Abominável silêncio sobre o caso José Dirceu
Em novo artigo, o jornalista Breno Altman protesta
contra a passividade da sociedade brasileira antes os abusos cometidos
pelo Judiciário e pela mídia em relação a José Dirceu; "Há mais de
quatro meses o ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre pena
em regime fechado, mesmo tendo sido condenado ao cumprimento inicial em
sistema semiaberto. O presidente do STF, com a cumplicidade do juiz
encarregado da execução penal, pisoteia ou posterga decisões da própria
corte", diz ele; o que está em jogo, diz Altman, é a própria democracia
brasileira; "O silêncio sobre o caso é tão abominável quanto aquele que,
no passado, franqueou decisões do STF entregando Olga Benário ao
nazismo ou chancelando o golpe militar de 1964"
Um espectro ronda a vida
institucional e jurídica do país, movimentando-se na calada da sociedade
e do Estado. Seus contornos podem ser definidos por uma pergunta: a
democracia comporta o linchamento midiático e processual como ferramenta
para eliminar inimigos políticos?
A questão leva nome e sobrenome. Há
mais de quatro meses o ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva
cumpre pena em regime fechado, mesmo tendo sido condenado ao cumprimento
inicial em sistema semiaberto. O presidente do STF, com a cumplicidade
do juiz encarregado da execução penal, pisoteia ou posterga decisões da
própria corte.
Não importa, a esses senhores e seus
aliados, que a essência da acusação contra o líder petista tenha sido
esvaziada pela absolvição acerca da formação de quadrilha. Afinal,
sentenciado sem provas materiais ou testemunhais, Dirceu teve sua culpa
determinada por uma teoria que considerava suficiente a função que
eventualmente exercera no comando de suposto bando criminoso, cuja
existência não é mais reconhecida.
O grupo chefiado pelo ministro
Joaquim Barbosa, no entanto, resolveu virar as costas para a soberania
da instituição que preside. Sob pretexto de regalias e privilégios que
jamais se comprovam, mas emergem como verdadeiros nas páginas de jornais
e revistas, a José Dirceu se nega o mais comezinho dos direitos.
Permanece preso de forma ilegal, dia após dia, em processo no qual a
justiça se vê substituída pela vingança.
Há poucos paralelos na história
posterior à redemocratização, revelando o poderio dos setores mais
conservadores e autoritários quase três décadas depois de findada a
ditadura dos generais. As irregularidades contra Dirceu, acima de
problema humanitário, afetam pilares fundamentais do regime democrático e
civilizado.
O mais triste e preocupante, porém, é
a omissão do mundo político diante da barbaridade. Vozes
representativas do Estado e da sociedade fazem opção pela abulia e a
passividade, possivelmente, e de antemão, atemorizadas pela reação de
alguns veículos de comunicação e o dano de imagem que poderiam provocar
contra quem ousasse dissentir.
O protesto cresce entre cidadãos e
ativistas, alcança o universo jurídico, recebe acolhida de alguns
articulistas e chega a provocar certo nível de resposta nos partidos e
organizações progressistas. Mas a
ilegalidade, respaldada por boa parte da mídia tradicional, não é
enfrentada à altura por autoridades governamentais e entidades cujo
papel obrigatório na defesa dos direitos democráticos deveria impor
outro comportamento.
O mutismo refugia-se em álibis como a
independência entre poderes e o caráter terminal da sentença promulgada
pelo STF. Como se o bem supremo a ser defendido não fosse a
Constituição, mas o respeito ritualístico a uma instância na qual se
formou maioria transitória a favor do arbítrio.
Outra camuflagem aparece sob a forma
de abordagem unilateral ao que vem a ser liberdade de imprensa. Como se
empresas jornalísticas estivessem acima das normas e do escrutínio da
cidadania. Ou é aceitável que responsáveis pela coisa pública abdiquem
da crítica frontal quando meios de comunicação violam conduta para
destruir reputações e prerrogativas inscritas em lei?
Estes são, enfim, temas da
democracia, não apenas da solidariedade a José Dirceu ou da jurisdição
de petistas que lhe são leais. O silêncio sobre o caso é tão abominável
quanto aquele que, no passado, franqueou decisões do STF entregando Olga
Benário ao nazismo ou chancelando o golpe militar de 1964.
Breno Altman, 52, é diretor editorial do site Opera Mundi.
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