O xeque-mate de Wanderley e os comícios de ontem e hoje na Central do
Brasil
Enviado por Miguel do Rosário on 14/03/2014 – 10:03
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É com certo alívio que reproduzo abaixo este artigo de Wanderley Guilherme,pm 5
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em que ele sugere ao governo um movimento que seria um verdadeiro xeque-mate no
blocão fisiológico liderado pela direita da base: aproveitar a convocação dos
ministros para fazer uma exposição detalhada dos programas e ações de suas
pastas, e falar de projetos e estratégias de futuro.
Alívio porque Wanderley lembra do comício da Central do Brasil, o maior ato
público organizado por um presidente da república na história do país.
O professor informa que estava no comício da Central, em 1964.
Pois é, eu estava no “comício” da Central, em 13 de março de 2014,
organizado pelas centrais.
Foi um evento muito menor do que se planejou. Em termos de público, foi um
fiasco. Não deu nem 300 pessoas. As centrais ainda usam métodos antigos para
mobilizar. Imprimem cartazes, ao invés de fazer um trabalho político nas redes
sociais.
Os trabalhadores que passavam pelo local olhavam para o carro de som, para
as bandeiras e para os políticos discursando como se estivessem diante de
extraterrestres. Ou pior que isso, já que ETs ao menos despertariam a
curiosidade.
Além de pouca gente, era um ato esquizofrênico, porque um orador subia ao
carro de som e fazia elogios a Lula e a Dilma. Depois vinha outro e desancava a
presidente. E assim sucessivamente. Era um tanto cansativo.
Todos os grupos de esquerda e extrema-esquerda estavam presentes.
No entanto, o evento foi representativo em termos de autoridades. O senador
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) apareceu e discursou. Luciana Genro, deputada
federal pelo mesmo partido, também falou. A deputada federal Jandira Feghalli
(PCdoB-RJ) e os deputado estaduais Robson Leite (PT-RJ) e Gilberto Palmares
fizeram suas intervenções.
João Pedro Stédile, dirigente do MST, apareceu e falou também. Um quadro do
PSB fez um discurso contra a ditadura em nome do presidente do “nosso partido”,
Eduardo Campos.
Em dado momento, um dos índios que foram expulsos da Aldeia Maracanã (eles
ocupavam um prédio abandonado nas imediações do estádio Mario Filho), começou a
andar para lá e para cá diante do carro de som, tocando um chocalho, e
gritando:
- Não vai ter Copa.
Parecia um disco arranhado, sempre a mesma frase. Um dos garotos da União da
Juventude Socialista (UJS), fez um comentário, em voz baixa, do tipo:
- Puta que pariu.
Só que não havia nenhuma agressividade no ar. Todos os grupelhos de
ultra-esquerda, que em outras oportunidades se comeriam vivos, porque são
inimigos uns dos outros, incluindo dois ou três coxinhas, que são adversários
de todos os grupos anteriores, estavam ali, com suas bandeiras, juntos,
pacificamente.
Essa esquizofrenia talvez tenha sido a característica mais interessante do
evento. Porque a razão de todos ali estarem tranquilos e confiantes era
justamente a garantia democrática.
De repente o índio estava pendurado lá em cima do carro de som. Alguns
minutos depois lá estava ele no alto do carro, microfone na mão, gritando Fora
Dilma e entoando o mantra: Não-vai-ter-Co-pa!
Era uma maluquice só. Uma manifestação pequena e esquizofrênica, mas radical
e profundamente democrática.
Eu não sabia o que escrever sobre isso. Por isso eu achei tão oportuno o
artigo de Wanderley. Porque tocou num ponto importante, inclusive porque,
talvez inconscientemente, Wanderley Guilherme tenha sugerido uma autocrítica ao
próprio governo João Goulart. Afinal, Goulart arriscou-se a defender as
reformas de base, mas na prática não fez nada, porque foi derrubado.
Daí chegamos a um interessante impasse filosófico: o que é melhor, fazer
grandes discursos e aprovar projetos ousados, em prol das grandes reformas
brasileiras, e ser derrubado, não concretizando nenhuma promessa e dando margem
a um longo e terrível retrocesso social e político; ou fazer discursos
moderados, ou nem fazê-los, e aprovar e concretizar mudanças tímidas?
O que é melhor, o intrépido que fracassa, ou o medíocre que triunfa?
O que é melhor, apaixonar as multidões, e depois abandoná-las à sanha e
truculência dos golpistas, ou anestesiar as paixões do povo, mas jamais
abandoná-lo, jamais expô-lo ao risco de tragédias sociais e políticas?
O que é melhor, juntar uma multidão para festejar a democracia, e depois ver
a democracia ser massacrada por tanques de guerra, ou juntar um punhado de
militantes, num comício meia-boca, mas garantir a democracia por mais mil anos?
São dúvidas tolas, quase delirantes, porque a história tem sua própria
dinâmica, ligada a circunstâncias que jamais se repetem. E as decisões pessoais
tomadas por lideranças políticas no calor do momento refletem, no fundo, um
jogo de forças muito acima da compreensão das próprias lideranças.
De qualquer forma, parece que vivemos, hoje, uma era diferente, sem grandes
paixões. As manifestações de junho foram um soluço de participação popular, mas
talvez não tenham passado disso, um soluço. E, por um lado, é até bom que tenha
sido apenas um soluço, porque o tipo de paixão de que precisamos não é a paixão
contra a democracia, contra as instituições, um sentimento vazio, difuso,
violento. A paixão que precisamos é uma paixão inteligente, nascida em primeiro
lugar no próprio coração da doutrina democrática, que é uma paixão primeva e
antiga do povo, capaz de se transformar em planos concretos de ação política.
Eu sou a favor da intrepidez, que fique bem claro. Mas é evidente que a
intrepidez sem segurança, como tínhamos com João Goulart, não pode ser
repetida. O Brasil tem de ser ousado, mas caminhar com muita confiança na
estabilidade de suas instituições democráticas.
A estabilidade que temos hoje é suficiente para nos dar confiança? Talvez
sim. Ou talvez o próprio golpe tenha sido aplicado justamente para que nunca
mais pudéssemos confiar em nós mesmos. Para que houvesse sempre medo. Um medo
agora tornado atávico, arraigado profundamente no inconsciente de todo um povo.
Para o bem ou para o mal, aprendemos duras lições com o golpe de 64. Não
adianta pretender fingir que ele não ocorreu e tentar engatar o fio cortado em
abril de 64 aos dias de hoje. Uma dessas lições é que um governo, por mais
popular que seja, deve manter um olho sempre aberto nos ataques que vêm de
dentro, das próprias instituições, e de fora, de interesses internacionais
contrariados.
Não podemos esquecer que o golpe de 64 não foi apenas uma quartelada. Teve
apoio do STF, parlamentares, governadores, juízes, procuradores e, servindo de
liga para todas essas forças, mídia, que por sua vez recebia patrocínio dos
EUA.
Assim com em 1964, o governo federal faz muitas coisas, mas a imprensa não
divulga, criando, ao menos junto ao público que ela atinge, a sensação de
pasmaceira, retrocesso, mal estar.
“Esse país é um lixo”, “tenho vergonha de ser brasileiro”, é a frase mais
repetida nas redes sociais, o que é curioso, porque o Brasil nunca esteve tão
bem. Ainda estamos uma merda, eu sei, mas a merda anterior era muito pior. Uma
coisa é ser um país de merda com pleno emprego, grandes obras em andamento e
salários crescendo bem acima da inflação. Outra coisa é ser um país de merda
com desemprego altíssimo, sem nenhuma obra de infra-estrutura e salários em
queda.
Estou lendo A democracia na América, de Tocqueville, e agora entendo como os
valores democráticos se enraizaram na cultura norte-americana desde seus
primórdios, desde as primeiras colônias, e foram esses valores que lhe
garantiram um duradouro e estável desenvolvimento. E por quê? Porque esses
valores sempre estimularam as pessoas a participar da organização política
local. A comunidade não esperava o governo construir uma escola: ela mesmo o
fazia. Por isso é tão contraditório escutar nossos direitistas falando em
“menos governo” mas sem acenar com nenhuma contrapartida cidadã.
Um movimento por menos governo e menos impostos só teria sentido se viesse
acompanhado de campanhas para que as pessoas participassem mais da
administração dos problemas da cidade: por exemplo, varressem as ruas;
colaborassem, inclusive financeiramente, com as escolas públicas da comunidade,
mesmo que seus filhos lá não estudassem; criassem comitês civis para monitorar
as contas da prefeitura; organizassem campanhas para construir abrigos para
moradores de rua.
Não tem sentido reclamar do transporte público e ao mesmo tempo depredar
pontos e incendiar ônibus. Não tem sentido chamar o Brasil de “lixo” e
protestar jogando latões de lixo nas ruas. Reclamar da violência e apoiar
hordas de justiceiros. Falar mal da educação pública e, tendo a oportunidade de
entrar num curso universitário, não se aplicar nos estudos.
Voltando ao pequeno e esquizofrênico comício na Central de que participei
nesta quinta-feira, ao final, quando já estávamos indo embora, eu vi o
ambulante onde compramos cervejas cantando sozinho, em voz alta:
- Vai ter Copa! Vai ter Copa!
Ao texto do Wanderley.
*
UM COMÍCIO DA CENTRAL DO BRASIL NO LEGISLATIVO
Como eleitor, espero que o governo aproveite esses convites da Câmara de
Deputados e promova o seu comício da Central do Brasil dentro do Legislativo.
Por Wanderley Guilherme, na Carta Maior.
Muito bem vindos os convites parlamentares a executivos de órgãos públicos
para conversas sobre o andamento do governo. Deviam ser repetidos a cada dois
anos. Os governos teriam excelente oportunidade de prestar contas ao
Legislativo e aos eleitores. Governos deficientes temem esses momentos por
ficaram expostos ao júri da população por intermédio de seus representantes no
parlamento. Estes, por sua vez, anseiam pela entrada em cena e mostrar serviço
a suas bases eleitorais.
Ao final de seu governo, Fernando Henrique Cardoso conhecia as pesquisas em
que 34% dos entrevistados o consideravam pior do que o de Itamar Franco. Na
verdade, julgavam-no pior do que seu próprio primeiro mandato. Provavelmente,
esta é uma especulação, o temor existia porque não havia clima comemorativo nem
do Plano Real, visto que a inflação voltara às alturas, o desemprego neoliberal
explodia, a economia do país patinava e as reservas cambiais andavam aí pelos
37 bilhões de dólares. Hoje é possível, em seminários comemorativos, antigos
operadores do governo FHC darem outra versão a auditórios adrede selecionados.
À época não se atreveriam a passar pela porta dos fundos da Câmara dos
Deputados.
Em geral, os patrocinadores desses convites são parlamentares com
inclinações para a implicância crônica. Mas a motivação não é tão relevante
quanto a oportunidade que oferece aos governos de revelarem os êxitos que
imaginam ter e os revelarem à opinião pública. No momento, estimo tratar-se de
feliz programação para que o governo exiba os seus números e os explique. Ótimo
que a Petrobras tenha sido convidada a falar sobre contratos na Holanda. Deve
aproveitar e dar satisfações sobre o andamento do capítulo pré-sal comparando-o
às profecias pessimistas, expor os planos de investimentos e sua viabilidade,
os estímulos a setores industriais e à criação de emprego.
Pessoalmente, gostaria de me atualizar quanto ao progresso da agricultura
para exortação e para consumo interno, quanto aos portos, malhas ferroviárias e
rodoviárias em execução para ajustar a infra-estrutura à sua crescente
capacidade de produção agrícola e industrial. Importa divulgar o currículo do
atual governo nas áreas de educação em todos os seus níveis, da saúde,
especialmente do sistema hospitalar público, prevenção de doenças. De especial
relevância é o esclarecimento quanto à eficácia desses números em termos de
gente: quantos eram educados, quantos são agora, a incidência crescente ou
decrescente de moléstias que assaltam sobre tudo as comunidades mais pobres. De
tudo isso é indispensável que se conheça também o que está em andamento e as
projeções nas áreas analisadas.
Como eleitor, espero que o governo aproveite esses convites da Câmara de
Deputados e promova o seu comício da Central do Brasil. De dentro do
Legislativo para todos os brasileiros. O que mudou no Brasil e que é
incontroverso, e o que é necessário que se continue a fazer para mudar o
Brasil, de país de miseráveis, para país sem miseráveis, de país sem portos,
ferrovias, aeroportos, rodovias, para uma nação que seja uma floresta de
fábricas gigantes em funcionamento sustentável, sem medo de crescer, atento à agenda
urgente das populações finalmente incorporadas à vida da nação. Acima de tudo,
o compromisso inquebrantável de que o dinheiro é para servir ao país e não o
país servir ao dinheiro. Gente em primeiro lugar, depois o cifrão.
Nenhum lugar mais apropriado do que uma das Casas do Congresso como sede e
palanque para um grande comício democrático, de prestação de contas, de
esclarecimentos de dúvidas e, também indispensável, a declaração de
compromissos inquebrantáveis com os rumos traçados tendo o povo brasileiro como
norte, dispensando a tecnocracia dos manuais financiados pelos rentistas das
dificuldades alheias.
Não desejo um governo preconceituoso em relação aos empreendedores, aos que
criam empregos, aos que investem como decisão estratégica, mas saber
distingui-los dos aventureiros. Estive no comício da Central do Brasil em 13 de
março de 1964. Espero revê-lo, sem susto e sem temor de golpismos, em promoção
conjunta do Legislativo e do Executivo brasileiros.
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