Sensivelmente menores que os anteriores, sobretudo fora de São Paulo,
os atos pró-Lava Jato foram marcados por uma radicalização crescente e
irresponsável.
Congresso, STF e a própria imprensa foram xingados e, até, ameaçados.
Não se pode deixar de dizer que, embora devam ser defendidos como
instituições da República e da democracia que temos, ainda que precária,
estão colhendo o fruto daquilo que elas próprias estimularam, com o
golpismo parlamentar, com a politização da Justiça e com a transformação
dos meios de comunicação em julgadores implacáveis e seletivos de uma
utilíssima “moralidade”.
Nenhum dos três, senão timidamente, começou a reagir a isso, não se intimidando pelas pressões do monstro que ajudaram a parir.
Só muito lentamente passam a não subscrever mais incondicionalmente
os abusos, mas apenas porque eles se evidenciam de forma (quase)
inescondível.
Há um ponto central, que algum dia será entendido, embora seja, há
mais de um século, compreendido: nada pode ser “especial” na sua
atuação, nada justifica a formação de grupamentos fora das estruturas
normais do Estado – “forças-tarefa” ou congêneres -, nada pode
justificar o enfeixamento de poder em um ou meia-dúzia de juízes, porque
isso induz ao excesso de poder e, daí, ao abuso deste poder.
O velho Direito, não transtornado pela epidemia da “especialização”
que nele – e não apenas nele – foi introduzida, sustentava como pilar
democrático a inexistência de tribunais de exceção, aqueles a quem
deveria ser delegado o processar e julgar todos os casos que se
enquadrassem em um certo viés.
A pluralidade dos juízos era, talvez, o mais eficiente elemento do
sistema de freios e contrapesos que mantinha o equilíbrio. Tanto o
rompemos que, há anos, o mais importante era se determinado acusado “ia
cair nas mãos do Moro” ou não, como se ele fosse – e virou – uma
instância especial, um tribunal em que a condenação, ao menos a quem
“interessava”, estivesse assegura pelo “la garantía soy yo” do juiz.
Isso se alastrou e chegou a todos os espaços institucionais.
Ministros do STF justificando decisões à base do “clamor público” que
permitiria “flexibilizar” a Constituição e as leis e processos
legislativos plebiscitário, nos quais divergir era algo intolerável e
que merecia linchamento.
Na grande imprensa, o mesmo: passou a haver os incriticáveis,
formou-se um espírito de manada que não admitia divergência, porque ela
era “suja” e “aliada da corrupção”, muito embora os jornalistas fora do mainstream estivessem, como se diz nas Alagoas, vivendo a pão com laranja.
Será lento o processo de correção destas anomalias e nem mesmo temos a certeza de que, começado agora, vá sobreviver.
O espírito da matilha, como se vê nas ruas, segue forte e cada vez mais tem os dentes à mostra.
Exorcizá-lo será um processo longo e doloroso e não rápido como a passagem de um desatino.
Por mais que as instituições brasileiras tenham se conspurcado com o
processo golpista, precisamos trazê-las para um ponto de algum
equilíbrio.
O radicalismo verbal é, hoje, ferramenta das hordas. Nosso escudo é a
racionalidade, ainda que tenhamos de, com ela, proteger quem tem culpa
inegável neste processo.
Porque, afinal, lidamos com uma elite dominante são desqualificada e
insana que, afinal, conseguiu uma massa que seja coerente com sua
estupidez
por Janio de Freitas A prática de Sergio Moro é a do subterfúgio, da conspiração
A velha Operação Abafa já está reativada, como passo inicial para proteger Sergio Moro e Deltan Dallagnol de
consequências legais pela trama contra réus da Lava Jato. De sua parte,
o governo mergulha no compra-e-vende da corrupção política. O
desemprego cresceu mais, o tal PIB desfalece. A Presidência deslanchou o
esbanjamento de dinheiro público com publicidade de Bolsonaro. O
cinismo se impõe, portanto, para que tudo fique menos confuso. E mais
repulsivo.
Discreto como convém, o Conselho Nacional do Ministério Público arquivou a representação pelo necessário exame da conduta do procurador Dallagnol revelada
pelo site The Intercept Brasil. Na argumentação engavetadora, o
corregedor Orlando Rochadel Moreira sustenta que a veracidade das
gravações não pode ser comprovada, e Moro e Dallagnol “não reconhecem os
diálogos utilizados”.
Só se feitas e infrutíferas as tentativas de verificar a
autenticidade caberia dizê-la impossível. O apressado arquivamento é
contra a tentativa devida. Há outra via, porém. Cinco dias depois da
primeira exposição de combinações entre juiz e procurador, Moro ainda
dizia sobre sua indicação, a Dallagnol, de mais acusadores de Lula: “Eu
recebi aquela informação e aí foi até um descuido meu, apenas passei
pelo aplicativo”. É o reconhecimento inequívoco, e a um só tempo, da
autenticidade da gravação, das frases registradas e, ainda, da
participação ilegal do juiz nas investigações contra um réu.
Desde sua primeira entrevista sobre as gravações, no dia seguinte à
divulgação pelo Intercept, Moro as autentica: “Quanto ao conteúdo, eu
não vi nada de mais”. Nenhum reparo, nenhuma suspeita. Era aquilo mesmo:
“nada de mais”, nem no que disse nem no material jornalístico.
A “normalidade” da participação e do “conteúdo” se sustentaria em
dois artigos da Lei de Ação Civil. Citados por Moro, autorizam o juiz a
“comunicar ao Ministério Público” o “conhecimento de fatos que podem
constituir crime ou improbidade administrativa”. Pois sim.
Foi mais uma saída de má-fé a juntar-se ao histórico de Moro nesse
gênero. Ele omite que essa comunicação, por exigência da mesma lei, seja
feita formalmente nos autos. Assim o juiz agirá às claras, para
conhecimento da acusação e da defesa, preservada a imparcialidade
judicial. A prática de Moro, ao contrário, é a do subterfúgio, da
conspiração, da perseguição sub-reptícia ao réu.
Ao desconsiderar essas evidências, além de muitas outras da trama de
juiz e procurador, o corregedor Rochadel também não saiu da normalidade.
O lugar dado a Moro e à Lava Jato é acima da lei, dos tribunais, dos
conselhos, da ética, de nós outros. Continuaram lá.
2- Para cada deputado que apoie a “reforma” da Previdência, a
liberação de R$ 10 milhões agora e outro tanto na votação em plenário.
Bolsonaro ia acabar com o compra-e-vende. Jamais um presidente levou a
corrupção política a método e a despudor tão explícitos.
3- A equipe da editora do Senado foi dispensada de repente. Sem
explicação e sem respeito ao trabalho de recuperação histórica, às vezes
até literariamente arqueológico, que desde o governo Sarney compôs
preciosa biblioteca brasiliana. O bolsonarismo chegou ao Congresso.
4- A comemoração de Bolsonaro pelo acordo União Europeia-Mercosul
esqueceu um pormenor: em campanha e depois da posse ele disse que
retiraria o Brasil do Mercosul, alvo de variados impropérios seus.
5- Bolsonaro pode ser o fator decisivo na eleição da Argentina. Para a
cena de apoio público à reeleição de Macri, pôs um boné da seleção
brasileira na cabeça do colega. Mas os argentinos são mais argentinos do
que os brasileiros são brasileiros. Santinhos com fotos, lado a lado,
de Macri com seu boné e do opositor Alberto Fernández com boné da
seleção argentina —pronto, só faltará o email “Gracias, Bolso. Hasta
pronto, Alberto”.
*Publicado na Folha de S.Paulo
A oitava parte da Vaza Jato, publicada pelo Intercept,
revelou que muitos procuradores do Ministério Público Federal tinham
absoluta consciência de que o ex-juiz Sergio Moro utilizava o trabalho
da força-tarefa com objetivos nada republicanos.
Pior que isso: eles se preocupavam com a maneira sistemática com que o
ex-juiz descumpria as leis, mas toleravam por estarem se beneficiando.
Uma frase da procuradora Monique Cheker virou a síntese da atuação do
magistrado e da sua relação com o MPF: “Moro viola sempre o sistema
acusatório e é tolerado por seus resultados”.
Enquanto
os procuradores faziam de tudo para blindar a imagem de imparcialidade
da Lava Jato, a vaidade de Moro colocava tudo a perder. Nos diálogos, o
ex-juiz e sua esposa eram tratados como caipiras deslumbrados por não
conseguirem disfarçar a preferência pelo candidato Bolsonaro nas redes
sociais.
A preocupação dos procuradores não era com o fato de Moro atuar de
forma parcial, mas com o fato de não parecê-lo. Eles gostavam dos
“resultados” da atuação ilegal do juiz, mas desejavam que ele não desse
tanta bandeira. Quando Moro decidiu integrar o governo Bolsonaro, caiu a
máscara da imparcialidade. O fato constrangeu os procuradores. Mas é
importante reforçar: para eles, o grave não foi usar máscara, mas tê-la
deixado cair.
Boa parte dos procuradores — e não apenas Dallagnol — tinha
consciência de que Sergio Moro extrapolava suas funções, atuava de
acordo com uma agenda política-partidária e era movido por um projeto
político pessoal. Mas se calou publicamente e se tornou cúmplice do
ex-juiz.
Outro trecho revelador sobre os meandros da Lava Jato é do procurador
Angelo Augusto Costa: “[Sergio Moro] Fez umas tabelinhas lá, absolvendo
ali pra gente recorrer aqui”. Esse trecho confirma que a procuradoria e
o juiz combinaram um jogo de cena jurídico apenas para manter a fachada
de imparcialidade. É grave.
A vaidade de Moro começou a prejudicar a imagem do conluio
lavajatista. Mas, apesar das reclamações internas, publicamente os
procuradores eram só elogios ao ex-juiz. Deltan Dallagnol, o coordenador
da força-tarefa, reconheceu haver problemas na nomeação de Moro como
ministro de Bolsonaro, mas tentou conter a indignação dos seus pares
lembrando que apoiá-lo era uma questão de sobrevivência. Segundo ele,
apoiar Moro era o mesmo que apoiar a Lava Jato, o que confirma, mais uma
vez, que acusação e juiz eram uma coisa só. A preocupação de Dallagnol
era essencialmente política.
Agora, com veículos da grande mídia, como Folha de S. Paulo e Veja,
atestando que o arquivo não foi adulterado não há mais para onde correr.
Insistir na estratégia esfarrapada de não reconhecer a autenticidade e,
ao mesmo tempo, não negar nada do que tem sido publicado, é cavar o
fundo do poço do ridículo. A opção menos indigna para os procuradores
seria reconhecer a autenticidade dos diálogos e pedir afastamento dos
seus cargos. Mas como esperar isso de quem viu a Constituição sendo
violada reiteradamente e, mesmo assim, tomou a decisão política de
apoiar o violador a virar ministro da Justiça?
Dallagnol calculava os efeitos das ações da Lava Jato nas eleições
Na primeira publicação da Vaza Jato, ficou claro que os procuradores
se mobilizaram para evitar que Lula desse entrevista, já que isso
poderia “eleger o Haddad” ou permitir a “volta do PT” ao poder.
Ontem, a Folha de S. Paulo publicou novos trechos do arquivo obtido pelo Intercept
que confirmam a intenção da Lava Jato em influenciar o jogo eleitoral.
Ele tentou acelerar ações contra o petista Jaques Wagner para que elas
acontecessem antes do fim do segundo turno das eleições presidenciais.
Dallagnol queria um mandado de busca e apreensão na casa do senador
antes da posse. “Isso é urgentíssimo. Tipo agora ou nunca kkkk”, falou
Dallagnol para um dos procuradores. A pressa tinha como objetivo pegar o
petista ainda sem foro privilegiado e arranhar a campanha de Haddad.
Uma procuradora lembrou que Jaques Wagner já havia sofrido uma busca e
apreensão e ponderou que uma nova talvez não valesse a pena. Deltan
respondeu que valeria por uma “questão simbólica”. O simbolismo de uma
nova ação contra o petista não seria outro senão o político. Não há
outra interpretação possível.
A Bahia é um do principais redutos eleitorais do PT, se não for o
principal. Jaques Wagner, ex-governador do estado por duas vezes, chegou
a ser cotado para ser o candidato do PT nas eleições presidenciais e se
tornou o coordenador da campanha de Haddad no segundo turno. Bolsonaro levou uma surra
de Haddad nas urnas baianas no primeiro turno, tendo uma votação menor
do que a de Aécio Neves em 2014. Não é difícil imaginar qual seria o
valor simbólico de uma busca e apreensão na casa do senador baiano em
plena campanha do segundo turno.
Não restam dúvidas de que algumas ações da Lava Jato foram
sincronizadas com uma agenda eleitoral. Todas elas visando prejudicar
Haddad e beneficiar Bolsonaro. O caráter antidemocrático da força-tarefa
é inegável. A operação trabalhou em pelos menos duas oportunidades para
prejudicar a campanha presidencial do PT. Pior: o seu coordenador atuou
nos bastidores para articular um apoio dos procuradores à ida de Sergio
Moro para o governo de Bolsonaro — que foi o principal beneficiário de
toda essa operação. Se isso não é um ataque orquestrado contra a
democracia, o que mais seria?
Moro soltou seu mau latim no Twitter para dizer que as revelações do Intercept Brasil eram a montanha parindo um rato.
Sob qualquer parâmetro do direito e da moral, as revelações não podem
ser consideradas “um rato”. Elas exibem um juiz traindo suas obrigações
profissionais mais elementares, cometendo crimes, participando de uma
conspiração contra o regime democrático.
Para que sejam entendidas, basta alcançar um princípio muito simples: a imparcialidade do juiz.
Em qualquer lugar do mundo, as conversas divulgadas com o MP seriam
mais do que suficientes para a queda e prisão de Moro, de Dallagnol e do
resto da turma, a libertação dos réus que foram vítimas de suas
maquinações e a anulação das eleições fraudadas de 2018.
Mas não estamos em qualquer lugar do mundo. Estamos no Brasil de Bolsonaro.
Depois de titubear um pouco, Moro e seus “acepipes”, como diria o
ministro da Educação, logo encontraram o caminho para sua defesa: o
cinismo puro e simples.
Negam o óbvio, enquanto piscam o olho para sua plateia.
Temos a corregedoria do MPF se apressando em arquivar qualquer
investigação. Temos manifesto de centenas de juízes afirmando que se
mancomunar com uma das partes é prática corrente e aceitável. Temos a
Rede Globo. Temos o Supremo, um poder minúsculo, que não está só
acovardado, como certa vez disse Lula, mas é cúmplice ativo da
destruição do Brasil.
A multidão de mínions, que teme usar o próprio cérebro mais que o
diabo teme a cruz, produz sua própria mistura de cinismo e ignorância.
No fim, reduz a situação àquela frase lacradora, onde mínions e Gomes se
encontram: “Lula tá preso, babaca”.
Moro perde popularidade, perde a luz própria que sempre mais simulou
do que de fato teve, e se torna de vez um boneco na mão de Bolsonaro. Se
dependesse de suas próprias forças, estaria frito. Mas está protegido
pelo arco amplo da direita – bolsonarismo, MBL, Globo, FHC – que
entendeu que o caminho do cinismo é o único seguro para garantir a
continuidade do golpe de 2016.
O campo democrático, por sua vez, parece paralisado, esperando a anunciada, mas sempre postergada, bala de prata do Intercept.
Não sei se ela virá. Não sei qual é a agenda de Glenn Greenwald, nem
acho que ele tenha a responsabilidade de dar rumo à oposição no Brasil.
Não acho boa a maneira pela qual ele se tornou personagem da crise,
polemizando com a direita e a cada dia prometendo novas bombas. Seria
melhor um perfil mais baixo, para agudizar a contradição “jornalista
imparcial vs. juiz parcial”. Mas o principal é isso: ele não é, nem pode
ser, o formulador da estratégia da esquerda. Não podemos ficar
pendentes do cronograma do Intercept Brasil e de seus parceiros
A blindagem que o cinismo produz tem potencial para transformar
qualquer revelação, por mais importante que seja, no tal rato parido
pela montanha. Se Sérgio Moro tivesse um pingo de decência, já teria
renunciado e se escondido em qualquer buraco, depois de exposto do jeito
que foi. Mas se ele tivesse um pingo de decência, não seria Sérgio
Moro.
Em vez de esperar pela improvável revelação final, que destruirá
Moro, Bolsonaro e o golpe pela simples força de seu enunciado, devíamos
trabalhar a sério com a ninhada de camundongos que temos. Falar com quem
tem alguma disposição para ouvir e pensar, mostrando como a Lava Jato
foi um instrumento para impedir que a vontade popular se manifestasse,
discutindo como o discurso do combate desenfreado à corrupção leva à
aceitação da destruição da democracia e, sobretudo, vinculando a
perseguição contra Lula, a criminalização da esquerda e o golpe com a
perda de direitos (congelamento dos gastos, reforma trabalhista, reforma
previdenciária).
Não, o Intercept Brasil não vai trazer uma solução miraculosa e nos liberar da cansativa tarefa de fazer o trabalho político.
Fred Vargas entre as catástrofes ambientais e o ecossocialismo
Fred Vargas é conhecida pelos romances policiais,
os mais vendidos na Europa, nos quais tramas emaranhadas viram modelos
de suavidade narrativa. Mas, zooarqueóloga de formação, ela é reputada
nos meios científicos como pesquisadora, autora de um clássico sobre a
peste na Idade Média.
Há dez anos, num pequeno artigo, ela ligou o talento de narradora ao
de cientista. O tema do opúsculo fugia às suas atividades profissionais,
mas a mobilizava intelectual e afetivamente: a ecologia. Com apenas
duas páginas, o escrito se tornou o seu texto mais conhecido.
O artiguinho deu origem a peças de teatro, teve frases estampadas em
camisetas na China, foi declamado pela atriz Charlotte Gainsbourg na
abertura da Conferência do Clima da ONU, no fim do ano passado. Por
isso, compôs um minitratado de colapsologia, “L’Humanité en Péril”
(Flammarion, 249 págs.).
Seu argumento é que a Terra vive uma terceira revolução, após a
neolítica e a industrial, a da escassez de recursos que permitem a
reprodução da natureza e, dentro dela, da nossa espécie. Ela consultou e
cita 400 trabalhos científicos para embasar a conclusão do título do
livro: a humanidade está em perigo.
Fred Vargas —pseudônimo de Frédérique Audoin-Rouzeau— não deixa pedra
sobre pedra, ou melhor, podre sobre podre. Revolve os detritos que põem
em cheque a existência do Homo sapiens e seu habitat. Ao combinar
horror e sarcasmo, pinta uma paisagem de vitalidade tenebrosa, que
remete a Bosch.
Aquecimento do planeta, exaustão das fontes de energia, envenenamento
do solo e da água, hiperconsumo predatório, movimentos migratórios —a
hecatombe ecológica aponta para os quatro cavaleiros tradicionais do
apocalipse: peste, guerra, fome e morte. O chato é que é tudo verdade. E
banal.
Veja-se, por exemplo, a Coca-Cola. Só a sua fábrica em San Cristóbal,
no México, consome 250 milhões de litros d’água ao ano —enquanto falta
água potável a 12 milhões de mexicanos. Sem água, eles bebem… Coca.
Resultado: 70% dos mexicanos estão acima do peso, 33% são obesos e 13%,
diabéticos.
O consumo do refrigerante no planeta é estimado em 350 bilhões de
litros ao ano. Ela piora a saúde de milhões. Encarece os serviços
médicos. Arrasa lençóis freáticos. Rios, oceanos, matas e cidades são
tomados por garrafas PET, que não são biodegradáveis. Por que então as
pessoas bebem Coca-Cola?
Porque, segundo a propaganda, o “fiiizzzz” de uma lata de Coca se
abrindo proporciona o encontro de gente exuberante, garante liberdade e
aventura, leva a lugares de sonho. Além do quê, dizem os economistas, a
fabricação do veneno gera empregos, impostos, publicitários.
Fred Vargas não se contenta em melar a vida de quem toma Coca. A
viagem de garrafas de vinho da Europa até aqui, ela nota, empesteia o ar
de CO2. Quer um bife? Pois saiba que há 24 bilhões de animais em
cativeiro —quatro para cada pessoa— entupidos de fertilizantes,
dizimando matas.
A cada passo da catástrofe, “L’Humanité en Péril” informa a quantas
andam as pesquisas científicas para diminuir os danos ambientais.
Demonstra que a humanidade tem meios para sair da enrascada.
Seria preciso, porém, controlar a agroindústria. Consumir produtos
locais. Restringir o transporte individual em veículos que usam energia
não renovável. Adotar a alimentação vegetariana. Reciclar a água. Etc.
Etc. Etc.
A fila infinita de et cetera implica na alteração do modo de vida de
bilhões de pessoas. Para elas, o consumo de determinadas mercadorias
—roupas, perfumes, celulares, carros etc.— está associado ao triunfo na
vida. Não tê-las equivale a estar por fora, a ser ridículo, um perdedor.
O que Fred Vargas tem a dizer nesse quesito é pouco: 82% da riqueza
mundial está no bolso de 1% da população. Daí ela tira a oposição entre
“Nós”, os cidadão, e “Eles”, os megarricos, a quem interessa o status
quo, porque podem comprar o seu bem-estar e salvação.
Ou seja, a lista de restrições voluntárias ao consumo que o livro
propõe deveria se combinar com a eleição de políticos comprometidos com
causas ambientais. Fica implícito o raciocínio de que é preciso chegar a
alguma fórmula de decrescimento econômico, ou de reformismo, ou de
ecossocialismo.
Ficam implícitos, igualmente, os pavores contraditórios que percorrem
o mundo: de que o crescimento econômico seja estancado (como ocorre
hoje no Brasil) por uma nova crise do capitalismo, ou que o
desenvolvimento continue a se dar de maneira antiecológica.
A cada dia que passa, a sustentação da Lava Jato fica mais difícil.
Existe um processo de desmoronamento em curso, muito além do trocadilho
que o verbo “desmoronar”, raiz dessa expressão, invoca quando se trata
do ex-juiz Sérgio Moro, comandante supremo da violência institucional
praticada sob o lema do combate à corrupção. As revelações do site The Intercept Brasil,
desencadeadas no dia 9 de junho, foram – e seguem sendo –
avassaladoras. Protagonistas da força-tarefa, outrora “heróis de um povo
abandonado”, à Jânio Quadros e sua vassoura de decretar boas maneiras,
Moro, Deltan Dallagnol e outros da mesma linhagem messiânica se
transformaram em seres confusos, empenhados em explicar o que não pode
ser explicado no âmbito da legalidade.
Um esquema de destruição dos mecanismos tradicionais da política foi desvendado pelo Intercept.
A equipe que executou as articulações judiciárias que colocaram
empresários e chefes de Estado na cadeia, confirma-se agora, sempre agiu
em conluio ideológico com a extrema-direita. Para Moro, figura central
da conspiração, sobrou a tarefa indigesta de elaborar o discurso de
negação do descumprimento da “lei” – como era de se prever, as reações
oficiais ao escândalo foram, todas elas, marcadas pela superficialidade e
pela incoerência.
Moro disse que o que disseram que ele disse é o que ele disse, de
fato, mas que o que ele disse, que é o que disseram que ele disse, não
tem importância nenhuma. Superada a confissão inicial, veio a segunda
versão: o que disseram que ele disse não é o que ele disse, pois as
frases que disseram que ele disse ele pode ter dito, de fato, mas também
podem ter sido – elas, as frases – adulteradas por seus inimigos, e,
ainda que ele tenha dito o que disseram que ele disse, ele não quis
dizer o que talvez tenha dito.
E por aí seguiram as desculpas, com pequenas variações temáticas,
adaptadas à imagem todo-poderosa do homem que impôs castigos exemplares
aos ladrões nacionais. O desespero tomou conta do morismo, e não é de
surpreender que o conforto buscado ansiosamente pelo
ex-juiz-que-nunca-foi-juiz-e-sempre-foi-político tenha sido encontrado
no Programa do Ratinho, uma aberração jornalística contratada a peso de muitas moedas para bajular o governo a que serve o agora ministro da Justiça.
Para completar, o domingo (23/6) reservou dissabores ao bolsonarista de ocasião: uma nova reportagem do Intercept
mostrou-o insatisfeito com as aventuras dos “tontos do MBL”, uma trupe
dedicada a espalhar notícias falsas, preconceitos e teses absurdas pelas
redes sociais. Mas, como o que ele disse pode ser que não tenha dito,
eis que Moro, o justiceiro impoluto, decidiu gravar um áudio em que
implora, com voz de pato arrependido, o perdão dos meninos reacionários,
que lhe haviam declarado apoio antes e depois das conversas impróprias.
Vencidos os contratempos, restou-lhe fugir para os EUA, onde membros da
Lava Jato foram buscar conselhos de policiais hollywoodianos,
poupando-se de prestar esclarecimentos a uma comissão da Câmara dos
Deputados durante a semana, na conturbada Brasília.
Moro, Dallagnol e a Lava Jato perderam o que talvez lhes restasse de
autoridade moral. Nos processos da força-tarefa, atuaram à margem das
regras elementares do direito e feriram gravemente a democracia. No
campo da política, se uniram ao rebotalho ideológico, à “famiglia”
Bolsonaro e seus amigos milicianos que habitam áreas nobres do Rio de
Janeiro. Por muito pouco, não embarcaram numa nave presidencial
tripulada por homens fardados a transportar 39 quilos de cocaína para o
estrangeiro. Tudo muito edificante, como se vê.
Não se sabe até quando o País será submetido a esse horror
institucionalizado. Nem o que acontecerá com a Lava Jato. Sabe-se,
apenas, que é preciso recuperar a dignidade nacional, tripudiada por um
projeto de poder entreguista e desumano. Moro, o que disse o que
disseram que ele disse, Bolsonaro, o presidente do elogio à morte e ao
obscurantismo, e militares que se nutrem de devaneios autoritários são
todos iguais, personagens que não cabem no Brasil que os brasileiros
merecem. Fora com eles!
O
ministro se precipita em concluir que “a montanha pariu um rato” com as
mensagens vazadas pelo 'The Intercept'. O que está em jogo é o quanto
sua pressa em tirar conclusões pode ter contaminado a Lava Jato
Há algo que salta aos olhos na conduta do atual ministro Sergio Moro, antes mesmo de qualquer julgamento ou análise mais acurada sobre as mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil. A arrogância do ex-juiz da Lava Jato é um traço marcante e foi ela que o colocou no exato lugar em que hoje ele se encontra. Antes de entrar no mérito do The Intercept,
uma pergunta: como um magistrado que estava revolvendo a arena da
corrupção bilionária de um continente deixou o flanco aberto para que
suas mensagens e da força-tarefa fossem resgatadas sem fiar-se de um
sistema de proteção à altura da barafunda que estava sendo investigada? E
aos olhos presentes, como um magistrado que tanto se beneficiou das
pontes com a imprensa para forjar-se paladino da moral, agora é capaz de
tratar com reforçado desdém uma investigação jornalística?
Moro se vê obrigado a deslegitimar as mensagens que vieram a público
por não saber sua origem, mas a mesma arrogância aparece ao defender a
sua “suposta” postura que dali se depreende. “Não vejo nada demais”,
“sensacionalismo”, “absolutamente normal”, “Eu sempre agi conforme a
lei”, disse Moro quando questionado, com a segurança de quem domina cada
linha do seu traçado julgamento. Com essa mesma postura, já se adiantou
em julgar o desfecho da série de reportagens do The Intercept Brasil
mesmo sem conhecer todos os dados sobre o material que eles possuem. “A
montanha pariu um rato”, disse em português, que no latim do seu tuíte
deste domingo só reforça o pedantismo. O mesmo vale para a pressa em vincular o trabalho dos jornalistas com a invasão recente de um hacker “a serviço de uma organização criminosa estruturada”, inclusive com supostas edições de mensagens. A Folha de S.Paulo fez o mesmo exercício que já havia sido feito por jornalistas do The Intercept, de cruzar informações das trocas de mensagens entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol e não viu indícios de adulteração.
O magistrado não entendeu, até o momento, que o que está sendo
avaliado em sua conduta como juiz de uma operação ambiciosa como a Lava
Jato não são fragmentos de mensagens. É o quanto dessa pressa em tirar
conclusões —como o faz agora— pode ter contaminado julgamentos da Lava
Jato e comprometido a confiança na Justiça brasileira.
Hoje, tanto as mensagens transcritas pelo The Intercept Brasil
quanto suas atitudes diante delas, vão ajustando sua imagem. Não se
pode reduzir a operação, e a vontade da força-tarefa de responder ao
anseio popular de combater a corrupção, a um maniqueísmo barato. Claro
que todo cidadão brasileiro deseja ver desvios de verbas e condutas de
má fé coibidas. Todos aplaudimos que ratos tenham sido expulsos da Petrobras,
que Sergio Cabral tenha confessado sua montanha de delitos, e que
Geddel Vieira Lima esteja preso. Mas isso não significa fechar os olhos
para movimentos que mais parecem um alpinismo distorcido que ultrapassa o
bom senso, ainda mais depois de um timing político que foi impresso pela Lava Jato. Esse timing
não passou despercebido pelo Telegram, mas à vista de todos nos últimos
cinco anos. Não há interpretação sensacionalista que resista a algumas
coincidências do calendário das operações que muitas vezes pareciam
agendas políticas, com mais esforço para desvendar crimes de um partido e
não de outro.
Essa é uma realidade que sempre dividiu juristas. Moro nunca foi unanimidade entre acadêmicos do Direito.
Muitos, sem viés partidário, questionaram sua postura que avançava
sobre o limite do Estado de Direito. Mas para o gosto popular, o atual
ministro da Justiça sempre representou o exorcista do demônio que o
Partido dos Trabalhadores encarnou no Brasil desde 2013, uma tese
abraçada sem grandes debates quando o comportamento de manada estava em
curso no segundo mandato de Dilma Rousseff.
O magistrado jovem e corajoso ocupou o imaginário de um país estafado
por denúncias de corrupção, elevado a uma categoria heroica jamais
vista antes no Brasil para alguém que exercia o papel de juiz de
primeira instância. Isso alimentou a arrogância do hoje ministro, que se
viu retratado em livros, filme e série antes mesmo de concluir sua
principal obra, ou seja, sem mesmo precisar dizer exatamente a que tinha
vindo. Foi aclamado antes do fim do espetáculo, o que o autoblindou a
reflexões mais humildes.
A arrogância de Moro se fez presente também quando aceitou o cargo de
ministro de Justiça do presidente que dobrou a demonização da esquerda.
Ali, Moro manteve a majestade mais por inércia do que por mérito. Sua
atitude depois de negar que essa possibilidade de aceitar um cargo
público existisse foi vista como vexaminosa mundo afora. Até mesmo um
ex-procurador da Mãos Limpas, a operação italiana que inspirou o então
juiz, fez críticas a Moro. Mas nada o impediu ou o fez ponderar que sua
atitude poderia ser mal vista.
Quando juiz, ele já havia dado mostras de que era impermeável a
críticas, mesmo que vindas de um ministro do Supremo como Teori
Zavascki, quando divulgou diálogos gravado entre Dilma e Lula
mesmo fora do horário da autorização judicial. “Fiz o que achava certo e
não me arrependo. Só não esperava tanta controvérsia”, disse ele em
recente entrevista a Pedro Bial, tomando por controvérsia quem se
indispõe a ele. Mesmo que Zavascki tenha tentado apenas corrigir desvios
de uma operação que ele mesmo validou antes de morrer. Ao manter-se
fiel à sua estratégia questionada por um ministro do Supremo em um
programa de entrevistas, o ex-juiz da Lava Jato mostrou um ar soberbo,
daquele que se acredita superior aos demais.
Moro nunca se viu, de fato, tendo sua atuação enquanto juiz sob
escrutínio fora do círculo jurídico. Não percebe que ao despir-se da
toga que o protegia teve um canhão de luz iluminando a sua sombra.
Julga-se um homem sem defeitos e alheio a ajustes, projetando-se para
voos mais altos, seja no Supremo ou na Presidência. São hipóteses que
ele nega, embora já tenha se traído várias vezes sobre suas aspirações.
Moro não entende que alimentou uma expectativa tão alta sobre si mesmo,
que agora é escravo dela. Louve-se a Lava Jato e suas conquistas por um
país mais justo e soberano, mas desça à terra para reconhecer-se um
homem de excessos contraditórios que precisam ser confrontados.
'Os crimes de Moro é que deveriam ser julgados, e não a inocência de Lula', diz PT
Em nota, a executiva nacional do PT criticou a decisão da 2ª Turma do
STF de retirar da pauta de julgamentos o pedido de habeas corpus do
ex-presidente Lula "contra a inegável suspeição e parcialidade do
ex-juiz Sergio Moro"; para a legenda, "o STF postergou o cumprimento de
seu dever e missão constitucional de ministrar a Justiça"
247 - A executiva nacional do PT divulgou nota em que repudia a
decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de adiar o
julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula. A legenda
enfatiza que o pedido, assim como qualquer outro habeas corpus, tem
prioridade de julgamento e ao postergar, a Corte deixa de cumprir a sua
missão constitutcional de ministrar a Justiça.
"Justiça que tarda não é Justiça", diz um trecho da nota do partido,
que destaca os fatos revelados pelas conversas vazadas entre o então
juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato divulgadas pelo The
Intercept. "Os crimes de Moro é que deveriam ser julgados amanhã, e não a
inocência de Lula que já foi demonstrada ao longo do processo,
verdadeira farsa judicial comandada por Moro em criminoso conluio com os
procuradores da Lava Jato. O ex-juiz está condenado a arrastar as
provas de sua parcialidade e suspeição, mesmo que este juízo tenha sido
postergado", enfatiza.
E completa: "O STF continua devendo à comunidade jurídica nacional e
internacional, à sociedade brasileira e à opinião pública mundial uma
resposta inequívoca aos graves fatos denunciados pela defesa de Lula. E
continua devendo Justiça a um cidadão inocente, pois é esta sua missão,
por maiores que sejam as pressões dos interessados em manter a
injustiça, sejam políticos, militares, plutocratas, barões da mídia ou
potências estrangeiras" Confira a íntegra da nota: "Ao retirar da pauta de julgamentos desta terça-feira (25/06), na Segunda Turma, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula
contra a inegável suspeição e parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, o
Supremo Tribunal Federal (STF) postergou o cumprimento de seu dever e
missão constitucional de ministrar a Justiça. O habeas corpus de Lula, que se encontra pronto para julgamento,
tem prioridade de julgamento definida por lei e pelo Regimento Interno
do Supremo, por quatro razões que não podem ser ignoradas na definição
da pauta:
1)Por se tratar de pedido de habeas corpus (Artigo 149 do Regimento Interno do STF); 2)Por se tratar de julgamento com réu preso; no caso de Lula,
preso há 443 dias em antecipação inconstitucional da pena (Artigo 149); 3)Por se tratar de julgamento já iniciado, em 4 de dezembro de
2018, data em que houve pedido de vistas e dois dos cinco votos foram
pronunciados (Artigo 138);
4)Por se tratar de julgamento envolvendo pessoa idosa; no caso de Lula, 73 anos de idade. Todas essas razões foram apresentadas à presidência da Segunda
Turma em petição da defesa de Lula. E não foram ouvidas, como tem
ocorrido sistematicamente nos atos judiciais referentes aos direitos do
cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, constituindo um escandaloso conjunto
de exceção ao devido processo legal e ao estado democrático de direito. A
pauta foi alterada hoje à tarde, quando ainda estava pendente a petição
da defesa. O verdadeiro réu no julgamento postergado pelo STF não é o
presidente Lula, é o ex-juiz que o condenou contra a lei e sem provas. É
Moro quem precisa desesperadamente responder às graves acusações feitas
pela defesa de Lula, confirmadas em detalhes grotescos nos últimos dias
pela divulgação de suas trocas de mensagens com os procuradores da Lava
Jato. Os crimes de Moro é que deveriam ser julgados amanhã, e não a
inocência de Lula que já foi demonstrada ao longo do processo,
verdadeira farsa judicial comandada por Moro em criminoso conluio com os
procuradores da Lava Jato. O ex-juiz está condenado a arrastar as
provas de sua parcialidade e suspeição, mesmo que este juízo tenha sido
postergado. O STF continua devendo à comunidade jurídica nacional e
internacional, à sociedade brasileira e à opinião pública mundial uma
resposta inequívoca aos graves fatos denunciados pela defesa de Lula. E
continua devendo Justiça a um cidadão inocente, pois é esta sua missão,
por maiores que sejam as pressões dos interessados em manter a
injustiça, sejam políticos, militares, plutocratas, barões da mídia ou
potências estrangeiras. Justiça que tarda não é Justiça. Lula Livre! Comissão Executiva Nacional do PT
Seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, diz Edgar Morin
Para um dos maiores filósofos vivos, humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum
Úrsula Passos
São Paulo
Edgar Morin é um dos mais importantes e
relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho,
segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e
eventos.
O
francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre
disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina,
cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.
Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito
defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela
transdisciplinaridade.
Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto
que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando
as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes
Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português.
Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde
esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e
arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha,
sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.
O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida,
sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a
fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está
diminuindo e a prosa está ganhando?
Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez
progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho mas
da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço
especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos
materiais.
Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações
amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por
exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso
enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida. O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho?
É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem,
reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito
concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e
comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia. O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte?
Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de
ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo
disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os
conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a
lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.
Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do
pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse
pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam
compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.
Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O
que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo?
Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades
que se abrem diante de nós. Qual o maior desafio do ensino?
Não inserimos no programa temas que podem ajudar os jovens, sobretudo
quando virarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o
conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a
realidade e que podemos cair no erro e na ilusão.
Não ensinamos a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos
dias, não ensinamos a incerteza, o que é o ser humano, como se nossa
identidade humana não fosse de nenhum interesse. As coisas mais
importantes a saber não se ensinam. O senhor disse em uma conferência recente que a democracia
ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse
diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso?
Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções
políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do
imediato. E, como sempre digo, ao sacrificar o essencial pelo que é
urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial.
A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem
levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado
a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso
favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia,
Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.
A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e
Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo
econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e
melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação
e a força do dinheiro, que controla a política.
A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder
financeiro, que é cego, que vê só os interesses imediatos, não tem
consciência do destino da humanidade. A prova é a degradação da
biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na
poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de
um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época
de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.
Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período
da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar
em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de
Hitler ao poder por vias democráticas.
Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção
ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao
desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico,
e o desastre dos fanatismos.
A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos
humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades
religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única
consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.
Vemos hoje uma política das identidades. Como conciliar a democracia, o espírito republicano e as lutas identitárias?
Uma nação é sempre a unidade de diversidades. Se não se vê a unidade,
ela se empobrece e perde sua diversidade, e se só se vê a diversidade,
ela perde a unidade. O comunitarismo é uma forma degenerada da
diversidade necessária, é uma forma fechada para uma demanda justa de
se manter ligado a suas origens. Infelizmente hoje perdemos a noção de
unidade. Quando as comunidades se tornam importantes, elas esquecem a
unidade nacional na qual se encontram.
Estamos numa época de interdependência. Concordo que as nações devam
seguir soberanas, mas com soberania relativa, e não absoluta. Desde que
haja um problema que diga respeito a toda a espécie humana, as nações
deveriam subordinar seus interesses ao interesse coletivo. O senhor já disse algumas vezes que o sul global, como chama,
representa um pensamento anti-hegemônico. Ainda é o caso com a
globalização?
A globalização é a hegemonia dos valores do norte sobre o sul, é a
continuação, por meios econômicos, da colonização, que era política. O
sul deve resguardar o que conseguir —como os modos de viver— como
resistência à hiperforça da técnica, do lucro, do sucesso, e deve
conservar a noção de poesia na vida, essa é a missão do sul. Como fazer isso em países pobres, de democracias instáveis, países menos expressivos no jogo político global?
Não há uma receita. É preciso resguardar o que há de resistência,
valores universalistas, humanistas e planetários, guardá-los enquanto
preparamos tempos melhores.
Estamos num movimento perpétuo no qual há um conflito entre as forças
de união, de abertura, de democracia, fraternidade, e as forças de
luta, de desprezo, de degradação e de morte. Esse conflito, como dizia
Freud, entre Eros e Tânatos, é um conflito que existe desde o começo do
universo e vai continuar. A questão é saber de que lado se está. Essa é a
única questão, o futuro ninguém conhece.
Como pensar modos de combater as fake news?
As fake news não têm nada de novo, sempre houve notícias falsas.
Durante uma dezena de anos a União Soviética dava informações falsas
sobre o que acontecia com ela, a China de Mao Tse-tung também, o sistema
hitlerista escondeu os campos de concentração. As mentiras políticas e
as notícias falsas não são novas, são banais, o novo é a internet, a
difusão de notícias que podem vir de qualquer lugar.
O problema é que, se quisermos informar o mundo, precisamos de
pluralidade de fontes de informação e pluralidade de opiniões.
Precisamos de uma imprensa diversa, com opiniões diversas, para que
possamos fazer escolhas. Quando a imprensa perde sua diversidade, quando
ela é controlada pela força do dinheiro, há uma diminuição do
conhecimento e da informação. O senhor sempre menciona o deus espinosano, que é intrínseco
ao mundo, e não exterior a ele. Mesmo com toda a técnica e ciência que
temos, as pessoas seguem com suas crenças num deus transcendental...
Todas as sociedades, desde a pré-história, têm uma religião, uma
crença na vida após a morte. A religião traz pela reza um sentimento que
dá calma. Marx tinha razão ao dizer que a religião é o suspiro da
criatura infeliz.
Com a morte do comunismo, houve um retorno das religiões. Temos o
retorno dos evangélicos aqui no Brasil, do islamismo. Nos países árabes
houve movimentos laicos enormes, mas tudo deu errado. A religião ganha
onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A
religião triunfa no fracasso da modernidade. Como aceitar a incerteza e lidar com a angústia ou até mesmo o cinismo que advém disso?
Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que
nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a
incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As
ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo
sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por
arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a
realidade. Às vésperas de completar 98 anos, o que o estimula a continuar escrevendo e dando conferências?
Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa
curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância —eu tive um grande
choque aos dez anos com a morte da minha mãe, eu envelheci muito, mas
também isso me bloqueou na infância com a curiosidade e o amor pelo
jogo. A sorte do mundo é cada vez mais incerta, não sabemos aonde vamos,
então não podemos não estar preocupados com o futuro da espécie humana
sobre a Terra.
Ainda há lugar para utopias?
Há duas utopias. A má e a boa. A má é sonhar com uma sociedade
perfeita, totalmente harmonizada; isso não é possível. Mesmo numa
sociedade melhor, sempre haverá conflitos. A perfeição não está no
universo, não está na humanidade.
A boa utopia é sonhar com coisas impossíveis mas que são, de certa forma, possíveis intelectualmente.
Por exemplo, hoje há muita fome, mas poderíamos alimentar toda a
humanidade, basta desenvolver as culturas, a agricultura orgânica. É
possível criar uma sociedade nova com a paz sobre a Terra, podemos
pensar no fim dos conflitos entre nações; essa é uma boa utopia. Um
mundo que não seja totalmente dominado pelo poder econômico e que seja
mais fraterno —é preciso ainda ter utopias.
Em resposta a derrubada de drone, EUA fazem ciberataque contra o Irã
Donald Trump autorizou ação que conseguiu desabilitar o sistema de mísseis de Teerã
Ellen Nakashima
The Washington Post
O presidente Donald Trump aprovou uma ofensiva
cibernética que desabilitou sistemas computadorizados iranianos usados
para controlar lançamentos de mísseis e foguetes, ao mesmo tempo em que desistia de um ataque militar convencional que seria lançado em resposta à derrubada na quinta-feira (20) de um drone de espionagem americano não tripulado. A informação é de pessoas familiarizadas com o assunto.
Lançados na noite de quinta por funcionários do Comando Cibernético
dos EUA, os ciberataques vinham sendo preparados havia semanas ou mesmo
meses, segundo duas dessas pessoas, para as quais o Pentágono teria
proposto que fossem lançados depois dos alegados ataques iranianos contra dois navios petroleiros no golfo de Omã este mês.
O ataque contra a Guarda Revolucionária Islâmica foi coordenado com o
Comando Central dos EUA, a organização militar cuja ação abrange todo o
Oriente Médio, disseram essas pessoas. Elas pediram anonimato para
falar, porque a operação ainda é altamente sigilosa.
Apesar
de paralisar os sistemas iranianos de comando e controle militar, a
operação não provocou perda de vidas nem baixas civis, em contraste com o
que ocorreria com ataques convencionais, que o presidente disse que
cancelou na quinta-feira porque não seriam “proporcionais”.
A administração americana alertou dirigentes industriais a ficarem de sobreaviso para possíveis ciberataques vindos do Irã.
A Casa Branca se negou a dar declarações sobre o assunto, assim como
representantes do Comando Cibernético. A porta-voz do Pentágono Elissa
Smith disse: “Por uma questão de política nossa e de segurança
operacional, não discutimos operações no ciberespaço, inteligência ou
planejamento”.
Os ciberataques foram noticiados inicialmente pelo site Yahoo News.
“Esta operação impõe custos à crescente ameaça cibernética iraniana,
mas também é útil para defender as operações da Marinha americana e de
transporte marítimo no Estreito de Ormuz”, disse Thomas Bossert,
ex-funcionário sênior para questões cibernéticas da administração Trump.
“Nossas forças armadas sabem há muito tempo que poderíamos afundar
todas as embarcações da Guarda Revolucionária iraniana presentes no
estreito em questão de 24 horas, se fosse preciso. E esta é a versão
moderna do que a Marinha americana precisa fazer para se defender no mar
e manter as rotas marítimas internacionais livres de interferência
iraniana.”
Os ataques da quinta-feira contra a Guarda Revolucionária
representaram a primeira prova de força ofensiva desde que o Comando
Cibernético foi elevado para a condição de comando combatente pleno, em
maio.
O comando fez uso de nova autoridade, cedida pelo presidente, que simplificou o processo de aprovação de tais medidas.
Os ataques são também um reflexo de uma nova estratégia do Comando
Cibernético, chamada “defender avançando”, que o líder do Comando, o
general Paul Nakasone, definiu como operações lançadas “contra nossos
inimigos no território virtual deles”.
O Comando Cibernético lançou uma operação contra a Rússia no outono
passado para impossibilitar trolls da internet ligados a uma agência do
governo de Vladimir Putin de realizar operações para exercer influência
política sobre plataformas de mídia social americanas. Mas a operação
contra o Irã foi mais incapacitante.
“Isto não é algo que eles poderão reestruturar tão facilmente”, disse
uma pessoa, que, como as outras, não estava autorizada a falar
oficialmente.
Segundo duas pessoas, o ataque digital foi um exemplo do que o
assessor de segurança nacional John Bolton quis dizer quando sugeriu
recentemente que os EUA estão intensificando sua atividade cibernética
ofensiva. “Hoje estamos ampliando as áreas em que estamos preparados a
agir”, disse Bolton numa conferência do jornal The Wall Street Journal.
Em abril deste ano os EUA classificaram a Guarda Revolucionária do
Irã como uma organização terrorista estrangeira, em função de sua
conduta desestabilizadora no Oriente Médio.
Forças cibernéticas iranianas tentaram invadir os sistemas
digitais dos navios e capacidades de navegação dos EUA no golfo Pérsico
nos últimos anos. O estreito de Ormuz é uma rota marítima de grande
importância estratégica pela qual passa diariamente cerca de um quinto
do petróleo mundial.
No sábado o Departamento de Segurança Interna dos EUA lançou um aviso
ao setor industrial americano de que o Irã intensificou seus esforços
para lançar ataques cibernéticos contra alvos industriais críticos
–incluindo os setores petrolífero, de gás e energético—e agências
governamentais.
Segundo o aviso, o Irã possui o potencial de provocar panes em sistemas ou destruí-los.
“Não há dúvida de que houve um aumento na atividade cibernética
iraniana”, disse Christopher Krebs, diretor da Agência de Cibersegurança
e Segurança de Infraestrutura do Departamento de Segurança Interna. “Os
atores iranianos e seus agentes não são ladrões de dados comuns. São o
tipo de ladrão que entra em sua casa e ateia fogo a ela.”
Krebs disse em entrevista: “Precisamos que todos levem a situação
atual muito a sério. Examine quaisquer incidentes potenciais que vocês
tenham e trate-os como um cenário mais grave possível. Não devemos
esperar até sofrer uma invasão de nossos dados. Estamos falando em
perder controle de seu ambiente, perder o controle de seu computador.”
Krebs disse que a “mudança na dinâmica geopolítica” foi levada em conta no aviso lançado pela agência.
A Agência Nacional de Segurança (NSA) também pediu que a indústria
fique de sobreaviso. “Nestes tempos de tensão elevada, todos devem ficar
alertas para quaisquer sinais de agressão iraniana no ciberespaço e
devem montar defesas apropriadas”, disse um porta-voz da NSA, Greg
Julian, em comunicado no sábado (22).
O Irã já lançou ciberataques destrutivos no passado. Em 2012 o país
lançou o vírus Shamoon, que quase destruiu mais de 30 mil computadores
comerciais ligados em rede da estatal petrolífera Saudi Aramco e deletou
cópias de backup de dados. Arábia Saudita e Irã são adversários
ferrenhos.
Analistas do setor privado vêm documentando um aumento gradativo da
atividade cibernética do Irã e seus representantes contra alvos
industriais dos EUA desde 2014.
Essa atividade em vários casos assumiu a forma de ataques de phishing
pequenos e localizados para tentar conseguir acesso a sistemas
computadorizados do setor energético.
“Essa atividade se intensificou no ano passado”, disse Robert M. Lee,
co-fundador da firma cibernética Dragos, que conduziu ciberoperações
para a NSA e o Comando Cibernético dos EUA entre 2011 e 2015. “Nos
últimos seis meses assistimos a um aumento da atividade. E na semana
passada, vimos atividade adicional.”
“A verdade é que estamos assistindo a atividade cada vez mais
agressiva há bastante tempo”, ele disse. “E ela só está se agravando.”
O rato que o Brasil viu nascer da montanha de vazamentos da Lava Jato tem nome e sobrenome: Sérgio Fernando Moro.
O ex-juiz de Maringá, independentemente do que vier a ocorrer após
esse que é o maior escândalo da história do país, conseguiu um feito
inédito: jogou o Brasil no abismo, tramando contra a democracia,
quebrando empresas estratégicas na área de infraestrutura, minando a
confiança da população nas instituições e, especialmente, jogando na
lata do lixo a credibilidade da Justiça.
Em mais uma obviedade, Moro seguiu para os Estados Unidos, onde
espera se reunir com cúmplices no seu projeto de desmonte do Estado
brasileiro: os agentes da CIA, a agência de Inteligência responsável por
investigar e fornecer informações de segurança nacional para os Estados
Unidos.
Há tempos a interferência americana nos destinos do Brasil vem sendo
denunciada. Em entrevista aqui no DCM, em novembro do ano passado,
Fábio Konder Comparato já apontava.
“Tudo começou com o seminário internacional Illicit Financial
Crimes, que deu origem ao denominado Projeto Pontes”, disse o jurista.
“Esse seminário foi realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 4 a 9 de
outubro de 2009, com a presença de membros seletos da Polícia Federal,
do Poder Judiciário e do Ministério Público da União Federal e dos
Estados, contando também com a participação de representantes do México,
Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai”.
Naquela oportunidade, informa Comparato, o então juiz Sergio Moro e o
procurador Deltan Dallagnol solicitaram treinamento para combater os
chamados crimes de corrupção.
A estreita ligação de Moro com os Estados Unidos foi afinal revelada
quando, em 2016, os meios de comunicação de massa norte-americanos o
apresentaram como personalidade de destaque mundial, após receber a
Medalha do Pacificador, concedida pelo Exército Brasileiro como
reconhecimento pelos relevantes serviços prestados ao país.
A tática utilizada pelas autoridades americanas para se introduzirem
no funcionamento do Estado Brasileiro segue um script bem conhecido:
apostar na desmoralização dos principais representantes do Poder
Público, mediante a revelação de atos de corrupção, e estimulando sua
substituição por outros personagens ligados aos interesses
norte-americanos.
“Tal estratégia, que se saiba”, segundo Konder Comparato, “foi pela
primeira vez aplicada contra o presidente Getúlio Vargas, após a criação
da Petrobras em 1953; mas não deu resultado, em razão do suicídio do
Presidente no ano seguinte”.
Entre os incrédulos, a pergunta que se faz é: qual o interesse dos
Estados Unidos em aparelhar Sergio Moro e Deltan Dallagnol para
desestabilizar a democracia e levar o Brasil à bancarrota?
“Ela foi provocada, sem dúvida, pela descoberta em 2007 da camada do
pré-sal, revelando um dos maiores campos de petróleo de todos os
tempos”, diz Comparato.
No afã de se defender, Moro e os procuradores têm atacado a
publicação dos vazamentos. Dizem que não podem garantir que as
mensagens, que segundo eles foram obtidas por hackers, não foram
adulteradas.
Seja como for, a associação entre o Intercept e a Folha dá uma nova
voltagem ao material e debilita a estratégia de atacar a divulgação e a
própria reputação dos jornalistas.
A Folha diz que não encontrou indícios de que os diálogos tenham
sido adulterados, considerando, também, que a divulgação é de interesse
público.
A matéria deste domingo explora mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol a partir de março de 2016.
Nelas, o então juiz se diz preocupado com a repercussão negativa das
gravações de Lula e Dilma e todo um pacote de interceptações envolvendo
a família do ex-presidente, algumas sem qualquer ligação com as
investigações.
Parte da opinião pública não aceitava a divulgação dos áudios
minutos após recebê-los, especialmente por causa de um trecho envolvendo
Dilma, que tinha foro privilegiado.
Outra crítica era o fato de que a captação ter sido feita fora do período legal autorizado.
Moro havia sido advertido pelo ministro Teori Zavascki, então
relator da Lava Jato no STF, e temia ser punido pelo Conselho Nacional
de Justiça.
Foi então que avaliou que a operação havia cometido uma “lambança”,
lembrando a Dallagnol que a Polícia tinha espalhado uma lista apreendida
em escritórios da Odebrecht envolvendo políticos com foro privilegiado
em doações ilegais, o que levaria o caso para o Supremo Tribunal
Federal.
“Não pode cometer esse tipo de erro agora”, escreveu o então chefe da Operação.
O procurador rapidamente agiu para animar o colega.
“Faremos o que for necessário para defender você de injustas acusações”, devolveu Dallagnol.
Em outro momento, Moro apontou suas críticas aos “tontos” do MBL por protestarem no condomínio do ministro Zavaski.
“Isso não ajuda “, disse.
Os próximos capítulos dessa novela vão se dar em duas frentes: uma política, outra jurídica.
Na primeira, a oposição vai manter a pressão por uma CPI sobre o
caso. A segunda é no Supremo Tribunal Federal, já que uma turma prevê
analisar na próxima terça-feira um pedido da defesa de Lula.
Ainda não é certo que haverá esse julgamento —os ministros do STF,
como já ocorreu em outras oportunidades, podem adiar a análise, apesar
de estarem conscientes do desgaste que a chicana iria provocar.
Nos Estados Unidos, onde está neste momento, Moro segue em busca de
apoio para se livrar da montanha de escândalos que desabou sobre sua
cabeça. O rato enfim saiu da toca. E está nu.
Marcelo Zero afirma que "Moro Irá ao EUA articular-se melhor com os
norte-americanos, talvez buscando subsídios para sua nova cruzada
antidemocrática contra a liberdade de imprensa"
Marcelo Zero
Moro, o grande herói dos parvos e dos néscios, não tem grande domínio
da língua portuguesa. Com alarmante frequência, a maltrata como uma
candidata à delação premiada. A conduz coercitivamente pelas masmorras
dos erros gramaticais e ortográficos, sem falar das correntes
estilísticas e dos cadeados semânticos.
Não obstante, o improvável herói, como soe acontecer no nosso meio
jurídico, gosta de citações em latim, mesmo não tendo muita intimidade
com sua última flor.
Nesse último dia 23, o Brasil amanheceu aquinhoado com profundo e sábio twitter do herói. A propósito da reportagem da Folha com novos diálogos da insopitável dupla Moro/Dallagnol, o herói citou Horácio: parturiunt montes, nascetur ridiculus mus. Em português aproximado, “as montanhas dão à luz, nascerá um rato ridículo”. Ou, mais popularmente, a montanha pariu um rato.
Como sempre, desde que as vísceras da Lava Jato começaram a ser
expostas, Moro reafirma que os diálogos não têm nada de mais, embora
possam ter sido fabricados por um tenebroso hacker. Porque esse
tenebroso hacker se daria ao trabalho de invadir a sua conta e a do
procurador para fabricar diálogos que “não têm nada de mais” escapa à
compreensão dos que não consideram Moro um herói. O próprio Horácio,
vivo fosse, não entenderia bem essa lógica tortuosa do semideus.
Aliás, para fabricar diálogos falsos, não precisa hackear a conta de ninguém, basta inventar informações. Basta fabricar e divulgar fake news, como fazem, em profusão, os seguidores do herói.
Pois bem, os últimos diálogos divulgados pela Folha são tudo, menos ratos ridículos.
Na realidade, são montanhas apavorantes. Não tanto pelo que a Folha destacou, mas pelo o que a Folha omitiu.
A solidariedade do “bobinho”, para usar a pitoresca expressão do
ministro Gilmar Mendes, embora exponha a promíscua relação de intimidade
entre juiz e procurador, é o de menos, no caso.
O problema maior está na origem da “lambança”. .
Moro e os procuradores estavam ocultando as investigações do STF.
Ao descobrir que as tais planilhas da Odebrecht mencionavam sujeitos
com foro privilegiado, eles tinham de ter comunicado imediatamente ao
STF, que possui a prerrogativa exclusiva de autorizar e conduzir esse
tipo de investigação.
Moro e seus “bobinhos” preferiram, porém, continuar a investigar como
se montanhas majestosas fossem. Daí o receio de Moro com a “bola nas
costas” da Polícia Federal que, sem querer, expôs a usurpação das
prerrogativas do STF, ao revelar as planilhas.
Não há dúvida de que Moro e seus “bobinhos” desconfiavam do STF e
queriam ocultar tudo de Teori Zavascki, para manter o domínio dos fatos,
ou melhor, das versões.
Os donos do Power Point da moral achavam que eram os únicos capazes
de investigar atos de corrupção. Acreditavam mesmo que eram heróis em
meio a um “mar de lama” e instituições corruptas, inclusive o STF. Por
isso, julgavam-se no direito de usurpar a competência alheia, de não
respeitar as leis, de conspirar, de apresentar suas opiniões como se
fatos fossem, de violar direitos humanos, de agredir o direito à defesa e
o devido processo legal, etc.
Promoveram a corrupção da democracia e do Estado de Direito em nome do combate à corrupção. Promoveram o Moro de Tolo.
A fama e a adulação da mídia subiram-lhes às pequenas cabeças de mures metafóricos de primeira instância e às montanhas de egos monumentais.
Perderam-se e, pior, perderam o Brasil.
Nesse processo, o ridiculus mus de primeira instância, para
usar a expressão de Horácio, e seus seguidores, enlouquecidos e
açulados, pariram, ou ajudaram a parir, montanhas descomunais.
Pariram um golpe de Estado. Pariram a prisão, sem provas, do maior
líder popular da nossa história. Pariram uma eleição fraudada. Pariram a
destruição de vastos setores da nossa economia. Pariram desemprego.
Pariram desesperança. Pariram nosso fascismo. Pariram a desconstrução da
nossa soberania. Não é pouco. O tempora! O mores! O mures! Cícero que me perdoe.
Como disse François de La Rochefoucauld, a virtude só vai longe quando não mantém a companhia da vaidade.
Resta ver o que a montanha do STF vai fazer, ante tal nova e
gravíssima revelação. Dará razão àquele que o desprezou ou defenderá a
Constituição? Defenderá a honra de Teori? Curvar-se-á ante o ridiculus mus? Temerá chutes de coturnos?
Não sabemos.
Sabemos que Moro continuará com sua soberba de semideus ungido no
Olimpo das mídias. Irá ao EUA articular-se melhor com os
norte-americanos, talvez buscando subsídios para sua nova cruzada
antidemocrática contra a liberdade de imprensa. Talvez desça do Everest
do DOJ com novos mandamentos para restringir ainda mais o que restou da
democracia brasileira.
Pelo andar da carruagem, essa pode ser a estratégia política do
governo Bolsonaro, um crescente desastre econômico e político que ruma
célere ao Maelström do caos.
Também não sabemos, ao certo.
Sabemos, contudo, que Moro gosta muito de latim. Assim, aqui vai um provérbio para agregar ao seu enciclopédico conhecimento: verbum emissun non est revocabile.
Há três anos,
o premiado jornalista investigativo Lúcio de Castro descobriu que Paulo
Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
atuava no ramo do petróleo — um fato até então desconhecido pela opinião
pública. PHC era sócio de uma empresa de comércio de produtos
petroquímicos. Essa empresa mantinha negócios com empresas investigadas
pela Lava Jato, como a Odebrecht e a Braskem, e possuía uma offshore em
paraíso fiscal. Lúcio de Castro descobriu também que o filho de FHC era
sócio, em outros negócios, de um argentino, braço direito do presidente
Mauricio Macri, que se suicidou após se ver envolvido em escândalos de
corrupção na Argentina.
À época, o jornalista mostrou que a Polícia Federal havia descoberto
e-mail do Instituto FHC recebendo doação da Braskem. Os negócios
nebulosos da família de FHC não eram meras suposições. Lúcio de Castro
tinha tudo documentado. A reportagem
foi oferecida para todos os grandes veículos da imprensa. Nenhum quis
publicar. Os possíveis crimes contidos ali ainda não haviam sido
prescritos.
Diferentemente do filho de Lula, o filho de FHC jamais teve seu nome
martelando nas manchetes do noticiário nem ganhou o apelido de
“Cardosinho”. A grande imprensa não queria melindrar o filho do
príncipe. Em uma série de tweets
publicada nessa semana após novas revelações da Vaza Jato, Lúcio de
Castro lembrou como seu trabalho foi ignorado: “a reportagem que fiz
mostrava outras tantas conexões da família FHC. Fiz outras tantas de
mazelas dos governos Lula e Dilma, mas essas iam adiante. Sempre lembro
dessa reportagem como um símbolo pra mim do que é a seletividade. De
como nunca foi contra a corrupção. E não vou cansar de repetir: o filho
de FHC tinha uma offshore de petróleo num paraíso fiscal.”
Os novos diálogos publicados pelo Intercept
mostram que não foi só a imprensa que desviou do assunto. A Lava Jato
também preferiu evitar a fadiga. Enquanto procuradores fingiam
investigar FHC só para construir uma imagem pública de imparcialidade, o
ex-juiz considerava que “melindrar” um apoio desse calibre teria um
custo alto. O então juiz Sergio Moro deixou claro para o procurador
Deltan Dallagnol que requentar um crime prescrito apenas para forjar
imparcialidade não era um bom caminho a se tomar. Os sucessivos e
rasgados elogios de FHC à Lava Jato tinham visibilidade internacional, o
que sempre foi um ponto importante para os integrantes da força-tarefa.
Não valeria a pena perder o apoio de um ex-presidente, ainda mais
quando se pretendia prender outro sem provas sólidas. Esse era o cálculo
político de Moro. Blindar politicamente a operação cujo trabalho viria a
julgar era uma de suas prioridades. Respeitar a Constituição era
secundário.
Foram muitos os casos em que FHC e seu governo apareceram na Lava
Jato. Nenhum deles mereceu investigação profunda. Vamos relembrar
alguns. O estaleiro Keppel Fels de Cingapura, um dos maiores do mundo, admitiu ter pago propinas a integrantes do governo FHC para a construção de uma plataforma da Petrobras. Em delação premiada, Emílio Odebrecht disse ter financiado o caixa 2 das duas campanhas presidenciais de FHC. Pedro Barusco e Nestor Cerveró, ex-diretores da Petrobras, revelaram em delação que propinas milionárias foram recebidas pelo governo FHC em negócios da empresa (lembram do “Podemos tirar se achar melhor”?).
Fernando Baiano, o operador das propinas do MDB, revelou em delação
premiada que a presidência da Petrobras lhe deu ordens para beneficiar a
empresa do filho de FHC. Muitos desses supostos crimes não haviam sido
prescritos e ficaram por isso mesmo. Hoje sabemos que, em pelo menos em
um desses casos, Sergio Moro operou
nas sombras para poupar o príncipe tucano, ainda que o intuito não
fosse protegê-lo, mas garantir seu apoio. Não foi à toa que FHC chamou
as revelações explosivas da Vaza Jato de “tempestade em copo d’àgua”.
Em outra parte dos diálogos, procuradores debatiam sobre a
possibilidade de se fazer uma busca e apreensão simultânea nos
institutos Lula e FHC. O objetivo não era de ordem técnica, mas de ordem
política. Pretendia-se mais uma vez incrementar a narrativa de
imparcialidade da Lava Jato. O diálogo prossegue e se chega à conclusão
de que a falta de provas contra FHC poderia beneficiar Lula. Ou seja, o
que impediu a abertura de investigação criminal e a busca e apreensão
contra o Instituto FHC não foi a falta de provas, mas o fato de que isso
poderia beneficiar Lula. A imparcialidade era apenas de fachada. O que
valia para Luis não valia para Fernando. Era com esse nível de seriedade
e profissionalismo que as decisões eram tomadas na Lava Jato.
Moro mentiu no Senado
O ministro da Justiça esteve na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) do Senado para esclarecer as conversas que teve com Dallagnol. O
senador do PSD Nelsinho Trad, do Mato Grosso do Sul, perguntou a Moro se
ele interferiu na composição da bancada acusatória do caso do triplex
de Lula. O ministro negou.
Mas, conforme revelou o jornalista Reinaldo Azevedo, em parceria de apuração com o Intercept,
17 minutos após Moro reclamar do desempenho de Laura Tessler com
Dallagnol, o coordenador da força-tarefa retransmitiu a insatisfação do
juiz para o procurador Carlos Fernando Lima. Para aplacar a insatisfação
de Moro, Dallagnol sugeriu mudar a escala para evitar que Tessler
participasse da audiência de Lula. E foi exatamente o que aconteceu. O
ministro da Justiça, portanto, mentiu aos senadores.
A cada diálogo revelado fica mais cristalino como os desejos de
Sergio Moro soavam como ordens aos ouvidos dos procuradores.
Confirma-se, mais uma vez, que o juiz atuava como o comandante da
acusação. Ele se certificava de que a acusação faria o melhor trabalho
possível e evitava dar espaço para mais um “showzinho da defesa”.
Moro disse aos senadores que não lembra de ter feito esse pedido, mas
também não negou. A linha de defesa do ex-juiz e da Lava Jato carece de
um sentido lógico. Eles insistem em não reconhecer a autenticidade
dos diálogos e ao mesmo tempo os justificam como se fossem autênticos.
Pior: estão dando corda, ainda que indiretamente, para as teorias de
conspiração mais absurdas que brotam na internet e no jornalismo de
aluguel. A tentativa de associar o Intercept a
criminosos é uma groselha servida em mamadeira de piroca. É uma
tentativa desesperada de criminalizar o jornalismo que não tem rabo
preso com os poderosos.
O fato é que até agora nenhum lavajatista negou peremptoriamente nem
uma vírgula dos diálogos vazados. Talvez esse seja o melhor atestado de
autenticidade que a Vaza Jato poderia receber.
Os fatos estão sobre a mesa. A quebra da imparcialidade jurídica está
dada. Ou a opinião pública reconhece isso como inaceitável ou
seguiremos cavando a cova da democracia. O país deseja que esses
arbítrios sejam sacramentados como um padrão da justiça brasileira? Os
fanáticos pela Lava Jato precisam entender que, no futuro, haverá outros
procuradores, outros juízes, outros réus, outro cenário político. Essa
justiça freestyle, que burla preceitos constitucionais básicos
em nome de um bem maior, pode se virar a qualquer momento contra quem
hoje a venera.
Dizem que as pessoas não comeriam as salsichas se soubessem como são
feitas. Até a chegada da Vaza Jato, não se sabia exatamente o que
acontecia nas entranhas da força-tarefa. Graças ao bom jornalismo, agora
se sabe. Continuar ou não comendo essa salsicha vai da consciência de
cada um.