O alvo - 03/04/2016 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo
Intencional, por certo não foi. Muito melhor: foi autêntico, com a
naturalidade das palavras que burlam, espontâneas, a censura protetora
das nossas conveniências. Foi um pequeno trecho de frase, intercalado
com ligeireza. A frase, por sua vez, destinava-se a outro fim –o
reconhecimento da "não intervenção" dos governos do PT na ação do
Ministério Público e da Polícia Federal, "porque os governos anteriores
realmente mantinham controle das instituições". A palestra, está claro,
decorria com plena e descontraída franqueza do procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima, o comunicador da Lava Jato.
Eis o pequeno trecho que o auditório da Câmara Americana de Comércio
pôde ouvir, sem sinal de notá-lo, e a repórter Paula Reverbel não
excluiu, como fizeram outros, do seu relato para a Folha: "[...] os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, [...]".
O que a Lava Jato investiga de fato, por meio de investigações
secundárias, não é a corrupção na Petrobras, não é a ação corruptora de
empreiteiras, não são casos de lavagem de dinheiro: são "os governos do
PT".
Deixa, portanto, de ser coisa de esquerdista, governista, lulista,
petista & cia., como alegado por tantos, a dedução de que a Lava
Jato procede com direcionamento e seletividade. E age muito além do
alcance investigativo e processual a que foi legalmente destinada. Com
finalidade que explica o seu descaso por indícios e mesmo por delações
premiadas, tão valorizadas em seu método, de corrupção anterior ao
primeiro governo do PT.
A Lava Jato é, agora declaradamente, uma operação judicial com objetivo
político-partidário, cujos atos e êxitos contra a corrupção são partes
acessórias do percurso contra três governos (partido e personagens). Não
são esses os mandatos conferidos ao juiz e aos procuradores da Lava
Jato, no entanto. Pode-se imaginar o fim visado. Mas de onde vêm tal
presunção e tal objetivo da Lava Jato é uma incógnita para o próprio
Judiciário, que, afinal de contas, é o primeiro Poder questionado.
Dentro da crise que se vê há outra, senão outras crises. Como a de
autoridade, que até as simples aparências de opinião pública esvaziam.
AMBIÇÕES
Apesar de haver um tanto de especulação, o tanto de realidade que há em
um plano político torna conveniente noticiá-lo. É a ideia, já em ação,
de obter que o Tribunal Superior Eleitoral casse, com o mandato de Dilma
e pelo mesmo motivo, também o de Michel Temer. Mas o PSDB, é convicção
na cúpula do próprio partido, não conta mais com as melhores
perspectivas de êxito se houver eleições. Marina e mesmo uma
eventualidade petista teriam menos dificuldades com o eleitorado. A
alternativa dos neoliberais seria a campanha dos meios de comunicação
para induzir, a um só tempo, a adoção do parlamentarismo já com um nome
acoplado na novidade, para primeiro-ministro.
Um plano assim precisaria incluir eleições gerais. Com a atual
conformação da Câmara, seria difícil ver a maioria dos deputados
presentear o poder ao PSDB. O plano neoliberal precisa de ganhos demais
para ter êxito. Não tem futuro nem com sotaque português.
VIRADA
Tudo na crise muda a cada dia. Mas há uma constância: o esquecimento, no
comentarismo, do Senado e de sua importância na possível decisão do
impeachment. E lá o silêncio predominante exprime a dificuldade do
"fora, Dilma" para conquistar adesões firmes. O que significa um campo
promissor para o "fica, Dilma".
A ativação das manifestações contra o impeachment levou até certos meios
de comunicação a baixarem o tom anti-Dilma. A semana encerrou-se com
renovado otimismo dos governistas e perplexidade dos derrubadores.
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