Xadrez da delação da Folha contra jornalistas
Passo 1 - a matéria sem gancho da Folha
Na quinta-feira, a Folha de S Paulo publicou uma não-matéria.A não-notícia é que o governo Temer resolveu proibir toda publicidade
de empresas públicas nos blogs críticos a ele. Ora, esse fato ocorreu
no primeiro dia em que Temer assumiu o cargo. Qual a novidade para
justificar a matéria? Nenhuma.
O gancho da matéria é o não-fato de que, desde que Temer anunciou a
proibição de publicidade de empresas públicas nos blogs, nenhum órgão
público anunciou mais nos blogs. Cadê a notícia?
A reportagem usou a não-notícia como álibi para falar dos valores
aplicados nos blogs no ano passado, recusando-se a comparar com os
valores investidos na velha mídia, tanto antes como depois dos vetos
políticos aos blogs.
Tem lógica? Do ponto de vista jornalístico, não. Do ponto de vista político, sim.
Entende-se a reportagem juntando outras peças do jogo:
1. A PGR (Procuradoria Geral da República) insiste na tese da
organização criminosa nacional, infiltrada em todos os poros da
República, submetida a um comando central. A Lava Jato reitera essa
versão.
2. O TRF4 (Tribunal Regional Eleitoral da 4a Região) autoriza o
Estado de Exceção e consequentemente a aplicação do direito penal do
inimigo.
Com base nesses dois pontos, qualquer crítica à Lava Jato pode ser enquadrada como articulação da organização criminosa.
Todos os sinais são de que se arma uma ofensiva contra todos os
pontos críticos à Lava Jato e ao golpe. O próximo passo será investir
contra os blogs, que a Folha trata como se fosse uma organização
vinculada ao comando central.
Até agora, esse estímulo à barbárie se dava de forma diluída, com
colunistas endossando as arbitrariedades, colocando lenha na fogueira,
mas sem nominar os "inimigos" a serem alvejados.
Com Otávio Frias Filho, a Folha abre mão dos pruridos e torna-se o
primeiro veículo a partir para a delação explícita, sendo secundada por
blogueiros especializados em deduragem.
O que está por trás disso?
Passo 2 - a incompatibilidade do golpe com a liberdade de expressão
Como alertei em vários capítulos da série Xadrez, os passos iniciaisdo golpe permitiam o exercício da hipocrisia. Para Fulano A apoiar o
golpe, sem afetar sua imagem, as pessoas têm que acreditar que ele
acredita que o golpe foi feito para combater a corrupção. Para Fulano B
apoiar, as pessoas precisam crer que ele acredita que a Lava Jato é
politicamente isenta. Para apoiar o governo Temer, o Fulano C tem que
esquecer as denúncias que já saíram contra Eliseu Padilha, Geddel Vieira
Lima e o próprio Michel Temer e fingir que acredita que eles sào
verdadeiros varões de Plutarco.
Por mais que seja difícil acreditar, a sociedade brasileira ainda
está submetida a algumas formas de restrição de consciência, mesmo com a
velha mídia tratando-a como fraqueza moral em sua linha editorial.
Grandes atos de canalhice, falta de isonomia, delação, posições
arbitrárias, injustiças ainda têm o condão de despertar sentimentos de
indignação.
Ainda há algumas linhas morais que não podem ser ultrapassadas, sob risco de manchar indelevelmente a reputação de quem o fizer.
Com a liberdade de expressão da Internet e das redes sociais, esse
jogo da hipocrisia, de fingir que não se sabe, torna-se inviável.
Dia desses, um post sobre a delação de Eike Baptista -mostrando como
os procuradores da Lava Jato fugiam de qualquer menção ao PSDB - rendeu
mais de 420 mil visualizações apenas no GGN, sem contar a reprodução em
vários outros sites independentes e blogs. A série do Xadrez tem
conseguido de 60 a 100 mil visualizações únicas no GGN, também sem
contar a republicação por outros sítios. O mesmo acontece com artigos de
outros blogs.
Com o avanço do Estado de Exceção, esse jogo de delações praticado
pela Folha cria a possibilidade concreta de mandar blogueiros para a
cadeia, submetê-los a processos, ou intimidá-los ante o risco de serem
alvo de arbitrariedades. Vivem-se tempos de exceção.
Mesmo sabendo disso, a Folha não vacilou. Aparentemente, Otávio decidiu atravessar a tal linha moral.
Hoje em dia, os blogs independentes são a última cidadela contra a
escalada do arbítrio. É nesses blogs que as consciências individuais,
nas diversas áreas profissionais, vêm buscar ânimo para romper com a
cultura do medo que se instalou no seu meio e no país
Se conseguirem nos calar - como pretende Otavinho - os próximos alvos
serão os próprios jornais, assim que ousarem se colocar minimamente no
caminho do arbítrio. Não existe arbitrariedade que se esgote em si. Cada
ato desses cria jurisprudência, abrindo espaço para sua reiteração.
Passo 3 - a bolsa mídia e o pacto com Temer
A segunda razão dessa armação contra os blogs tem a ver com abolsa-mídia, em preparação no governo Temer. Seu preparo já foi
suficiente para segurar as denúncias contra o Ministro-Chefe da Casa
Civil Eliseu Padilha. De uma das grandes capivaras do meio político,
Padilha tornou-se um douto senhor, pontificando sobre temas complexos e
sendo tratado com respeito reverencial.
Como expliquei em outros lances do Xadrez, provavelmente a bolsa-mídia consistirá nas seguintes etapas:
1. Financiamento do BNDES.
2. Publicidade oficial maciça, com campanhas e cadernos especiais bancados pelos Ministérios.
3. Operação fisco. Na crise, a primeira conta a não ser paga é com o
fisco. Em outros tempos, grupos de mídia conseguiram se safar de multas
bilionárias através de diversos expedientes, como advogados da União
perdendo prazo, redução retroativa de alíquotas de impostos,
desaparecimento de processos na Receita.
Com liberdade de expressão, esses caminhos tornam-se complexos. Por
isso mesmo, a agressão contra os blogs não irá parar na reportagem de
hoje.
Lembro que foi uma firme posição moral que, nos idos dos 80 e 90 transformou a Folha no maior jornal do país.
Nos tempos em que havia um comercial lembrando:
“É possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade.
Cuidado com a informação do jornal que você recebe. Folha de São Paulo: o
jornal que mais se compra. E que nunca se vende”.
Agora, uma frouxidão moral inesculpável poderá ser o seu epitáfio.
PS – Meus respeitos ao repórter desconhecido, que se recusou a
assinar a matéria na Folha, sabendo que seria utilizada como instrumento
de delação de colegas.
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