sábado, 2 de abril de 2016

Caça às bruxas

Caça às bruxas: A tentativa de criminalizar Guilherme Boulos e o MTST



Caça às bruxas: A tentativa de criminalizar Guilherme Boulos e o MTST

Leonardo Sakamoto

Da
mesma forma que é democrática a livre manifestação popular em defesa do
impeachment de Dilma Rousseff, também é democrática a livre
manifestação popular que considera um golpe de Estado a forma como é
conduzido o processo de cassação.

Grupos e partidos contrários ao
governo, que discordaram do resultado das eleições de 2014, foram às
ruas contesta-las e demonstrar sua insatisfação, o que foi fundamental
para colocar Dilma e o PT a um passo do cadafalso (bem, na verdade, eles
mesmo caminharam para a forca por conta dos seus próprios erros). Posso
discordar dos métodos e narrativas desses grupos e partidos mas, até
aí, faz parte do jogo.

Portanto, soa hipócrita, para dizer o
mínimo, quando representantes do PSDB e do DEM entram com representações
junto ao Ministério Público Federal pedindo a investigação do
coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) Guilherme
Boulos sobre declarações que tem dado em eventos.

Dizem que ele
incita ao crime e forma milícia privada por afirmar o óbvio – que parte
da sociedade vai resistir nas ruas se o impeachment ocorrer sem estar
baseado em um claro crime de responsabilidade cometido pela presidente.

Lembrando
que incompetência no cargo, falta de capacidade política e dificuldades
de se expressar em público não significam crime de responsabilidade.

Por
outro lado, resistência significa utilizar os meios possíveis e ao
alcance de cada um para demonstrar sua insatisfação. A Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) resiste ao governo federal
gastando milhões de reais para ocupar, na forma de anúncios, espaços
nobres nos principais jornais e portais a fim de clamar pelo impeachment
– além de produzir e distribuir um exército de patos de borracha
amarelos pelo país.

A própria oposição resiste travando a
aprovação de projetos com o objetivo de retomar o crescimento econômico
(projetos com as quais ela concorda, aliás), ocupando o espaço com
discursos pró-impeachment, para desgastar o governo federal e forçar sua
saída. E prometem fazer o mesmo caso o impeachment não passe.

Daí
quando trabalhadores e movimentos sociais prometem resistência,
cruzando os braços em greves e ocupando ruas, avenidas e outros espaços,
a ação vira caso de polícia? Aonde o pessoal acha que está? Ou onde
gostaria que estivéssemos? No Brasil do final do século 19 ou em plena
ditadura civil-militar?

A criminalização da resistência de apenas
um dos lados dessa disputa mostra o quanto nosso sistema político é
incapaz de entender o que é, de fato, uma democracia. Chamar de
chantagem toda forma de protesto com a qual não concordamos é, no
mínimo, infantil.

A oposição não vai admitir, mas a quantidade de
pessoas que têm ido às ruas para criticar a forma como está sendo
conduzido o processo de impeachment (atenção, não confundir com ir às
ruas para apoiar esse governo) foi maior que a esperada. À frente de
muitas delas, está o MTST e a Frente Povo sem Medo, que se mantém
bastante críticos ao governo.

A partir daí, a narrativa para a
criminalização de movimentos sociais tem sido anabolizada na mídia, nas
redes sociais, nos espaços políticos. Narrativas que querem inverter os
sentidos das palavras e transformar resistência popular em ameaça à
democracia e à governabilidade.

Guilherme Boulos é liderança do
principal movimento social de massa deste país em termos de centralidade
da pauta, capacidade de mobilização e visão de atuação hoje. Um
movimento com uma agenda antiga, mas com uma equipe que sabe se
comunicar e influenciar a disputa simbólica da narrativa, pela mídia,
pelas redes sociais.

E vem exatamente do posicionamento crítico
adotado contra a atual administração federal o respeito de vários
setores da esquerda para com o movimento e com Boulos. Esse respeito e
essa capacidade de mobilização, que consegue colocar dezenas de milhares
de militantes nas ruas quando preciso, assusta muita gente. Que prefere
ver ele preso do que articulando com outros movimentos ou em cima de um
caminhão de som.

O pedido de investigação criminal de Guilherme
Boulos é uma amostra do que acontecerá com parte da esquerda brasileira
se o macarthismo à brasileira se instalar como ação sistemática de
limpeza ideológica. Já estamos vendo, aqui e ali, a perseguição a quem
usa roupas vermelhas e a agressão em espaços públicos contra quem
defende determinado ponto de vista. Até o juramento de Hipócrates foi
rasgado por médicos que acham normal não prestar atendimento a alguém
que não compartilha da mesma opinião política que eles.

Daqui para a caça nas ruas, escolas e empresas é um pulo.

Apesar
de conquistas sociais obtidas na última década, o governo não atendeu
às pautas históricas propostas pelos movimentos sociais – o que, do meu
ponto de vista, não seria nenhuma “revolução'', mas melhoraria a vida de
milhões de brasileiros que se mantêm excluídos. Pelo contrário, em nome
da “governabilidade'' fez alianças espúrias, apoiando forças econômicas
e políticas que eram contrárias a esses interesses populares, ignorando
o suporte oferecido por esses mesmos movimentos para um mandato que
significasse uma mudança de paradigma.

E nada indica que, se
sobreviver à convulsão, irá fazer a “guinada à esquerda'', mítico desejo
da militância, que passa frio no barraco de lona na beira da rodovia,
que convive com ratos em prédios ocupados em grandes cidades, que sente
medo de ser despejado de sua terra tradicional, que vive as condições de
trabalho precarizadas em nome do progresso.

Mas todos os
movimentos sociais sabem o que é serem considerados criminosos
simplesmente por lutarem pelos direitos que lhes são garantidos pela
Constituição. Sabem o que é levar cacete por representar o que está em
desacordo com a visão hegemônica de “progresso'' e crescimento
econômico, seja no campo ou na cidade. E ainda guardam na memória as
cicatrizes deixadas pelos anos de governo Fernando Henrique Cardoso,
temendo que voltem a ser caçados dependendo de quem assuma o poder ou do
clima político do país.

Você pode não gostar de Guilherme Boulos.
Mas, se preza pela liberdade, deveria repudiar a sua criminalização e
dos movimentos sociais populares, da mesma forma que deve ser repudiada a
criminalização de qualquer liderança social, de direita ou esquerda.

Pois,
hoje é com ele. Depois, com uns comunistas, sindicalistas, operários,
jornalistas… Amanhã, quem sabe, se não vai ser com você?

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