domingo, 23 de outubro de 2016

GABRIEL PRIOLLI: DENUNCISMO DESNOTICIOSO

GABRIEL PRIOLLI: DENUNCISMO DESNOTICIOSO - NOCAUTE



GABRIEL PRIOLLI: DENUNCISMO DESNOTICIOSO

A construção de narrativas jornalísticas
duvidosas está longe de ser um problema exclusivo do submundo da
internet. Ele também existe no mundo oficial da imprensa.









 
DENUNCISMO DESNOTICIOSO
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmem Lúcia, alertou recentemente para os perigos da mentira na internet.
Falando a uma platéia de barões de mídia, a ministra disse o
seguinte: “Você pode hoje construir uma notícia, uma narrativa, dotá-la
de perfeita coerência, espalhar pelas redes sociais, colocar meio mundo a
favor daquilo, simplesmente sem que aquilo tenha acontecido”.
Sem dúvida, esse é um problema gravíssimo, mas a Sra. Ministra, se
percebeu, não acrescentou que a construção de narrativas jornalísticas
duvidosas está longe de ser um problema exclusivo do submundo da
internet.Ele também existe no mundo oficial da imprensa.
Veja-se, por exemplo, a série de reportagens que o portal UOL
publicou, com o objetivo de mostrar como os três maiores partidos do
país utilizam os recursos do Fundo Partidário.
“PSDB usou fundo partidário para pagar viagem de Aécio a Nova York”, diz uma das manchetes.
“De Cuba a França, PT usa fundo partidário para pagar viagens a dirigentes”, diz outra.
“PMDB pagou uísque para campanha de Cunha e churrasco com linguiça no PR”, afirma uma terceira.
Diante delas, o que pode pensar o leitor médio atual da imprensa?
Que opinião pode ter este cidadão que só lê os títulos das matérias e,
com base neles, acredita em Papai Noel, no Coelhinho da Páscoa e nas
virtudes da PEC 241?
A opinião de que o Fundo Partidário é uma tremenda maracutaia,
evidentemente… Mais uma maracutaia, no país mais corrupto do Universo.
O pequeno detalhe é que em nenhuma das matérias foi apontada qualquer ilegalidade. Os próprios textos esclarecem isso.
Custear viagens de parlamentares ao exterior, assim como a compra
de comida e bebida para eventos, é previsto pelo Fundo Partidário.
Bebida alcoólica não pode, mas a matéria não confirma se o PMDB pagou o
uísque com dinheiro público ou com receitas lícitas.
Assim sendo, se tudo foi legal, qual é a notícia? Qual o sentido de
publicar um informe sobre o nada, para que milhares de tolos acreditem
estar diante de uma grave irregularidade?
De fato, Ministra Carmem Lúcia, é possível construir narrativas
sobre fatos que não aconteceram. Hoje e sempre. O que parece impossível é
a grande imprensa desembarcar do denuncismo compulsivo, que a leva a
sugerir crime em tudo, até onde ele não existe.
O país já está suficientemente envenenado pelos fatos reais e pela
guerra cruenta das narrativas em torno deles. Não precisa de peçonha
adicional, inoculada pela desnotícia do que não é fato.

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