sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Primeiro, o governo levou os direitos dos pobres. Mas não me importei…

Primeiro, o governo levou os direitos dos pobres. Mas não me importei…




Primeiro, o governo levou os direitos dos pobres. Mas não me importei…


Leonardo Sakamoto



Primeiro foram uns manifestantes.

A Polícia Militar de
São Paulo deteve 26 jovens antes de uma manifestação contra o governo
Michel Temer na capital paulista no dia 6 de setembro. De acordo com o
governo estadual, os adultos foram indiciados por associação criminosa,
formação de quadrilha e corrupção de menores. Um juiz mandou soltar a
todos, dizendo que não estamos mais em uma ditadura para prender alguém
com o objetivo de simples averiguação.


Mas não me importei com isso. Eu não era manifestante.

Depois atacaram alguns jornalistas.

Irritado
ao ter sua decisão criticada, o desembargador Ivan Sartori – um dos
responsáveis por anular o júri do Massacre do Carandiru, que defendeu a
absolvição dos policiais por acreditar que a morte de 111 presos ocorreu
em ''legítima defesa'' – sugeriu que a imprensa de São Paulo recebe
dinheiro do crime organizado. Isso ocorre pouco depois do fotógrafo
Sérgio Silva ter sido considerado pela Justiça do Estado de São Paulo o
único culpado por ser atingido por uma bala de borracha e perdido o olho
esquerdo. O disparo partiu da Polícia Militar, cuja repressão a um
protesto pela redução na tarifa dos transportes públicos, no dia 13 de
junho de 2013, deixou um rastro de manifestantes e jornalistas feridos.


Mas não me importei com isso. Eu também não era jornalista.

Então, foram os direitos dos mais pobres.

O
governo Temer, com o apoio de empresários, está tentando mudar a
Constituição para impedir que investimentos públicos cresçam além da
inflação. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que conta com
apoio no Congresso Nacional, causará impactos em áreas como educação e
saúde. Afinal, para tornar o ensino digno e acabar com as filas nos
hospitais será necessário muito mais dinheiro. O governo federal tem
apresentado medidas para combater a crise econômica que afetam a
qualidade de vida dos mais pobres, mas não inclui ações como o aumento
dos impostos dos mais ricos ou a taxação de dividendos vindos de
empresas.


Mas não me importei com isso. Eu também não era pobre.

Aí, calaram alguns estudantes.

O
Ministério da Educação vai implementar uma reforma do Ensino Médio por
meio de uma Medida Provisória e não por um processo que deveria
congregar Congresso Nacional e a sociedade. Com isso, ignora milhões de
profissionais de educação, militantes que participam dos inúmeros fóruns
e instâncias de educação no país e alunos que ocupam escolas em busca
de uma voz. Ninguém nega que debater essa etapa de ensino é urgente,
pois o desempenho é sofrível, o currículo é desinteressante e a evasão,
monstruosa. Mas o governo preferiu silenciar o debate, baixando um
“cumpra-se”, aplicando um novo modelo questionável e fora da realidade.


Mas não me importei com isso. Eu também não sou mais estudante.

Em seguida levaram alguns cortadores de cana e pedreiros.

O
governo federal propôs uma Reforma da Previdência que estabelece uma
idade mínima de até 65 anos para se aposentar, apontando que isso é a
única saída para evitar que o país quebre. Com a mudança na expectativa
de vida e na estrutura do mercado de trabalho do país é natural que se
discutam mudanças na Previdência. Mas a mudança na lei está sendo
conduzida a toque de caixa e sem o devido debate público. De acordo com
alguns sindicatos, quem mais vai sofrer são os que começam a trabalhar
muito cedo e atuam em atividades braçais, usando força física, e que,
por isso, morrem antes do resto da população.


Mas não me importei com isso. Eu também não era cortador de cana, nem pedreiro.

Depois ignoraram a Constituição.

A
maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta (5), que réus
condenados pela Justiça podem ser presos a partir de sentença em
segunda instância. Contudo, a Constituição Federal prevê o princípio da
presunção da inocência, portanto, o direito à liberdade enquanto houver
direito a recurso. Ou seja, quem não contar com uma boa banca de
advogados para levar e garantir vitórias nos tribunais superiores, fica
na cadeia. No final do ano passado, o STF havia decidido que é permitida
a invasão de domicílio à noite para a realização de busca e apreensão
se a autoridade policial tiver ''fundadas razões'' para suspeitar da
prática de um crime. A Constituição Federal demanda ordem judicial
prévia para a invasão de domicílio. Como afirmou Eloísa Machado,
professora da FGV Direito SP, arrombar a porta de um barraco continuará a
ser bem mais fácil do que arrombar a porta de uma mansão.


Mas não me importei com isso. Porque não preciso da Constituição.

Agora estão me levando.

Mas já é tarde. Porque não me preocupei com ninguém.

(Brecht,
Maiakovski e Niemöller. E John Donne, poeta e pregador inglês, citado
em ''Por Quem os Sinos Dobram'', de Ernest Hemingway. Ao defender que a
morte de qualquer homem nos diminui, pois somos parte da humanidade, ele
afirmou: nunca procure saber por quem os sinos dobram. Pois eles dobram
por ti.)


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