domingo, 16 de junho de 2019

Batom brasileiro na cueca americana


Batom brasileiro na cueca americana
Marcelo Zero

Os diálogos até aqui divulgados pelo The Intercept, não desmentidos até agora por ninguém, demonstram claramente que:
1. Moro, o juiz "isento e imparcial", era o grande chefe das investigações. Instruía e orientava os procuradores. Chegava ao cúmulo de indicar possíveis testemunhas para a acusação, como está explicitamente posto no diálogo datado de 7 de dezembro de 2015. Dallagnol, como afirmou o Ministro do Supremo Gilmar Mendes, parecia mais um "bobinho", a seguir as orientações e os conselhos do "grande líder brasileiro", que "conduziria multidões" e que já o conduzia.
2. Os métodos utilizados não eram apenas antiéticos e violadores dos princípios do amplo direito à defesa e do devido processo legal, como também, de acordo com Gilmar Mendes e muitos outros juristas, francamente ilegais. No mencionado diálogo de 7 de dezembro de 2015, face à negativa do delator sugerido por Moro, Dallagnol fala em intimá-lo com base em "notícia apócrifa". Moro responde para formalizar a intimação. Ou seja, o procurador propõe algo antiético e ilegal e o juiz o incentiva. A isso se soma, nesse mesmo diapasão injurídico, os vazamentos ilegais e sistemáticos, o uso da prisão preventiva como instrumento de tortura psicológica para forçar e direcionar delações, as arbitrariedades das conduções coercitivas desnecessárias, a espionagem do escritório de advocacia, etc.
3. O conluio entre Moro e os procuradores tinha uma clara e agora explícita conotação política e destinava-se, fundamentalmente, a atacar o PT, derrubar o governo legítimo e impedir a candidatura de Lula, nas eleições de 2018. O fato das investigações terem respingado em outros partidos e encarcerado alguns corruptores e corruptos de fato não invalida essa constatação fundamental. Mais uma vez na história do Brasil, o discurso contra a corrupção foi usado com fins político-ideológicos, como no segundo governo de Getúlio Vargas e no golpe militar de 1964. Algo péssimo para o próprio combate à corrupção.
4. A mídia tradicional aderiu de bom grado a esse conluio e, em vez de questionar os fins políticos e os métodos autoritários, antiéticos e até ilegais da operação, contribuiu decisivamente para enganar a população, disseminar o ódio contra o PT e seus governos, criminalizar a atividade política, fragilizar o sistema de representação, derrubar um governo legítimo, encarcerar o maior líder popular da nossa história, destruir vastos setores produtivos do país e eleger um protofascista que elogia ditaduras e torturadores.
Isso tudo já era bastante óbvio para quem tinha um mínimo de informação, honestidade intelectual e massa cinzenta. As revelações do Intercept, embora importantíssimas, apenas comprovam o que já se sabia.
Aqueles que não sabiam, ou melhor, fingiam não saber o que era o ponto central da Lava Jato e sua verdadeira natureza agora ensaiam uma operação de contenção de danos.
Tal operação visa:
a) Conter as óbvias irregularidades e legalidades nas figuras de Moro e Dallagnol.
b) Manter Lula preso.
c) Manter o discurso da criminalização do PT e da "política".
d) Manter todas ou a maioria das decisões dos processos da Lava Jato.
e) Dissociar o escândalo do governo Bolsonaro.
f) Dissociar o escândalo da atuação pregressa da mídia.
g) Dissociar o escândalo da implementação da agenda ultraneoliberal.
h) Ocultar as ligações externas da operação e sua relação com a nova postura geopolítica do Brasil.
Entre todos esses objetivos, o mais importante é esse último.
De fato, como já escrevi em artigo anterior, a Lava Jato foi criada no âmbito da cooperação bilateral entre Brasil e EUA, no campo jurídico. Na realidade, ela foi conduzida essencialmente pelo Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA, que usa seus instrumentos jurídicos extraterritoriais para fazer valer os interesses daquele país em todo o mundo.
Não se trata de teoria da conspiração. É somente um fato básico da geopolítica mundial. O exemplo recente da perseguição jurídica à Huawei é bem eloquente a esse respeito.
Embora tal perseguição contrarie o direito internacional público, há de se reconhecer que os procuradores norte-americanos defendem os interesses de seu país. Jamais passaria pela cabeça de algum procurador dos EUA conduzir uma operação que resultasse na destruição de empresas norte-americanas e de empregos norte-americanos. Caso houvesse, ele seria rapidamente enquadrado. Talvez preso.
No Brasil, infelizmente...........
Do ponto de vista dos EUA, o objetivo principal pretendido com a Lava Jato e com o golpe de 2016 foi alcançado: o Brasil tornou-se aliado incondicional dos EUA, em sua luta geoestratégica contra China e Rússia.
Deixamos de ser país soberano e voltamos a ser quintal.
Para os interesses do Império, é vital que essa "conquista" recente seja mantida e aprofundada. Podem cair Moro e Dallagnol, pode até cair Bolsonaro, mas a atual política externa passiva e submissa não pode mudar no essencial.
Para tanto, é também fundamental que as revelações do Intercept não escancarem que o juiz e os procuradores brasileiros atuavam, em boa parte, sob a batuta jurídica, técnica e política do DOJ.
Entretanto, nas últimas conversas divulgadas, Dallagnol confessa que que as operações da Lava Jato dependiam estreitamente da "articulação" com os norte-americanos.
Isso pode ser o início da comprovação de um grande crime geopolítico.
Isso é batom brasileiro na cueca norte-americana.


Marcelo Zero
É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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