dom, 30/03/2014 - 11:37
- Atualizado em 30/03/2014 - 13:18
Por Jotavê- Atualizado em 30/03/2014 - 13:18
Eu ainda não entendo o que aconteceu em Pasadena. Não sou economista e
mal sei distinguir um poço de petróleo de uma refinaria. Sou um
eleitor, para quem o eventual desperdício de um bilhão de dólares é,
sim, uma questão relevante. Gostaria muito de entender o que aconteceu
em Pasadena, e dependo de informações da imprensa para formar uma
opinião sobre o assunto. O artigo escrito por Gustavo Patu para a Folha
de hoje é um bom exemplo de como a imprensa tem falhado em desempenhar
esse papel.
Vamos a ele, com o texto de Patu em itálico.
Para começar, o fato incontestado: a Petrobras fez um mau negócio
ao comprar em 2006 uma refinaria em Pasadena, nos EUA, como admitem os
dirigentes de ontem e de hoje da estatal. Não só porque o montante
desembolsado supera em muito o atual valor de mercado da refinaria;
também não faz mais sentido refinar petróleo brasileiro para o mercado
americano, agora que é preciso importar combustíveis para o Brasil.
Já comecei não entendendo. Por que o fato de o Brasil importar
combustíveis tornaria o refino de petróleo para o mercado americano algo
"sem sentido"? Talvez Patu esteja querendo dizer que, se o negócio
estivesse sendo feito HOJE, faria mais sentido pegar o dinheiro e
investir em refinarias no Brasil. Mas o negócio não está sendo feito
hoje. Foi feito antes da crise de 2008. Feito o negócio, por que eu,
leitor e eleitor ignorante, devo concluir que "não faz mais sentido
refinar petróleo brasileiro para o mercado americano"? Patu não explica.
E eu fico na mesma.
Há três hipóteses, não excludentes entre si, para explicar a
trapalhada: 1) azar, na forma de reviravoltas imprevisíveis da economia;
2) imperícia, por riscos subestimados ou decisões equivocadas; 3) dolo,
se funcionários e autoridades provocaram propositalmente as perdas para
desviar recursos em proveito próprio. A primeira e mais benigna das
versões foi a apresentada pela Petrobras. A presidente Dilma Rousseff
surpreendeu ao escolher a segunda: em nota, disse que o negócio só foi
aprovado porque cláusulas fundamentais eram desconhecidas. As piores
suspeitas — investigadas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e
pelo Tribunal de Contas da União — derivam de lacunas nas narrativas da
má sorte e da falha empresarial.
Sou ignorante, mas leio jornais. É mentira que a presidente Dilma
tenha "escolhido" a segunda hipótese — a de imperícia. Como Gustavo
Patu, ela considera que essas hipóteses não são excludentes, e
"escolheu" uma combinação das duas primeiras: a reviravolta de 2008
agravada pela imperícia daquelas duas cláusulas famosas. Esses dois
fatores, conjugados, teriam criado a armadilha em que a Petrobrás acabou
envolvida.
As justificativas para a compra da refinaria (uma usina que
transforma petróleo em combustíveis e outros derivados) parecem
razoáveis. Argumenta-se que o consumo de combustíveis, então estagnado
no Brasil, disparava nos Estados Unidos, em meio à euforia generalizada
da economia americana. O plano era adquirir uma refinaria obsoleta, mais
barata, melhorar suas instalações e adaptá-las ao tipo de petróleo mais
produzido no Brasil.
O leitor e eleitor ignorante (eu) começa a ficar de orelha em pé. A
Petrobrás comprou uma refinaria "obsoleta". Vou ao dicionário. Era uma
refinaria "ultrapassada", segundo Patu. Muito bem. Anotado.
Os dados nebulosos começam com o pagamento de US$ 360 milhões por
metade da refinaria de Pasadena, uma sucata adquirida um ano antes pela
empresa belga Astra Oil por US$ 42,5 milhões. Segundo a Petrobras, o
valor da compra foi US$ 190 milhões; os US$ 170 milhões restantes seriam
referentes aos estoques de petróleo e derivados da refinaria.
Vimos no parágrafo anterior que a Petrobrás teria comprado uma
refinaria "obsoleta" por U$190 milhões. Um ano antes, a Astra teria
comprado uma "sucata" por U$42,5 milhões. Eu, leitor ignorante,
irrito-me, em primeiro lugar, com o acréscimo insistente dos
U$170 milhões referentes aos estoques no preço final. Comprar por 190 o
que o outro comprou um ano antes por 40 e tantos já é pagar uma
diferença brutal — quase quatro vezes mais. Não preciso que jornalistas
como Gustavo Patu "contrabandeiem" o preço do estoque para "piorar ainda
mais as coisas", e me fazer ver, com lentes de aumento, aquilo que ele
me julga incapaz de enxergar a olho nu. Não sou cego, sr. Patu. Um pulo
de 40 para quase 200 exige explicações. Mas, já que o próprio
articulista admite que passamos de uma "sucata" para uma usina
"obsoleta", gostaria que ele me dissesse quais são os dados em que essa
gradação adjetiva está baseada. Ele tem conhecimento de melhorias feitas
pela Astra na usina? Que melhorias foram essas? E por que o leitor
ignorante tem que ser tratado como se, além de ignorante, fosse uma
criança a quem não devem ser ditas certas coisas?
Alega-se que a escalada dos preços acompanhava o aumento das
margens de lucro do refino do petróleo na época. Uma evidência disso
seria a recomendação favorável do Citibank à transação. Dito de outra
maneira, pagou-se muito porque se acreditava que o retorno futuro seria
elevado. A Petrobras se juntava aos investidores e especuladores que
apostaram no prolongamento da era de prosperidade --e perderam.
Isso, mesmo. Foi o que eu li nos jornais, dito não apenas por
técnicos e diretores da Petrobrás, mas também por gente muito séria e
responsável, com assento no conselho.
Oito anos atrás, o Conselho de Administração da estatal,
presidido por Dilma, aprovou a transação, que tornava a empresa sócia da
Astra. Já surgiam sinais de mudança nos ventos do mercado.
Que os sinais de mudança "já surgiam" quando o Conselho aprovou a
decisão talvez seja verdade. Que fossem percebidos assim, naquela época,
é algo que o sr. Patu não se preocupa em demonstrar. A decisão foi
tomada antes da crise, e a crise pegou todo mundo — aí incluídos eu e o
sr. Gustavo Patu — de surpresa. Quero dizer o seguinte: talvez tenha
sido um péssimo negócio, talvez tenha havido imperícia, talvez tenha
havido ladroagem. Mas se, num assunto complicado como esse, o
jornalista, ao invés de argumentar com sobriedade vai introduzindo essa
multidão de "malandragens retóricas" pelo caminho, eu, leitor e eleitor
ignorante mas sedendo de informações, fico na mesma. É tão difícil assim
ser honesto intelectualmente?
A Petrobras havia identificado a tendência de aceleração do
consumo de combustíveis no Brasil, que se intensificaria nos anos
seguintes; nos EUA, a economia começava uma parada que culminaria no
colapso de 2008.
"Começava uma parada", percebe, sr. Patu? O senhor previu o colapso
de 2008 àquela época? Publicou muitos artigos alertando o mundo a esse
respeito? Alguns jornalistas o fizeram. O senhor lhes deu bola? Ao menos
considerou seus argurmentos?
O preço do petróleo e as margens de lucro do refino caíram; os
investimentos programados em Pasadena não saíram do papel; o casamento
entre Petrobras e Astra chegou rapidamente ao fim. Com o divórcio, Dilma
e os demais conselheiros da estatal descobriram — oficialmente, ao
menos — a extensão das vantagens oferecidas aos belgas na sociedade.
"Oficialmente, ao menos" — perceberam? Extraoficialmente, é bem capaz
que Dilma, Jorge Gerdau e demais membros do Conselho soubessem de
antemão que os belgas estavam com a faca e o queijo na mão, que a crise
vinha aí, mesmo, e que a Astra iria esfolar a Petrobrás na Justiça
americana por conta disso. Repito. Por que me tratar como se eu fosse um
tolo, alguém incapaz de tirar conclusões a partir de premissas, e que
necessita, por isso, que insinuações maldosas vão me guiando ao longo do
raciocínio?
À Astra havia sido garantida uma rentabilidade anual de 6,9% ao
ano, como compensação ao investimento necessário para processar o
petróleo brasileiro. E, em caso de discórdia, o direito de vender à
Petrobras sua metade no negócio. A direção da empresa brasileira se
dispunha a pagar espantosos US$ 788 milhões pelo restante da operação
fracassada, um valor ainda sem explicação. Em 2008, o Conselho de
Administração negou o aval à ideia, e o caso foi parar na Justiça.
Epa! Malandragem novamente. Reparem nos tempos verbais. "Havia sido
garantida" à Astra a tal rentabilidade mínima e o tal direito de venda
forçada. Ao mesmo tempo (é o que se infere, não é?) a direção da
Petrobrás "se dispunha a pagar" U$ 788 milhões. Detalhe. Entre uma coisa
e outra há uma crise internacional imprevista e uma disputa empresarial
que iria acabar na Justiça. Até eu, que sou ignorante, sei disso. O
sr. Patu, no entanto, tenta me fazer esquecer desse detalhe, manipulando
o passado gramatical.
A partir daí, Petrobras e governo brasileiro tomam providências
contraditórias. Em março daquele ano, o até então diretor da área
internacional da estatal, Nestor Cerveró, foi retirado do posto.
Responsável pelas informações prestadas aos conselheiros, Cerveró não
foi, porém, punido. Ganhou o cargo de diretor financeiro da BR
Distribuidora, ligada à Petrobras e administradora dos postos de
gasolina. Só perdeu o emprego neste mês, depois da nota do Palácio do
Planalto que atribuiu a aprovação da compra da refinaria a um resumo
"técnica e juridicamente falho" das condições do contrato.
Também acho que, se o sr. Cerveró fez uma besteira monumental,
deveria ter sido posto no olho da rua, e não deslocado para uma outra
área da empresa. Mas não vejo motivos para achar que "a partir daí"
(isto é, de 2008, quando o Conselho nega o seu aval para a venda por
U$ 788 milhões) a empresa e o governo tenham passado a tomar
"providências contraditórias". Não há uma "sequência" de providências
contraditórias entre si — é isso que o texto está insinuando. Há uma
providência tomada em 2008 (deslocamento do funcionário para outro setor
da empresa) que se choca com essa, tomada há poucos dias (demissão).
Não é preciso transformar uma atitude certamente estranha e que pede
explicações numa suposta SEQUÊNCIA de atitudes estranhas para que eu,
ignaro leitor, perceba que existe, sim, uma estranheza a ser explicada
nessa demissão tardia. Não sou retardado mental, sr. Patu.
Em 2009, a Justiça estabeleceu que a Petrobras deveria pagar US$
639 milhões à Astra — US$ 296 milhões pela segunda metade da refinaria,
US$ 170 milhões pelos estoques restantes de petróleo e US$ 173 milhões
em custos associados ao processo. Era menos do que a direção da estatal
estava disposta a desembolsar um ano antes, mas, ainda assim, a empresa
decidiu recorrer da decisão. Os belgas também seguiram em busca do valor
mais elevado acertado antes.
O correto seria não ter recorrido? É isso? Também acho estranha a
oferta generosa feita por Cerveró um ano antes e recusada pelo Conselho.
Só não entendo a linha de raciocínio de Gustavo Patu. O que ele insinua
é que, como Cerveró havia oferecido U$ 788 milhões, quando a Justiça
determinou o pagamento de U$ 639 milhões, a diretoria e o Conselho da
Petrobrás deveriam ter pulado de alegria e pagado a dívida sem recorrer.
É isso que o sr. Gustavo Patu faria se fosse diretor da Petrobrás? É
esse o conselho que daria, caso fosse membro do Conselho da estatal?
Em 2012, com a perspectiva de derrota judicial, a Petrobras fez
um acordo que custou ainda mais: US$ 821 milhões, porque os custos
relacionados ao processo subiram para ainda inexplicáveis US$ 355
milhões. Também no governo Dilma, a estatal tentou vender a refinaria,
mas não conseguiu nada que chegasse perto do US$ 1,18 bilhão gasto ao
todo no negócio fracassado. Com pelo menos seis anos de atraso, a
empresa decidiu agora apurar responsabilidades.
A Petrobrás não deveria ter recorrido, segundo o senhor Patu. Ele já
havia dato uma razão estapafúrdia para isso: a oferta feita um ano antes
da primeira sentença por Cerveró (e recusada pelo Conselho da
Petrobrás). Agora, dá uma outra razão, ainda mais estapafúrdia. Em 2008,
os advogados da empresa deveriam ter previsto que levariam um nabo na
Justiça americana em 2012. Deveriam ter aceitado pagar os U$639 milhões,
pois como tinham bola de cristal, bastaria uma rápida consulta à mágica
esfera para saber que, quatro anos depois, teriam que pagar U$821
milhões.
Vejam a malandragem final, oculta num dado que o articulista
certamente tem em mãos, mas resolveu sonegar a seus leitores, para não
atrapalhar a "doutrina". Ele diz que Dilma tentou vender a refinaria,
mas "não conseguiu nada que chegasse perto do U$1,18 bilhão gasto ao
todo no negócio fracassado". Tá bom. Nada que chegasse perto. Mas —
quanto exatamente? Por quanto seria possível vender, hoje, essa usina
que a Astra comprou, lá atrás, por U$42,5 milhões? Por que esse número
não entra no texto? O número talvez fique bem longe, mesmo, de U$1,18
bilhão. Mas algo me diz que fica mais longe ainda dos U$42,5 milhões
originais. Se revelado, não livraria a cara de Cerveró e dos diretores
que assinaram um contrato, ao que tudo indica, temerário, sonegando
dados fundamentais ao Conselho da empresa. Mas o número certamente
obrigaria o jornalista a contar uma história muito mais complicada do
que essa que tenta nos enfiar goela abaixo.