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Brasil está superfaturado -
MOISÉS MENDES ZERO HORA - 09/03
Junto com a melhoria de renda, o Brasil socializou também a pilantragem
Relatos
do veraneio dão preferência este ano aos preços das coisas, de qualquer
coisa. Você deve ter sua lista de absurdos. Barbaridades como um coco
por R$ 10. Estacionamento no pasto, numa área cercada com arame farpado,
por R$ 30. Um picolé dito mexicano (há picolé mexicano por todo lado em
Santa Catarina) por R$ 8.
A Rosane de Oliveira voltou do Rio
alarmada: uma jarra de suco de abacaxi custava R$ 52 no Restaurante
Aprazível, em Santa Teresa. Por este preço, Rosane e o marido, o
escritor Tailor Diniz, já tomaram cálices e cálices do licor dos monges
de Chartreuse em bistrôs bem mais aprazíveis de Paris.
Uma garrafa de
cerveja na praia, em qualquer praia, só custa menos de R$ 6 se estiver
em liquidação. Cobram R$ 4 por uma garrafinha de água mineral. Buffets
considerados “populares”, de R$ 29,90 o quilo no veraneio passado,
pularam para R$ 50.
Desapareceu, junto com os novos preços do Brasil
rico, até o truque dos 90 centavos ao final da cifra. Fernanda
Montenegro, na bela entrevista ao Marcelo Perrone, domingo passado aqui
na Zero, lembrou que a mordida do estacionamento pode custar hoje mais
do que o ingresso do teatro. E sempre há quem pague.
Não é conversa
mole de fim de férias. Há um fenômeno à espera de desvendamento.
Vendedores de cocos, de casas (o que é o preço de um apartamento de meio
metro quadrado!!!), refeições, pregos, sucos de abacaxi decidiram
copiar as empreiteiras. Tudo tem sobrepreço, e não é só na praia e na
miudezama da economia informal. Superfaturaram todo o Brasil.
A culpa
seria dos impostos. Não é. O jornal O Globo já mostrou que esse
argumento é uma muleta para os que cometem abusos. No caso dos
automóveis, por exemplo, a margem de lucro das montadoras aqui é o dobro
da média mundial. É assim também, com algumas variações, com energia
elétrica, com a água, remédios, roupas, pedágios.
O capitalismo
brasileiro inventou uma escala burra, como a que vigora no futebol. É
melhor cobrar R$ 100 por um ingresso e ter o estádio quase vazio do que
cobrar R$ 50 e ter torcida _ que até bem pouco tempo era, afinal, o que
importava.
Torcidas exigem estruturas de recepção, segurança,
limpeza. O torcedor, inclusive aquele que ainda quer levar a mulher e os
filhos ao jogo, é um incômodo.
A explicação pronta para a loucura
dos preços, a mais clássica e cômoda, é a que vê nisso uma distorção
pontual nos mercados, que regulam tudo. O ex-ministro Delfim Netto tem
se dedicado ao assunto, a partir das preocupações do governo com o que
seria o preço justo das obras públicas, sob suspeita generalizada de
superfaturamento.
Delfim repete que não há o que fazer quando oferta e
demanda definem o que as coisa valem (o que não se presta, claro, para
obras bancadas com dinheiro público). Mas o que explica os valores
absurdos de qualquer produto ou serviço?
Por que, como denunciou em
artigo o apresentador Zeca Camargo, um jantar num bom restaurante no
Brasil é muitas vezes mais caro do que nos bons restaurantes da Europa, e
em euros? Ele não ficou só no chute, citou exemplos de lugares que
frequenta. Zeca conhece restaurantes de mais de 90 países.
Eu, que
conheço mais de 90 buffets da orla gaúcha e catarinense, não me
conformo. No tempo em que havia uma explicação para os mais variados
fenômenos da humanidade, eu ligaria para um estudioso e ele me pediria
um tempinho para dar uma resposta. E daria.
Hoje, sei que vou ouvir
que o pleno emprego e a ascensão da nova classe média desarrumaram os
mercados e embaralharam os preços relativos. O povo compra carros, viaja
de avião e veraneia como nunca antes neste país. Nunca se tomou tanto
suco de abacaxi.
Não é uma explicação convincente, porque não
contempla os exageros, como o do Aprazível. A história do suco não é
raridade. Há, no Rio, em São Paulo, em Goiânia, no Recife, movimentos de
boicote a bares e restaurantes contra abusos banalizados.
Jovens
levam bebidas de casa e saem pelas ruas com caixas de isopor nos ombros,
para não serem extorquidos pelos comerciantes. Claro que não vai dar
certo, até porque certamente vão aumentar o preço das caixas de isopor.
Junto
com a melhoria de renda, o Brasil socializou também a pilantragem. Se
todo mundo superfatura _ estádios, estradas, viadutos, pedágios,
escolas, postos de saúde, merenda escolar, por que não eu?
Mas, se não baixam os preços, poderiam pelo menos baixar o volume da música?
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