Janio de Freitas e o ‘j’accuse” aos cúmplices de uma conspiração
O artigo de Janio de Freitas,hoje, na Folha, guardadas as proporções, remete há 120 anos, quando o escritor Emile Zola publicou o seu famoso “J’accuse” – Eu acuso – a denunciar as farsas e as cumplicidades que levaram à condenação e prisão do capitão Alfred Dreyfus, num escândalo judicial até hoje gravado na história da França.
Ainda que não invoque a autoridade que tem como o jornalista brasileiro que mais combateu e denunciou a corrupção governamental, o velho mestre dos jornalistas brasileiros aparta a questão das culpas irrecusáveis de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol e distribui, com nome, sobrenome e endereço, as responsabilidades e cumplicidades que permitiram a dois aventureiros. por si insignificantes, chegarem ao ponto em que chegaram.
Eles fingirão que não ouvem, mas o eco das palavras de Janio há de lhes doer.
Janio segue o desafio de mais de um século da peça de Zola: (…) como foram ousados, serei da minha parte ousada também. Vou falar a verdade, pois prometi resguardá-la, já que a justiça, conspurcada diversas vezes,
não faz isso, plena e inteiramente. Tenho o dever de falar, eu não quero ser cúmplice”.
Delinquência múltipla
Janio de Freitas, na Folha
Nada aconteceu ao acaso nesta etapa
fúnebre do nosso fracasso como país. A partir de tal premissa, é preciso
dizer que os atos delinquentes de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e
outros da Lava Jato só puderam multiplicar-se por contarem com o endosso
de vozes e atitudes que deveriam eliminá-los. É preciso, pois,
distribuir as responsabilidades anexas à delinquência, não pouco
delinquentes elas mesmas.
É preciso dizer que a imprensa,
incluído o telejornalismo, foi contribuinte decisivo nas ilegalidades
encabeçadas por Sergio Moro. Aceitou-as, incensou-o, procurou tornar o
menos legíveis e menos audíveis as deformações violadoras da ordem legal
e da ética judiciária.
Os episódios de transgressão
sucederam-se, ora originários de Moro, ora do ambiente de fanatismo
imperante entre os procuradores. Com o cúmulo do desatino e do
extemporâneo no espetáculo de Deltan e da psicótica rosácea de acusações
ao alvo de sua obsessão.
É preciso dizer que as advertências
de juristas e advogados de alta reputação, não faltando nem livros de
reunião e análise de muitas das transgressões, tiveram mais do que o
espaço para o escapismo do “nós publicamos”. Foram vistos muitas vezes
como interesseiros políticos ou profissionais. Era, no entanto, o caso
de clamor, de defesa aguda dos princípios constitucionais e da
legislação, se a imprensa quer afirmar-se democrata, ao menos quando se
trata da sua liberdade plena.
A conduta da imprensa tem nomes, não
foi anônima nem está encerrada. Nem corrigida: as críticas de um ou
outro comentarista não compensaram o rápido esvaziamento das revelações
do competente The Intercept Brasil.
É preciso dizer que a mais alta
instância de defesa dos direitos civis, da Constituição e do corpo de
leis foi coadjuvante nas condutas ilegais de Sergio Moro. O Supremo
Tribunal Federal, principalmente pelos ministros Teori Zavascki e Edson
Fachin, relatores da Lava Jato, Cármen Lúcia e Luiz Fux, teve o dever de
reprimir, cedo, qualquer pilantragem judicial. Preferiu não o fazer, ou
por demagógico medo de desagrados externos, ou por sujeição majoritária
à ideologia. Poucos ficaram ilesos.
É preciso dizer que o Conselho
Nacional de Justiça está necessitado de recuperação judicial. Sua razão
de ser é zelar por prestação de Justiça a mais coerente com a
legislação, o que implica correção processual, imparcialidade e ética,
como explicitadas nos códigos específicos. Apesar disso, nenhum recurso,
advertência ou aviso sobre o infrator Moro teve mais consequência do
que o arquivamento. Em mais de meia centena de casos, endosso das
artimanhas de Moro sem exceção. O papel do CNJ é vizinho do vergonhoso.
É preciso dizer que o Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) praticou justiça: deu aos
dallagnois o aval que seu equivalente na magistratura deu a Sergio Moro.
Esse conselho é o vizinho do vizinho. Mas no Ministério Público não
basta a quota de responsabilidade dos procuradores em Curitiba e no
CNMP.
A proteção dada pelo então
procurador-geral Rodrigo Janot foi a todos os abusos de poder,
perversões na invocação de leis, arbitrariedades com as famílias de
delatados. Mais de uma vez, Janot divulgou notas de restrição a condutas
abusivas. Todas só para enganar a opinião pública, todas descumpridas
com o seu amparo.
É indispensável reconhecer que Gilmar
Mendes esteve certo nos seus ataques a procedimentos de Sergio Moro e
dos procuradores da Lava Jato. Sem subscrever suas pesadas palavras, o
sentido do muito que disse, com desprezo de vários colegas, foi
verdadeiro. Os que apontaram as condutas transgressoras da Lava Jato
foram muito atacados, mas eram os que estavam certos. Está provado, com
as vozes dos políticos Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
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