O xadrez do #NãoVaiTerGolpe
Atualizado em 31/03/2016 - 23:38
O fator golpe
Não vai ter golpe por uma razão: a opinião pública entendeu que atentativa de impeachment de Dilma Rousseff é golpe. Simples assim.
A partir do momento que se consolidou essa percepção, redes sociais e
até jornais foram invadidos por manifestações do grande meio de campo
que se mantinha afastado do jogo. Não se tratava mais de defender uma
presidente impopular, mas a própria democracia.
Dos quatro cantos do país chegaram as manifestações, dos cantos de
guerra das ruas, à volta dos cantores referenciais, dos poetas,
juristas, intelectuais, artistas em defesa da democracia. A bandeira das
diretas voltou a tremular, sendo oficialmente apresentada à rapaziada,
que fará sua estreia política com a mais bela das bandeiras: a defesa
das regras do jogo democrático.
Bem que a Globo tentou de todas as maneiras legitimar o golpe, recorrendo a um expediente indigno do exercício do jornalismo.
Primeiro, ouviu vários juristas, entre os quais alguns membros do
Supremo Tribunal Federal, perguntando se impeachment é golpe. Evidente
que não é: está previsto na Constituição. A questão central é:
impeachment sem justificativa constitucional é golpe?
A resposta veio do Ministro Marco Aurélio de Mello: se não houver
justificativa prevista na Constituição, é golpe. Aí o que faz a Globo? A
repórter colhe a declaração, em uma coletiva, mas no meio do texto
inclui o seguinte parágrafo:
O depoimento de Marco Aurélio diverge de outros cinco ministros
do Supremo (Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Celso de
Mello e Ricardo Lewandowski), que já disseram que o impeachment é um
instrumento legítimo para viabilizar a responsabilização política de
qualquer presidente da República.
É falso. Os cinco outros ministros falaram genericamente sobre a
figura constitucional do impeachment. Mello analisou especificamente a
circunstância de um impeachment sem justificativa constitucional. (http://migre.me/too58)
É curioso esse padrão de jornalismo tendo as redes sociais como
contraponto. Apenas reforça no conjunto de leitores/telespectadores as
suspeitas de manipulação. E um desperdício inútil de credibilidade.
De repente, a opinião pública se viu frente a um coro cada vez mais
amplo, de que o impeachment é golpe. Na ponta do golpe, um grupo de
parlamentares ostensivamente suspeitos. E, pelas torneiras da mídia, os
vazamentos sobre o pacto que está sendo amarrado, de conseguir o
impeachment e, em seguida, o fim da Lava Jato.
Foi nesse quadro épico que o comandante Eduardo Cunha colocou no
alazão o vulto de Michel El Cid Temer, abriu os portões da cidadela do
PMDB e entoou um grito de guerra de três minutos antes que as tropas
avançassem sobre os exércitos adversários.
E a tropa não avançou.
O fator PMDB
Até na vida pessoal há momentos de impasses que paralisam qualquerdecisão. Fica-se em uma situação incômoda, mas paralisado pelo medo de
decidir. Rompido o impasse, voluntariamente ou por algum evento externo,
sobrevêm o alívio.
É este o clima no Palácio do Planalto, depois do (suposto)
desembarque do PMDB do governo Dilma. Foi um desembarque fulminante, com
três minutos de aclamação e palavras de ordem contra a presidente.
Entusiasmado, Michel Temer, anunciou uma maratona vitoriosa por todo o
país, preparando o PMDB para a nova fase de ouro. Saiu do encontro
preparando-se para conquistar o Brasil. E, na porta, viu-se só.
Passado o porre, veio a ressaca. Os ministros do PMDB recusaram-se a
sair do governo. Houve reunião à noite, na casa do presidente do Senado
Renan Calheiros, onde o PMDB conseguiu chegar ao ponto máximo do
fisiologismo: romperia com o governo, mas manteria seus Ministros. Se
continuar assim, Temer conseguirá entrar para a história como o coveiro
do mais longevo dos partidos brasileiros.
No Planalto, atribui-se a mosca azul de Temer a Eduardo Cunha.
Enquanto em segundo plano frente a Sérgio Cabral, Cunha era um
negociador hábil, atuando nos bastidores. Quando assumiu a presidência
da Câmara, entrou em alfa e contaminou Temer com sua megalomania. Temer
tornou-se quase uma criatura de Cunha.
Obrigado a sair da inércia, o Palácio passou a contabilizar os
resultados do desembarque do PMDB. E, para sua surpresa, constatou que
saiu no lucro.
O PMDB tinha 7 Ministros e garante, no máximo, 30 votos contra o impeachment, de sua bancada de 69 parlamentares.
A base ideológica do governo - PT, PCdoB, parte da Rede e do Psol -
contabiliza 80 votos. A parte ideológica do PDT garante mais 10 votos.
Ficam faltando 80 votos a serem conquistados nos 400 deputados
restantes.
Se os partidos da base garantirem 10 votos, chega-se aos 170
necessários para barrar o impeachment. Os líderes falam em garantir de
15 a 20 votos por partido.
Sem o PMDB, o governo terá uma cota de 5 ministérios para repactuar
com os demais partidos e recuperar os 20 votos que poderá perder do
PMDB.
Hoje em dia, não existem partidos grandes, só partidos médios.
Puxando três médios para a base - PP, PSB e PR -, dentro de uma
pactuação efetiva, o governo conseguiria formar um novo bloco de
maioria.
O dia seguinte
Ainda há um grande desafio pela frente, de segurar o impeachment. Eum segundo grande desafio, de reinventar o governo de Dilma, caso o
golpe se frustre.
Hoje, em Brasília, a sensação maior é que a sessão que votará o
impeachment será similar à que votou as diretas-já. Não haverá quórum
para o impeachment, mas o governo terá que apresentar uma saída para o
dia seguinte.
É nessa saída que repousam as maiores esperanças em Lula.
Derrubado o impeachment, Dilma não poderá se repetir. Terá que
admitir suas vulnerabilidades e acabar de vez com o estilo de "espancar
ideias".
O estilo consiste no seguinte.
O Ministro aparece com uma sugestão de política pública. A presidente
faz, então, um teste de stress, "espancando" a ideia para analisar sua
consistência. E invariavelmente acaba liquidando com a iniciativa do
Ministro, apontando - em geral com humilhação - pontos que ficaram em
aberto. Esse estilo fez com que o Ministérios se encolhessem, evitando
apresentar qualquer ideia para não cair no pelourinho da presidente.
Há maneiras de montar ministérios de coalizão e definir planos de
governo robustos. Basta ancorar cada Ministério em secretários
executivos gestores e definir claramente as metas e foco de cada área. E
abrir-se para a sociedade, para os empresários, os movimentos sociais.
Principalmente, pensar grande para enfrentar a crise econômica que se avizinha.
De qualquer modo, se o impeachment for derrotado será a prova definitiva de que o país se tornou maior que a Globo.
E a maior prova era o contraste bolivariano. Ontem, no Planalto,
militantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores em Teto) no Palácio do
Planalto gritando palavras de ordem em defesa da democracia. Eram rudes,
barulhentos, fazendo algazarra como deveriam ter feito os índios no
descobrimento. E, no entanto, cantando com gosto o Hino Nacional e vendo
na democracia o caminho para ter oportunidades. Eram cidadãos.
E nas telas da Globo e nos portões de Paulo Skaf, de Temer, de Cunha, as ameaças maiores à grande conquista democrática.
É por isso que #NãoVaiTerGolpe.
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