segunda-feira, 24 de março de 2014

Avanço tecnológico desafia capitalismo - Link Estadão – Cultura Digital - Estadao.com.br

Avanço tecnológico desafia capitalismo - Link Estadão – Cultura Digital - Estadao.com.br



Jeremy Rifkin

The New York Times


Estamos começando a testemunhar um paradoxo no coração do
capitalismo. O dinamismo inerente de mercados competidores está baixando
de tal forma os custos que muitos bens e serviços estão se tornando
quase gratuitos, abundantes, e não mais sujeitos às forças do mercado. A
revolução tecnológica está trazendo esses custos a quase zero.


Os primeiros indícios do paradoxo surgiram em 1999 quando o Napster
desenvolveu uma rede permitindo que milhões de pessoas compartilhassem
música de graça, causando estragos na indústria musical. Fenômenos
parecidos abalaram seriamente as indústrias de publicação de jornais e
livros.


A enorme redução dos custos marginais abalou esses setores e agora
está começando a remodelar o setor de energia, a indústria de
transformação e a educação. Apesar de os custos fixos da tecnologia de
energia solar e eólica serem um tanto salgados, o custo de capturar cada
unidade de energia depois de instalada é baixo. Este fenômeno penetrou
até no setor manufatureiro. Milhares de amadores estão fazendo seus
próprios produtos com impressoras de 3-D, software aberto e plástico
reciclado como matéria-prima a um custo quase zero.

Por sua vez, mais de 6 milhões de estudantes estão matriculados em
cursos online cujo conteúdo é distribuído a um custo marginal quase
zero.


Observadores do setor reconhecem a realidade assustadora de uma
economia com custo marginal quase zero, mas argumentam que produtos e
serviços gratuitos atrairão um número suficiente de consumidores para
comprar bens e serviços mais sofisticados, assegurando margens de lucros
suficientes. Mas o número de pessoas dispostas a pagar pelos bens e
serviços especiais é limitado.


Internet das coisas. Agora, o fenômeno está prestes a afetar a
economia como um todo. Uma formidável nova infraestrutura de tecnologia –
a internet das coisas – está surgindo com o potencial de empurrar boa
parte da vida econômica para um custo marginal quase zero nas próximas
duas décadas. Esta nova plataforma tecnológica está começando a conectar
tudo e todos. Hoje, mais de 11 bilhões de sensores estão afixado em
recursos naturais, linhas de produção, a rede elétrica, redes logísticas
e fluxos de reciclagem, e implantados em casas, escritórios, lojas e
veículos, alimentando uma enormidade de dados na internet de coisas. Em
2020, segundo projeções, seriam pelos menos 50 bilhões os sensores a ela
conectados.


A questão não resolvida é como esta economia do futuro funcionará
quando milhões de pessoas puderem fazer e compartilhar bens e serviços
quase de graça? A resposta está na sociedade civil, que consiste de
organizações sem fins lucrativos que atendem às coisas na vida que
fazemos e compartilhamos como comunidade. Em termos monetários, são uma
força poderosa. As receitas dessas organizações cresceram sólidos 41% de
2000 a 2010, mais que o dobro do crescimento do Produto Interno Bruto,
que cresceu 16,4% no mesmo período. Em 2012, o setor sem fins lucrativos
nos Estados Unidos respondeu por 5,5% do PIB.


Inclusão


O que torna a comunidade social mais relevante hoje é que estamos
construindo uma infraestrutura de internet das coisas que aprimora
colaboração e acesso universal, cruciais para a criação de capital
social e marcar o início de uma economia solidária.


Esta abordagem colaborativa em vez de capitalista diz respeito mais
ao acesso compartilhado que à propriedade privada. Por exemplo, 1,7
milhão de pessoas em todo o mundo integram serviços de compartilhamento
de carros. Uma pesquisa recente revelou que o número de veículos
possuídos por participantes desse sistema caiu pela metade após sua
adesão o serviço, pois os membros preferiram acesso em vez de
propriedade. Milhões de pessoas estão usando sites de mídias sociais,
redes de redistribuição, aluguéis e cooperativas para compartilhar não
somente carros, mas também casas, roupas, ferramentas, brinquedos e
outros itens, a um custo marginal baixo ou quase nulo. A economia
solidária teve receitas projetadas de US$ 3,5 bilhões em 2013.


O fenômeno do custo marginal nulo é particularmente impactante no
mercado de trabalho, onde fábricas e escritórios sem trabalhadores,
varejo virtual e redes automatizadas de logística e transporte estão
prevalecendo. Não surpreende que as novas oportunidades de emprego
estejam na comunidade cooperativa em campos que tendem a ser não
lucrativos e fortalecem a infraestrutura social – educação, saúde, ajuda
aos pobres, recuperação ambiental, atendimento infantil e atendimento a
idosos, promoção das artes e recreação.


Nos Estados Unidos, o número de organizações sem fins lucrativos
cresceu aproximadamente 25% entre 2001 e 2011, de 1,3 milhão para 1,6
milhão, enquanto as empresas com fins lucrativos cresceram apenas 0,5%.
Nos EUA , Canadá e Grã-Bretanha, o emprego no setor sem fins lucrativos
excede 10% da força de trabalho.


O sistema capitalista deve permanecer entre nós por muito tempo,
ainda que com um papel mais delimitado, principalmente como agregador de
serviços e soluções de rede e prosperando como um poderoso operador de
nicho. Entramos em um mundo parcialmente fora dos mercados, onde estamos
aprendendo a viver numa comunidade cada vez mais interdependente,
cooperativa e global. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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