sexta-feira, 14 de março de 2014

A manipulação da plateia — CartaCapital

A manipulação da plateia — CartaCapital

A manipulação da plateia

Pequena análise dos resultados de uma pesquisa sobre a mídia impressa do Brasil





por Mino Carta







publicado
14/03/2014 03:35,



última modificação
14/03/2014 13:49

























Na terça 11, o Estadão nos ofertou um exemplo
impecável de como a mídia nativa manipula as informações. No primeiro
editorial da terceira página, mostra de que forma uma verdade
pretensamente definitiva em nada se parece com a verdade factual.


De saída, o editorial cita Mark Twain (com o delicioso cuidado de
avisar que se trata de um escritor americano) para afirmar a intocada
energia da mídia impressa, a contrariar as previsões da moda que
vaticinam seu iminente passamento diante do avanço da internet. Primeira
prova da excelente saúde: a credibilidade.


De onde o Estadão extrai esta “verdade”? De uma pesquisa encomendada
ao Ibope Inteligência pela própria Secom. Informa o editorial: 53% dos
entrevistados confiam nos jornais impressos, “sempre ou muitas vezes”.
Confiam menos em rádio e tevê, um tanto menos em revistas, menos ainda
em sites e blogs. O Estadão exulta. Deveria chorar, como será provado.


O Brasil não é país de leitores. O que tem explicações óbvias, embora
não falte quem não sabe ou quem não quer entender, por ignorância, medo
ou interesse. A casa-grande até hoje conseguiu manter a senzala a
notável distância, e tal, diria Hannah Arendt, é a verdade factual. Não é
por acaso que somos o quarto país mais desigual do mundo.


Para arcar a contento seu papel de porta-voz da casa-grande, a mídia
esmera-se na manipulação da sua plateia, graças a recursos de comprovada
eficácia, tais como inventar, omitir e mentir. No caso do editorial do
Estadão, registre-se a clamorosa omissão de um dado fundamental: apenas
5% dos entrevistados leem os jornais com certa regularidade. Ou seja, 5
milhões de brasileiros.


Não se trata somente dos jornalões, mas também dos jornais regionais e
dos chamados populares. É neste universo que trafegam aqueles 53% de
leitores mais ou menos confiantes. Ou, por outra, 2,65 milhões de
brasileiros. Donde, mais de 197 milhões de cidadãos, conscientes ou não
da sua cidadania, não estão nem aí, como se diz.


A pesquisa tem muito valor, mas não é no sentido pretendido pelo
Estadão. A rigor, dois fatos emergem e ganham instrumentos de análise de
medição mais precisos. O primeiro diz respeito ao Brasil, cujo atraso
avulta e dói. O segundo nasce do confronto entre mídia impressa e meios
de comunicação já tradicionais, rádio e tevê, e outros precipitados pelo
progresso tecnológico. A questão, por aqui, se estabelece com
peculiaridades próprias.


Sobre o atraso do Brasil não há por que insistir. Basta cogitar de
alguns aspectos. Morrem assassinados, todos os anos há bastante tempo,
mais de 50 mil brasileiros. São Paulo e Rio são mais inseguros do que
Ramallah. Se quiserem, a nossa mídia ofende diariamente o vernáculo. Ou
um estádio no Brasil da Copa custa quatro vezes mais que um na Alemanha.
Etc. etc. Não me detenho, a bem do meu fígado.


Passemos ao segundo assunto, tratado neste espaço, data venia, por um
jornalista ancião que ainda usa a Olivetti em lugar do computador.
Ancião e retrógrado. Dou a minha opinião, ela também se diferencia da
verdade factual. Quero acreditar, eis o ponto, e acreditar em extremis
válido para mim, que a escrita vai sobreviver dentro das suas
possibilidades. Scripta manent, verba volant, a escrita permanece, a
fala voa, diziam os latinos.


Desço mais ao fundo. O caminho da mídia impressa tende a ser o da
análise qualificada, da lavra de quem tem autoridade para tanto, e do
chamado “furo”, a informação exclusiva e reveladora da qual somente você
dispõe. É no futuro deste jornalismo impresso de qualidade, ética e
estética, que me permito acreditar. Infelizmente, o jornalismo
brasileiro escolheu o caminho oposto, vergonhosamente sectário,
manipulador da informação, incapaz de qualquer resquício de estilo
literário. Não sei o que haveria de acontecer para evitar o desastre
final.

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