Tereza Cruvinel
Ipea era mais respeitado pela ditadura que pelo governo Temer
sobrevoou esta semana o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea,
uma das mais respeitadas instituições de pesquisa econômica do Brasil. A
pesquisadora Fabiola Sulpino Vieira foi exonerada e desqualificada em
nota do presidente do instituto, Ernesto Lozardo, por conta de seu
estudo apontando as perdas de mais de R$ 700 bilhões que a Saúde terá
com a aprovação da PEC 241. Ela foi a principal autorida da Nota
Técnica numero 28, aprovada pela diretoria, apontando as perdas. Como
ex-funcionária do IPEA nos anos 1970, posso assegurar: na ditadura a
instituição era mais respeitada. Nunca um técnico foi demitido ou
desmentido porque seus estudos desagradaram o governo. E olhe que ali
trabalharam Edmar Bacha, Pedro Malan e muitos outros economistas que na
época eram críticos da política econômica do regime.
O IPEA foi criado em 1964,
no início do regime militar, quando o ministro do Planejamento era
Roberto Campos. Seu criador e primeiro presidente foi o ex-ministro João
Paulo dos Reis Velloso. Inicialmente chamada EPEA, rebatizado IPEA em
1966; o órgão foi concebido para formular o planejamento econômico
global do governo, e este era seu papel quando lá trabalhei nos anos
1970. Eu estudava economia (antes de bandear-me para jornalismo) e era
funcionária administrativa. Participei, no meu modesto papel, dos
trabalhos de produção do I e do II PND – Plano Nacional de
Desenvolvimento. Já naquele tempo, muitos economistas “progressistas”
que lá trabalhavam divergiam da ditadura em termos econômicos. Estas
divergências foram muitas vezes expressas em “papers”, artigos ou
entrevistas. Não me lembro de nenhuma demissão pedida pelo Planalto
ou pela “comunidade de informações” (um monstro cujo rosto visível era o
SNI e cujas patas eram os Dois-Codis) por conta do conteúdo técnico dos
documentos ou estudos elaborados.
Com o passar do tempo o
perfil do IPEA foi se ajustando às novas necessidades do Estado e da
sociedade brasileiros. Nos últimos anos, o órgão especializou-se em
formular, acompanhar e avaliar as políticas sociais. Os governos civis,
depois da redemocratização, também respeitaram a autonomia e a
independência técnica do órgão.
Agora, porém, o IPEA sofreu
uma violência sem precedentes, que abalou sua comunidade profissional e
gerou uma nota de protesto da Afipea, a associação dos funcionários.
Estamos assim: a caça às bruxas do governo Temer continua e chegou a
uma instituição de pesquisa. Daí para as universidades será um passo.
Desde que Temer tomou posse
tivemos milhares de exonerações de petistas. Mas eles ocupavam cargos de
confiança, digamos que é do jogo. No MDA (Ministério do Desenvolvimetno
Agrário), entretanto, foi um pouco diferente. Ali técnicos foram
exonerados pelo que pensam sobre reforma agrária. Da EBC, já falei
muito. Eu e outros jornalistas tivemos os contratos rescindidos pelo
teor de nossos comentários, críticos ao impeachment. O filme “Aquarius”
foi punido por conta do protesto de seu elenco contra o golpe, em
Cannes. A devassa no Minc também teve fortes conotações ideológicas. A
Comissão da Anistia já foi desidratada, com a substituição de
integrantes historicamente ligados à luta pela verdade, pelo
esclarecimento dos crimes da ditadura.
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