PEC condena país a "atraso intelectual de 20 anos", diz cientista da USP
Gabriel Francisco Ribeiro
A aprovação em primeiro turno na Câmara da PEC 241 (Proposta
de Emenda à Constituição), que visa limitar gastos públicos em áreas
como saúde e educação, gera preocupação também em renomados cientistas
brasileiros. Para a classe, o projeto afetará a produção intelectual
nacional.
Um dos críticos é Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP) e membro do painel climático da ONU que foi um dos três brasileiros presentes em lista da Reuters de 2015 dos cientistas mais influentes do mundo.
Artaxo, que tem como campo de estudo a Amazônia e mudanças climáticas
na região, diz que enxerga um futuro desolador para a ciência no Brasil
em caso de aprovação da emenda.
Quando você não investe
nas universidades em 20 anos está condenando o país a um atraso
intelectual muito grande em relação ao resto do mundo. Todo brasileiro
deve ficar muito preocupado com esta questão"
Paulo Artaxo, físico da USP e um dos cientistas mais influentes do mundo
A preocupação de Artaxo vai além. O pesquisador nacional lembra que a
diminuição dos recursos é só um dos aspectos que envolve a PEC. O pior,
para ele, é a filosofia do governo Temer para a área.
"É toda
uma filosofia do atual governo de não valorizar a educação desde os
níveis mais fundamentais, de não valorizar o desenvolvimento científico e
tecnológico. Isto é uma questão estratégica e fundamental para o país
que o atual governo não só não quer apoiar nos próximos anos como também
está alterando a Constituição para um atraso nos próximos 20 anos. É
muito sério para as gerações futuras", opina Artaxo.
Para o
cientista, o Brasil conseguiu uma posição de liderança no cenário
mundial em várias áreas da ciência graças aos investimentos feitos na
última década, apesar de ter sofrido corte de verba nos últimos anos com
a crise. Mas, para Artaxo, nada se compara com o que a PEC pode
provocar - o físico está na Suécia em um novo projeto e diz que a emenda
é criticada até por lá.
"Quando você congela o orçamento das universidades por 20 anos,
obviamente vai ter um impacto muito negativo em todo o sistema
educacional brasileiro. Não só nas universidades, mas também nelas.
Universidades que estão em 2016 com problemas sérios para manter as
atividades vão piorar muito mais", explica.
Antes da aprovação
da PEC, a ABC (Academia Brasileira de Ciências) e a SBPC (Sociedade
Brasileira para Progresso da Ciência) encaminharam uma carta a todos os
deputados em que pedem a manutenção de recursos para educação, ciência,
tecnologia e inovação "em conformidade com as necessidades dessas áreas"
e em que avisam que tirar recursos destas áreas não melhora a crise.
A
experiência mundial nos mostra que, sem investimentos consistentes e
permanentes em educação, ciência, tecnologia e inovação, não há
desenvolvimento econômico", ABC e a SBPC, em carta a deputados
Quem segue a mesma tendência é Flávio Kapczinski, cientista brasileiro
da área de psiquiatra e que está na pré-lista das mentes mais influentes
de 2016 elaborada pela Reuters. Kapczinski prefere não avaliar a PEC
por desconhecer o tamanho da redução, mas pede que recursos não sejam
tirados.
"O governo precisa manter um olhar bem atento para que
não se desconstrua algo que se construiu a duras penas. O meu partido é
o partido da ciência. Se houver redução, será preocupante. Espero que
não ocorra diminuição nos orçamentos de ciência e tecnologia, que já
estão em uma situação limite", diz.
Nos últimos dias, a PEC já foi alvo de críticas de especialistas na área de saúde, outro setor sensível que será afetado pelo congelamento de gastos. Até mesmo o médico Drauzio Varella gravou vídeo criticando a emenda.
Drauzio Varella se posiciona contra PEC do teto de gastos públicos
Entenda a PEC
A PEC propõe limitar o crescimento dos gastos públicos pelos próximos20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Na prática, a
medida congela os gastos do governo, já que a reposição da inflação
apenas mantém o mesmo poder de compra do Orçamento.
O principal
objetivo da proposta é conter o avanço da dívida pública. A ideia é que
ao arrecadar, com impostos, mais do que gasta, o governo consiga reduzir
o total da dívida.
A equipe econômica do governo também aposta
na provação da medida como uma forma de reconquistar a credibilidade do
mercado, o que atrairia investimentos e favoreceria o crescimento da
economia.
O principal questionamento à medida é a mudança nas
regras dos gastos com saúde e educação. Hoje, essas áreas recebem um
percentual mínimo calculado com base nas receitas do governo -- e isso
está na Constituição. Ou seja, se a economia cresce, aumentam os
investimentos nas duas áreas.
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