfecho da crise, será muito ruim. Isto supondo-se que haja desfecho,
propriamente dito, e não a também possível continuidade da degradação
caótica como um estado permanente. A "Constituição Cidadã", as leis, a
reverência ao Direito, a ética jornalística, a administração pública, as
práticas políticas, a respeitabilidade mínima do Congresso, a
divergência com convivência –o que aí não está muito abalado é porque já
desmorona.
A meio da semana, um aspecto dessa
situação motivou observações que há poucos anos o Brasil não precisaria
ouvir, sobre o respeito a procedimentos judiciais. Vieram de ninguém
menos do que o próprio presidente da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, Roberto Caldas, em solenidade no Supremo. Referia-se, não citando por delicadeza diplomática, aos "vazamentos" de delações e investigações:
"Em vários países, quando se divulgam
elementos da investigação, tais elementos se tornam nulos. Vejam o
quanto isso é grave: tornam-se nulos."
No Brasil, essas práticas já estão no
território da imoralidade. A começar da denominação ingênua de
"vazamento". São acusações pesadas, em deliberada confusão de dinheiro
sujo e doações legais. "O ex-ministro Delfim Netto participou da criação
do segundo consórcio; Delfim teria ganhado propina de R$ 15 milhões"
–disse um grande jornal, entre outros que apenas mudaram a forma. Se,
porém, Delfim trabalhou para o consórcio de Belo Monte, teve o seu preço
e o que recebeu não foi "propina" –que, no caso, é dinheiro
comprometedor e em geral criminoso.
Nos anais da imprensa brasileira estará
para sempre o "caso da Escola Base". Era 1994 quando as mães de duas
crianças denunciaram à polícia paulista que os donos da escola faziam
orgias sexuais com os pequenos alunos. O delegado Antonino Primante
revirou as casas dos acusados e a escola. Nada encontrou, nem em
depoimentos. Crianças passaram por exame pericial, que nada constatou.
Indignada, uma das mães repetiu a denúncia para a TV. Um escândalo
fenomenal tomou a imprensa. A escola e as casas dos seus donos foram
atacadas, eles estiveram presos. E mais dois delegados só puderam
concluir que não havia sequer um leve indício de veracidade da acusação.
Os donos da escola tiveram as vidas
arruinadas. Só a Folha se retratou. Nas Redações, houve uma onda de
"lição da Escola Base": não mais encampar acusações morais sem a
segurança necessária, comprovar a seriedade do informante e a qualidade
da informação, e por aí. Inúmeros artigos, debates, seminários ocorreram
durante anos. Os "vazamentos" da Lava Jato, da Zelotes (sobre o
Conselho da Receita Federal) e outros, seguem o mesmo padrão do caso
Escola Base: um policial/procurador diz, é o suficiente.
Agora, um agravante sobre o caso anterior: o direcionamento.
A seletividade dos "vazamentos"
originários da Lava Jato incorpora-se à crescente imoralidade política: a
Lava Jato é uma função do Estado, e não pode estar a serviço de
correntes políticas e ideológicas.
Por que o escarcéu só com alguns dos
apontados pelo ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques
Azevedo, como recebedores de dinheiro do consócio construtor da usina
Belo Monte? Por que embaralhar doações legais e ilegais, pagamentos e
caixa dois? Não é decente.
Em nada prejudicariam a Lava Jato e a
imprensa as práticas, de parte a parte, respeitosas das leis pela
primeira e da ética pela segunda. O procurador-geral Rodrigo Janot
emitiu, há duas semanas, recomendações de sobriedade e obediência às
normas. Falou ao vento, e, como em toda parte, a desordem ficou por isso
mesmo. E foi o próprio Janot a dar uma colaboração: inverteu parecer de
março para acusar Dilma Rousseff de "intenção (...) de tumultuar o
andamento das investigações criminais da Lava Jato". O Supremo, então, é
incapaz para investigar Lula? Mas Janot invocou-se também com "as
circunstâncias anormais da antecipação da posse" de Lula. É claro que se
tratava de proteger Lula de novas exorbitâncias. Mas, ao que se saiba,
presidente ainda decide data e hora das posses ministeriais e fazê-lo
não constitui delito. Ao que se saiba, não. Sabia-se.

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