domingo, 3 de abril de 2016

Grampo ilegal e abusos na origem da Lava Jato

Documentos indicam grampo ilegal e abusos de Moro na origem da Lava Jato - Notícias - Política



Documentos indicam grampo ilegal e abusos de Moro na origem da Lava Jato

Pedro Lopes e Vinícius Segalla
Do UOL, em São Paulo

  • STF irá julgar nas próximas semanas se Moro continuará ou não julgando os crimes relacionados à Operação Lava Jato

Nas últimas semanas, a operação Lava Jato levantou polêmica ao divulgar
conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a
atual presidente Dilma Rousseff (PT). Os questionamentos sobre a
legalidade da investigação, entretanto, surgem desde sua origem, há
quase dez anos. Documentos obtidos pelo UOL apontam
indícios da existência de uma prova ilegal no embrião da operação,
manobras para manter a competência na 13ª Vara Federal de
Curitiba, do juiz Sergio Moro, e até pressão sobre prisioneiros.


Esses fatos são alvo de uma reclamação constitucional, movida pela
defesa de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, no STF (Supremo
Tribunal Federal). A ação pede que as investigações da Lava Jato que
ainda não resultaram em denúncias sejam retiradas de Moro e encaminhadas
aos juízos competentes, em São Paulo e no próprio STF. Para ler a
íntegra do documento, clique aqui.

Como presidente do Instituto Lula, Okamatto também foi alvo da 24ª fase da operação. Ele foi ouvido pela força-tarefa para tentar esclarecer como o instituto e a LILS Palestras receberam R$ 30 milhões
de empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. Parte
do dinheiro foi transferido do Instituto Lula para empresas de filhos do
ex-presidente, segundo a investigação.

A reportagem ouviu nove
profissionais do Direito, dentre advogados sem relação com o caso e
especialistas de renome em processo penal, e a eles
submeteu a reclamação constitucional e os documentos obtidos. Os
juristas afirmam que a Operação Lava Jato, já há algum tempo, deveria
ter sido retirada da 13ª Vara Federal de Curitiba, além de ter sido
palco de abusos de legalidade.

O portal também questionou o juiz
Sergio Moro sobre o assunto, mas o magistrado preferiu não se
pronunciar (leia mais ao final desta reportagem).

Veja os principais pontos questionados:


Origem em grampo ilegal  


A Lava Jato foi deflagrada em 2014, mas as investigações já aconteciam
desde 2006, quando foi instaurado um procedimento criminal para
investigar relações entre o ex-deputado José Janene (PP), já falecido, e
o doleiro Alberto Youssef, peça central no escândalo da Petrobras.
Entretanto, um documento de 2009 da própria PF (Polícia Federal), obtido
pelo UOL, afirma que o elo entre Youssef e Janene e a investigação surgiram de um grampo aparentemente ilegal.



Reprodução/UOL
Representação da Polícia Federal admite que investigação começou a partir de grampo entre advogado e cliente
A conversa grampeada em 2006, à qual a reportagem também teve acesso, é
entre o advogado Adolfo Góis e Roberto Brasilano, então assessor de
Janene. Seu conteúdo envolve instruções sobre um depoimento, exercício
típico e legal da advocacia. Os desdobramentos dessa ligação chegaram,
anos depois, a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e o primeiro
delator da Lava Jato.



Reprodução/UOL
Conversa entre Adolfo Góis e Roberto Brasiliano deu origem a investigação que desaguaria na Lava Jato
"Se as premissas estiverem corretas, realmente parece que se tratava de
conversa protegida pelo sigilo advogado-cliente. Nesse caso, a
interceptação telefônica constitui prova ilícita", explica Gustavo
Badaró, advogado e professor de Processo Penal na graduação e
pós-graduação da Universidade de São Paulo. "Essa prova contaminará
todas as provas subsequentes. É a chamada "teoria dos frutos da árvore
envenenada". Todavia, a prova posterior poderá ser mantida como válida,
desde que haja uma fonte independente", conclui o professor.


Lava Jato já deveria ter saído do Paraná


Os supostos delitos e criminosos que estão sendo investigados na
Operação Lava Jato não deveriam estar sendo julgados por Moro, segundo a
tese da defesa de Paulo Okamoto, corroborada por juristas ouvidos pela
reportagem. O principal ponto é que Moro não é o "juiz natural",
princípio previsto na Constituição, para julgar os crimes em questão.


De acordo com Geraldo Prado, professor de processo penal da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Universidade de Lisboa,
"na Lava-Jato, o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba [onde atua Moro]
há muito tempo não é mais competente para julgar casos que remotamente
surgiram de investigação no âmbito do chamado caso Banestado. Pelas
regras em vigor, praticamente todos os procedimentos seriam ou de
competência de Justiças Estaduais ou da Seção Judiciária Federal de São
Paulo, porque nestes lugares, em tese, foram praticadas as mais graves e
a maior parte das infrações. Há, portanto, violação ao princípio
constitucional do juiz natural. Exame minucioso da causa pelo STF não
pode levar a outra conclusão."

A legislação brasileira
estabelece critérios objetivos para determinar quem julga determinado
crime. O ponto principal é que um crime, via de regra, será julgado no
local onde ele foi cometido. Já quando existem crimes conexos, ou seja,
que têm relação com delitos previamente cometidos pelos mesmos autores,
eles podem vir a ser julgados pelo mesmo juízo responsável pela
apreciação dos crimes iniciais.

Em casos de conexão, a lei
prevê que o que determina quem será o juiz natural para o julgamento são
os seguintes critérios, nessa ordem: o lugar onde ocorreu o delito que
tem a pena mais grave, o lugar em que houver ocorrido o maior número de
infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade, e a
competência pela prevenção, que se dá quando um juiz já julgou crimes
relacionados ao mesmo esquema ilegal. Segundo Moro, é esse último
critério que faria dele o juiz natural de todos os delitos: os crimes
seriam conexos a outro que ele já vinha julgando.

Tanto é assim
que, em todas as decisões relacionadas aos crimes investigados na
operação, o magistrado inicia seu texto com o seguinte cabeçalho:


"Tramitam por este Juízo diversos inquéritos, ações penais e processos
incidentes relacionados à assim denominada Operação Lava Jato. A
investigação, com origem nos inquéritos 2009.70000032500 e
2006.70000186628, iniciou-se com a apuração de crime de lavagem
consumado em Londrina/PR, sujeito, portanto, à jurisdição desta Vara,
tendo o fato originado a ação penal 504722977.2014.404.7000".

Os
inquéritos a que Moro se refere, de lavagem de dinheiro, foram
cometidos no Banestado, e nada têm a ver com as fraudes e desvios de
dinheiro público que ocorreram na Petrobras, que são o principal foco da
Lava Jato. A ligação, alegada por Moro, é que que alguns dos
investigados no Banestado, como Janene e Yousseff, foram flagrados em
escutas telefônicas falando sobre outros supostos crimes, estes sim
relacionados à Petrobras.

O STF, no entanto, já proferiu decisão
afirmando que escutas telefônicas que revelem crimes diferentes dos que
estão sendo investigados devem ser consideradas provas fortuitas, não
tendo a capacidade de gerar a chamada conexão por prevenção. É o que
afirma o advogado Fernando Fernandes, que defende Paulo Okamotto, na
ação que move no STF, classificando a prática de "jurisprudência
totalitarista".

O professor  Badaró concorda. "Houve um abuso
das regras de conexão na Lava Jato. Além disso, a conexão tem efeito de
determinar a reunião de mais de um crime em um único processo. Isso não
foi feito na Lava Jato. Ao contrário, os processos tramitam separados". O
advogado André Lozano Andrade, especialista em direito processual penal
do escritório RLMC Advogados, lembra ainda que um dos investigados,
José Janene, tinha foro privilegiado por ser deputado federal, na época.
"Assim, os autos deveriam ter sido remetidos para o STF. Além disso,
deveriam os autos no que se refere a outros crimes ter sido remetidos
para São Paulo, tendo em vista que o centro de operação dos ´criminosos´
era na Capital Paulista. A competência por prevenção só se dá quando
ausentes outras formas de determinação de competência."


Longa investigação sem denúncia 


A investigação que culminou na deflagração da Operação Lava Jato, a
respeito de crimes de lavagem de dinheiro ocorridos no âmbito
do Banestado, no Paraná, tiveram início em 2006. Daquele ano até 2014,
se passaram oito anos sem que a Polícia Federal, que comandava a
operação, oferecesse uma só denúncia contra os investigados, o que, na
definição da defesa de Paulo Okamoto, seria "investigação eterna".

Em 2013, após sete anos de investigações sobre o Banestado, Moro
reconheceu as dificuldades para apontar os crimes, mas concedeu um prazo
adicional de quatro meses para alguma conclusão. Esse prazo ainda foi
renovado por mais três meses após o final. O inquérito foi arquivado,
mas serviu como referência para a abertura de outro, que terminou na
Lava Jato.


Reprodução/UOL
Após sete anos de investigações, depois de prolongar por 120 dias, Moro concede mais 90 dias


Reprodução/UOL
Ao longo de oito anos, de 2006 a 2014, Moro quebrou inúmeros sigilos
"A questão torna-se mais delicada se a investigação dura meses ou anos e
em seu curso são adotadas medidas cautelares que invadem a privacidade
alheia [afastamento de sigilos, interceptações etc.], sem que a
investigação seja concluída. A última hipótese é típica de estados
policiais e não de estados de direito", alerta o professor Geraldo
Prado.

"Embora não haja na legislação brasileira um prazo máximo
para a conclusão de investigações criminais, se os investigados
estiverem soltos, não é possível admitir que a investigação possa se
desenvolver sem um limite temporal", diz Gustavo Badaró.

Decisões tomadas sem consulta ao MPF


Durante os oito anos de investigações, o juiz Sérgio Moro autorizou
sucessivas quebras de sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático e
decretou prisões cautelares, sem consultar previamente o
MPF (Ministério Público Federal) ou até contrariando recomendação deste
órgão, que, por lei, é o titular da ação penal pública.

A
história começou em 14 de julho de 2006, quando a PF fez uma
representação para Moro, com o objetivo de investigar a relação de
Youssef e Janene, solicitando a interceptação telefônica do primeiro.
Quando isso ocorre, o procedimento normal é remeter o pedido ao MPF,
para que se manifeste. Apesar disso, em 19 de julho de 2006, Moro
deferiu todos os pedidos da PF sem prévia manifestação do MPF. Em
seguida, não houve abertura de vista ao MPF, e a próxima manifestação da
PF nos autos só ocorreria quase um ano mais tarde, em 3 de maio de
2007. Durante todo esse tempo, os policiais mantiveram uma investigação
que incluía quebras de sigilo.

O primeiro despacho abrindo vista
para o MPF só ocorreu em 9 de setembro de 2008, mais de dois anos após a
abertura da investigação. Os procuradores, então, consideraram que já
havia passado muito tempo de investigação sem qualquer resultado
frutífero, e recomendaram que Moro extinguisse ali mesmo a investigação,
a não ser que a PF se manifestasse dando provas de que estariam para
surgir fatos novos que justificassem a continuidade das investigações.



Reprodução/UOL
Em 2008, MPF avisou que investigações eram infrutíferas e não pediu mais diligências
Moro, no entanto, resolveu ir contra a recomendação do MPF, e permitiu que a PF continuasse investigando.


Em 06 de janeiro de 2009, quase 120 dias depois, surgia uma mensagem
anônima com informações novas que levavam a crer que Yousseff e Janene
mantinham um esquema de lavagem de dinheiro. A PF, então, pediu novas
interceptações e quebras de sigilo bancário e fiscal de dezenas de
pessoas e empresas. O MPF recomendou que delimitasse o pedido, indicando
o período e os documentos a serem obtidos. Mais uma vez, Moro
descumpriu a recomendação dos procuradores, e autorizou todos os pedidos
da polícia. "Há motivos suficientes para deferir a quebra de sigilo
fiscal e bancário relativamente a todas essas pessoas, considerando as
suspeitas fundadas da prática de crimes expostas nas decisões anteriores
e nesta, bem como por se inserirem no rastreamento bancário em
andamento", disse o juiz, em despacho.

Outras nove vezes Moro
deferiu quebras de sigilo, sem ouvir o MPF, justificando sempre da mesma
forma.  "Não o ouvi (MPF) previamente em virtude da necessidade de não
haver solução de continuidade da diligência e por se tratar de
prorrogação de medidas investigatórias sobre as quais o MPF já se
manifestou favoravelmente anteriormente."

O professor Badaró
explica as consequências desta prática. "O deferimento em si de um
pedido sem oitiva prévia do MP não é ilegal, mas a sistemática
utilização de tal expediente, por mais de um ano, permite que se coloque
em dúvida a imparcialidade do julgador".

Presos sem acesso a advogados e banho de sol


A fase mais recente da Lava Jato trouxe denúncias de violações de
direitos humanos -- prisões temporárias prolongadas com o objetivo de
obter delações premiadas. Durante este processo, presos teriam sido
isolados, privados de encontros com seus advogados e até de banho de
sol. Um parecer do Ministério Público Federal de junho de 2014 aponta a
ilegalidade dessas práticas e pedem que sejam interrompidas -- o preso
em questão é Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.



Reprodução/UOL
Ministério Público Federal emitiu parecer pedindo fim de restrições a direitos em prisão preventiva de Paulo Roberto Costa
Outro Lado

No dia 29 de março, a reportagem do UOL
informou à assessoria do juiz Sergio Moro que estava preparando uma
reportagem sobre as supostas irregularidades constantes na origem da
Lava Jato. O portal enviou ao magistrado a íntegra da reclamação
constitucional interposta no STF pela defesa de Paulo Okamoto. A
reportagem destacou, ainda, que chamavam a atenção "uma prova
aparentemente ilícita (um grampo ilegal) que pode estar na origem de
tudo, e uma série de manobras que teriam sido feitas pelo magistrado
para manter a competência em Curitiba, contrariando o princípio do juiz
natural e as regras de processo penal aplicáveis." Diante disso,
solicitou, por fim, que Sergio Moro se manifestasse a respeito do
assunto.

Menos de uma hora após o envio da mensagem, a assessoria de Moro respondeu ao UOL, afirmando que "o magistrado não se manifesta a não ser nos autos".


Apesar do atual silêncio do juiz paranaense, Moro já proferiu opiniões
sobre alguns pontos ora em debate, seja em palestras, decisões judiciais
ou textos acadêmicos. Em um artigo que escreveu em 2004,
por exemplo, Moro defendeu o uso da prisão preventiva como forma de
forçar um investigado a assinar um termo de delação premiada". O juiz
considera válido "submeter os suspeitos à pressão de tomar decisão
quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam
confessado e levantando a suspeita de permanência na prisão pelo menos
pelo período da custódia preventiva no caso de manutenção do silêncio
ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de confissão".

Sobre
o grampo de conversas entre advogado e cliente, em manifestação enviada
ao STF no último dia 29, a respeito do grampo dos advogados que
defendem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro afirmou que o
fez por considerar que um dos advogados seria parte do suposto grupo
criminoso que estaria sendo investigado, o que tornaria legal a
interceptação. Esta poderia ser uma explicação para o grampo
supostamente ilegal que deu início à Lava Jato.

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