sábado, 29 de junho de 2019

O que fazer com uma ninhada de camundongos?



O que fazer com uma ninhada de camundongos?, por Luis Felipe Miguel

Não, o Intercept Brasil não vai trazer uma solução miraculosa e nos liberar da cansativa tarefa de fazer o trabalho político.
Banksy

O que fazer com uma ninhada de camundongos?

por Luis Felipe Miguel

Moro soltou seu mau latim no Twitter para dizer que as revelações do Intercept Brasil eram a montanha parindo um rato.
Sob qualquer parâmetro do direito e da moral, as revelações não podem ser consideradas “um rato”. Elas exibem um juiz traindo suas obrigações profissionais mais elementares, cometendo crimes, participando de uma conspiração contra o regime democrático.
Para que sejam entendidas, basta alcançar um princípio muito simples: a imparcialidade do juiz.
Em qualquer lugar do mundo, as conversas divulgadas com o MP seriam mais do que suficientes para a queda e prisão de Moro, de Dallagnol e do resto da turma, a libertação dos réus que foram vítimas de suas maquinações e a anulação das eleições fraudadas de 2018.
Mas não estamos em qualquer lugar do mundo. Estamos no Brasil de Bolsonaro.
Depois de titubear um pouco, Moro e seus “acepipes”, como diria o ministro da Educação, logo encontraram o caminho para sua defesa: o cinismo puro e simples.
Negam o óbvio, enquanto piscam o olho para sua plateia.
Temos a corregedoria do MPF se apressando em arquivar qualquer investigação. Temos manifesto de centenas de juízes afirmando que se mancomunar com uma das partes é prática corrente e aceitável. Temos a Rede Globo. Temos o Supremo, um poder minúsculo, que não está só acovardado, como certa vez disse Lula, mas é cúmplice ativo da destruição do Brasil.
A multidão de mínions, que teme usar o próprio cérebro mais que o diabo teme a cruz, produz sua própria mistura de cinismo e ignorância. No fim, reduz a situação àquela frase lacradora, onde mínions e Gomes se encontram: “Lula tá preso, babaca”.
Moro perde popularidade, perde a luz própria que sempre mais simulou do que de fato teve, e se torna de vez um boneco na mão de Bolsonaro. Se dependesse de suas próprias forças, estaria frito. Mas está protegido pelo arco amplo da direita – bolsonarismo, MBL, Globo, FHC – que entendeu que o caminho do cinismo é o único seguro para garantir a continuidade do golpe de 2016.
O campo democrático, por sua vez, parece paralisado, esperando a anunciada, mas sempre postergada, bala de prata do Intercept.
Não sei se ela virá. Não sei qual é a agenda de Glenn Greenwald, nem acho que ele tenha a responsabilidade de dar rumo à oposição no Brasil.
Não acho boa a maneira pela qual ele se tornou personagem da crise, polemizando com a direita e a cada dia prometendo novas bombas. Seria melhor um perfil mais baixo, para agudizar a contradição “jornalista imparcial vs. juiz parcial”. Mas o principal é isso: ele não é, nem pode ser, o formulador da estratégia da esquerda. Não podemos ficar pendentes do cronograma do Intercept Brasil e de seus parceiros
A blindagem que o cinismo produz tem potencial para transformar qualquer revelação, por mais importante que seja, no tal rato parido pela montanha. Se Sérgio Moro tivesse um pingo de decência, já teria renunciado e se escondido em qualquer buraco, depois de exposto do jeito que foi. Mas se ele tivesse um pingo de decência, não seria Sérgio Moro.
Em vez de esperar pela improvável revelação final, que destruirá Moro, Bolsonaro e o golpe pela simples força de seu enunciado, devíamos trabalhar a sério com a ninhada de camundongos que temos. Falar com quem tem alguma disposição para ouvir e pensar, mostrando como a Lava Jato foi um instrumento para impedir que a vontade popular se manifestasse, discutindo como o discurso do combate desenfreado à corrupção leva à aceitação da destruição da democracia e, sobretudo, vinculando a perseguição contra Lula, a criminalização da esquerda e o golpe com a perda de direitos (congelamento dos gastos, reforma trabalhista, reforma previdenciária).
Não, o Intercept Brasil não vai trazer uma solução miraculosa e nos liberar da cansativa tarefa de fazer o trabalho político.

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