Janio de Freitas
A sem-cerimônia com que Barbosa excede seus poderes só se compara à facilidade com que distribui insultos
"Foi feito para isso sim!"Palavras simples, para uma frase simples. E, no entanto, talvez a mais
importante frase dita no Supremo Tribunal Federal nos 29 anos desde a
queda da ditadura.
Um ministro considerara importante demonstrar que determinadas penas,
aplicadas pelo STF, foram agravadas desproporcionalmente, em até mais
75% do que as aplicadas a crimes de maior gravidade. Valeu-se de
percentuais para dar ideia quantitativa dos agravamentos
desproporcionais. Diante da reação temperamental de um colega, o
ministro suscitou a hipótese de que o abandono da técnica judicial, para
agravar mais as penas, visasse um destes dois objetivos: evitar o
reconhecimento de que o crime estava prescrito ou impedir que os réus
gozassem do direito ao regime semiaberto de prisão, em vez do regime
fechado a que foram condenados.
Hipótese de gritante insensatez. Imaginar a mais alta corte do país a
fraudar os princípios básicos de aplicação de justiça, com a
concordância da maioria de seus integrantes, é admitir a ruína do
sistema de Justiça do país. A função do Supremo na democracia é
sustentar esse sistema, viga mestra do Estado de Direito.
O ministro mal concluiu a hipótese, porém, quando alguém bradou no
Supremo Tribunal Federal: "Foi feito para isso sim!". Alguém, não. O
próprio presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Conselho
Nacional de Justiça. Ninguém no país, tanto pelos cargos como pela
intimidade com o caso discutido, em melhor situação para dar
autenticidade ao revelado por sua incontinência agressiva.
Não faz diferença se a manipulação do agravamento de pena se deu em tal
ou qual processo, contra tais ou quais réus. O sentido do que "foi
feito" não mudaria conforme o processo ou os réus. O que "foi feito" não
o foi, com toda a certeza, por motivos materiais. Nem por motivos
religiosos. Nem por motivos jurídicos, como evidenciado pela
inexistência de justificação, teórica ou prática, pelos autores da
manipulação, depois de desnudada pelo presidente do Supremo.
Restam, pois, motivos políticos. E nem isso importa para o sentido
essencial do que "foi feito", que é renegar um valor básico do direito
brasileiro --a combinação de prioridade aos direitos do réu e segurança
do julgamento-- e o de fazê-lo com a violação dos requisitos de
equilíbrio e coerência delimitados em leis.
Quaisquer que fossem os seus motivos, o que "foi feito" só foi possível
pela presença de um fator recente no Supremo Tribunal Federal: a
truculência. "O Estado de S. Paulo" reagiu com forte editorial na
sexta-feira, mas a tolerância com a truculência tem sido a regra geral,
inclusive na maioria do próprio Supremo. A sem-cerimônia com que o
presidente excede os seus poderes e interfere, com brutalidade, nas
falas de ministros, só se compara à facilidade com que lhes distribui
insultos. E, como sempre, a truculência faz adeptos: a adesão do decano
da corte, outrora muito zeloso de tal condição, foi agora exibida outra
vez com um discurso, a título de voto, tão raivoso e descontrolado que
pareceu, até no vocabulário, imitação de Carlos Lacerda nos seus piores
momentos.
Nomes? Não fazem hoje e não farão diferença, quando acharmos que teria sido melhor não nos curvarmos tanto à truculência.
QUADRILHA
O resultado, na quinta-feira, da decisão do Supremo quanto à formação dequadrilha, não foi o noticiado 6 a 5 favorável a oito dos condenados no
mensalão. Foi de 7 a 4. O ministro Marco Aurélio Mello adotou a tese de
que era questão prescrita e reformou seu voto, que se somou aos dados,
pela inocência dos acusados, de Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Rosa
Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki. Derrotados
com a formação de quadrilha foram Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz
Fux e Joaquim Barbosa.
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