quinta-feira, 21 de abril de 2016

Porque o Sen. Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?

Porque o Sen. Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?



Porque o Sen. Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?

Apr. 18 2016, 3:59 p.m.
(This is a Portuguese translation of the article. For the original version in English, click here.)


(atualização abaixo)


A CÂMARA DOS DEPUTADOS do Brasil votou a favor da
admissibilidade do impeachment da presidente do país, Dilma Rousseff,
encaminhando o processo de afastamento para o Senado. Em um ato
simbólico, o membro da casa que deu o voto favorável nº 342, mínimo para
admitir o processo, foi o deputado Bruno Araújo, mencionado em um documento
que sugere que ele poderia ter recebido fundos ilegais de uma das
principais empreiteiras envolvidas no atual escândalo de corrupção do
país. Além disso, Araújo pertence ao partido de centro-direita PSDB,
cujos candidatos perderam quatro eleições seguidas contra o PT, de
esquerda moderada, partido de Rousseff, sendo a última delas há apenas 18 meses atrás, quando 54 milhões de brasileiros votaram pela reeleição de Dilma como presidente.


Esses dois fatos sobre Araújo sublinham a natureza surreal e sem
precedentes do processo que ocorreu ontem em Brasília, capital do quinto
maior país do mundo. Políticos e partidos que passaram duas décadas
tentando — e fracassando — derrotar o PT em eleições democráticas
encaminharam triunfalmente a derrubada efetiva da votação de 2014,
removendo Dilma de formas que são, como o relatório do The New York Times de hoje deixa claro, na melhor das hipóteses, extremamente duvidosas. Até mesmo a revista The Economist, que há tempos tem desprezado o PT e seus programas de combate à pobreza e recomendou a renúncia de Dilma, argumentou
que “na falta da prova de um crime, o impeachment é injustificado” e
“parece apenas um pretexto para expulsar um presidente impopular. ”


Os processos de domingo, conduzidos em nome do combate à corrupção,
foram presididos por um dos políticos mais descaradamente corruptos do
mundo democrático, o presidente da Câmara Eduardo Cunha (em cima, ao
centro) que teve milhões de dólares sem origem legal recentemente descobertos em contas secretas na Suíça, e que mentiu sob juramento ao negar, para os investigadores no Congresso, que tinha contas no estrangeiro. O The Globe and Mail noticiou ontem
dos 594 membros do Congresso, “318 estão sob investigação ou acusados”
enquanto o alvo deles, a presidente Dilma, “não tem nenhuma alegação de
improbidade financeira”.


Um por um, legisladores manchados pela corrupção foram ao microfone
para responder a Cunha, votando “sim” pelo impeachment enquanto
afirmavam estarem horrorizados com a corrupção. Em suas declarações de
voto, citaram uma variedade de motivos bizarros,
desde “os fundamentos do cristianismo” e “não sermos vermelhos como a
Venezuela e Coreia do Norte” até “a nação evangélica” e “a paz de
Jerusalém”. Jonathan Watts, correspondente do The Guardian, apanhou alguns pontos da farsa:


Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por conspiração.
Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro. “Pelo
amor de Deus, sim!” declarou Silas Câmara, que está sob investigação
por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.
É muito provável que o Senado vá concordar com as acusações, o que
resultará na suspensão de 180 dias de Dilma como presidente e a
instalação do governo pró-negócios do vice-presidente, Michel Temer, do
PMDB. O vice-presidente está, como o The New York Times informa, “sob alegações de estar envolvido em um esquema de compra ilegal de etanol”. Temer recentemente revelou que um dos principais candidatos para liderar seu time econômico seria o presidente do Goldman Sachs no Brasil, Paulo Leme.


Se, depois do julgamento, dois terços do Senado votarem pela
condenação, Dilma será removida do governo permanentemente. Muitos
suspeitam que o principal motivo para o impeachment de Dilma é promover
entre o público uma sensação de que a corrupção teria sido combatida,
tudo projetado para aproveitar o controle recém adquirido de Temer e impedir maiores investigações sobre as dezenas de políticos realmente corruptos que integram os principais partidos.





OS ESTADOS UNIDOS têm permanecido notavelmente silenciosos
sobre esse tumulto no segundo maior país do hemisfério, e sua postura
mal foi debatida na grande imprensa. Não é difícil ver o porquê. Os EUA
passaram anos negando veementemente qualquer papel no golpe militar de
1964 que removeu o governo de esquerda então eleito, um golpe que
resultou em 20 anos de uma ditadura brutal de direita pró-EUA. Porém, documentos secretos e registros surgiram, comprovando que os EUA auxiliaram ativamente no planejamento do golpe, e o relatório da Comissão da Verdade de 2014 no país trouxe informações de que os EUA e o Reino Unido apoiaram agressivamente a ditadura e até mesmo “treinaram interrogadores em técnicas de tortura.”



O
golpe e a ditadura militar apoiadas pelos EUA ainda pairam sobre a
controvérsia atual. A presidente Rousseff e seus apoiadores chamam
explicitamente de golpe a tentativa de removê-la. Um deputado
pró-impeachment de grande projeção e provável candidato à presidência, o
direitista Jair Bolsonaro (que teve seu perfil traçado por The Intercept no ano passado), elogiou ontem explicitamente a ditadura militar e homenageou o Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe de tortura da ditadura (notavelmente responsável pela tortura de Dilma). Filho de Bolsonaro, Eduardo, também na casa, afirmou que estava dedicando seu voto pelo impeachment “aos militares de ’64”: aqueles que executaram o golpe e impuseram o poder militar.
A invocação incessante de Deus e da família pelos que propuseram o impeachment, ontem, lembrava o lema do golpe de 1964: “Marcha da Família com Deus pela Liberdade.” Assim como os veículos de comunicação controlados por oligarquias apoiaram o golpe de 1964,
como uma medida necessária contra a corrupção da esquerda, eles
estiveram unificados no apoio e na incitação do atual movimento de
impeachment contra o PT, seguindo a mesma lógica.


Por anos, o relacionamento de Dilma com os EUA foi instável, e
significativamente afetado pelas declarações de denúncia da presidente à
espionagem da NSA, que atingiu a indústria brasileira, a população e a
presidente pessoalmente, assim como as estreitas relações comerciais do
Brasil com a China. Seu antecessor, Lula da Silva, também deixou de lado
muitos oficiais norte-americanos quando, entre outras ações, juntou-se à
Turquia para negociar um acordo independente com o Irã sobre seu
programa nuclear, enquanto Washington tentava reunir pressão
internacional contra Teerã. Autoridades em Washington têm deixado cada vez mais claro que não veem mais o Brasil como seguro para o capital.


Os EUA certamente têm um longo — e recente — histórico de criar
instabilidade e golpes contra os governos de esquerda Latino-Americanos
democraticamente eleitos que o país desaprova. Além do golpe de 1964 no
Brasil, os EUA foram no mínimo coniventes com a tentativa de depor o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em 2002; tiveram papel central na destituição do presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide em 2004; e a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, prestou apoio vital para legitimar o golpe 2009 em Honduras, apenas para citar alguns exemplos.


Muitos na esquerda brasileira acreditam que
os EUA estão planejando ativamente a instabilidade atual no país com o
propósito de se livrar de um partido de esquerda que se apoiou
fortemente no comércio com a China, e colocar no lugar dele um governo
mais favorável aos EUA que nunca poderia ganhar uma eleição por conta
própria.





EMBORA  NÃO TENHA surgido nenhuma evidência que comprove essa teoria, uma viagem aos EUA, pouco divulgada,
de um dos principais líderes da oposição brasileira deve provavelmente
alimentar essas preocupações. Hoje — o dia seguinte à votação do
impeachment — o Sen. Aloysio Nunes do PSDB estará em Washington para
participar de três dias de reuniões com várias autoridades
norteamericanas, além de lobistas e pessoas influentes próximas a
Clinton e outras lideranças políticas.


O Senador Nunes vai se reunir com o presidente e um membro do Comitê
de Relações Internacionais do Senado, Bob Corker (republicano, do estado
do Tennessee) e Ben Cardin (democrata, do estado de Maryland), e com o
Subsecretário de Estado e ex-Embaixador no Brasil, Thomas Shannon,
além de comparecer a um almoço promovido pela empresa lobista de
Washington, Albright Stonebridge Group, comandada pela ex-Secretária de
Estado de Clinton, Madeleine Albright e pelo ex-Secretário de Comércio
de Bush e ex-diretor-executivo da empresa Kellogg, Carlos Gutierrez.


A Embaixada Brasileira em Washington e o gabinete do Sen. Nunes disseram ao The Intercept
que não tinham maiores informações a respeito do almoço de terça-feira.
Por email, o Albright Stonebridge Group afirmou que o evento não tem
importância midiática, que é voltado “à comunidade política e de
negócios de Washington”, e que não revelariam uma lista de presentes ou
assuntos discutidos.




Nunes é
uma figura da oposição extremamente importante — e reveladora — para
viajar aos EUA para esses encontros de alto escalão. Ele concorreu à
vice-presidência em 2014 na chapa do PSDB que perdeu para Dilma e agora
passa a ser, claramente, uma das figuras-chave de oposição que lideram a
luta do impeachment contra Dilma no Senado.
Como presidente da Comissão de Relações e Defesa Nacional do Senado, Nunes defendeu repetidas vezes que o Brasil se aproxime de uma aliança com os EUA e o Reino Unido. E — quase não é necessário dizer — Nunes foi fortemente apontado em denúncias de corrupção;
em setembro, um juiz ordenou uma investigação criminal após um
informante, um executivo de uma empresa de construção, declarar a
investigadores ter oferecido R$ 500.000 para financiar sua campanha — R$
300.000 enviados legalmente e mais R$ 200.000 em propinas ilícitas de
caixa dois — para ganhar contratos com a Petrobras. E essa não é a primeira acusação do tipo contra ele.


A viagem de Nunes a Washington foi divulgada como ordem do próprio Temer, que está agindo como se já governasse o Brasil.
Temer está furioso com o que ele considera uma mudança radical e
altamente desfavorável na narrativa internacional, que tem retratado o
impeachment como uma tentativa ilegal e anti-democrática da oposição,
liderada por ele, para ganhar o poder de forma ilegítima.


O pretenso presidente enviou Nunes para Washington, segundo a Folha,
para lançar uma “contraofensiva de relações públicas” e combater o
aumento do sentimento anti-impeachment ao redor do mundo, o qual Temer
afirma estar “desmoraliz[ando] as instituições brasileiras”.
Demonstrando preocupação sobre a crescente percepção da tentativa da
oposição brasileira de remover Dilma, Nunes disse, em Washington, “vamos
explicar que o Brasil não é uma república de bananas”. Um representante
de Temer afirmou que essa percepção “contamina a imagem do Brasil no
exterior”.


“É uma viagem de relações públicas”, afirma Maurício Santoro, professor de ciências políticas da UFRJ, em entrevista ao The Intercept.
“O desafio mais importante que Aloysio enfrenta não é o governo
americano, mas a opinião pública dos EUA. É aí que a oposição está
perdendo a batalha”.


Não há dúvida de que a opinião internacional se voltou contra o
movimento dos partidos de oposição favoráveis ao impeachment no Brasil.
Onde, apenas um mês atrás, os veículos de comunicação da mídia
internacional descreviam os protestos contra o governo nas ruas de forma
gloriosa, os mesmos veículos agora destacam diariamente o fato de que
os motivos legais para o impeachment são, no melhor dos casos,
duvidosos, e que os líderes do impeachment estão bem mais envolvidos com
a corrupção do que Dilma.


Temer, em particular, estava abertamente preocupado e furioso com a denúncia do impeachment
pela Organização de Estados Americanos, apoiada pelo Estados Unidos,
cujo secretário-geral, Luis Almagro, disse que estava “preocupado com
[a] credibilidade de alguns daqueles que julgarão e decidirão o
processo” contra Dilma. “Não há nenhum fundamento para avançar em um
processo de impeachment [contra Dilma], definitivamente não”.


O chefe da União das Nações Sul-Americanas, Ernesto Samper, da mesma forma, disse que o impeachment é “um motivo de séria preocupação para a segurança jurídica do Brasil e da região”.


A viagem para Washington dessa figura principal da oposição,
envolvida em corrupção, um dia após a Câmara ter votado pelo impeachment
de Dilma, levantará, no mínimo, dúvidas sobre a postura dos Estados
Unidos em relação à remoção da presidente. Certamente, irá alimentar
preocupações na esquerda brasileira sobre o papel dos Estados Unidos na
instabilidade em seu país. E isso revela muito sobre as dinâmicas não
debatidas que comandam o impeachment, incluindo o desejo de aproximar o
Brasil dos EUA e torná-lo mais flexível diante dos interesses das
empresas internacionais e de medidas de austeridade, em detrimento da
agenda política que eleitores brasileiros abraçaram durante quatro
eleições seguidas.





ATUALIZAÇÃO: Antes desta publicação, o gabinete do Sen. Nunes informou ao The Intercept que não tinha mais informações sobre a viagem dele à Washington, além do que estava escrito no comunicado de imprensa, que data de 15 de abril. Subsequente à publicação, o gabinete do Senador nos indicou informação publicada no Painel do Leitor (Folha de S. Paulo,
17.04.2016) onde Nunes afirma — ao contrário da reportagem do jornal —
que a ligação do vice-presidente Temer não foi o motivo para sua viagem a
Washington.


Traduzido por: Beatriz Felix, Patricia Machado e Erick Dau

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