sexta-feira, 18 de abril de 2014

A CPI do mau negócio e o mau negócio da CPI

A CPI do mau negócio e o mau negócio da CPI

A CPI do mau negócio e o mau negócio da CPI


No debate sobre Pasadena, o maior destaque fica por conta das repentinas juras de amor da oposição pela Petrobras
Todos os dias, empresas fazem maus negócios, que dão prejuízos. Todos os
dias, firmas vão à falência. Nos períodos de bonança e crescimento,
muitas empresas lucram bastante fazendo apostas altas nos mercados. Nos
períodos de crise, muitas simplesmente desaparecem para nunca mais serem
vistas.
Isto se chama capitalismo. O capitalismo implica riscos. Muitos e graves
riscos. Há nele uma “destruição criativa”, como dizia Schumpeter, que
torna o ambiente dos negócios algo muito mais próximo ao rio de
Heráclito que ao ser imutável e imóvel de Parmênides.
Nos períodos de crescimento, tem-se a impressão que os bons negócios são
sólidos e vão durar para sempre, ainda que sejam, muitas vezes, meras
bolhas alimentadas por ambição desmedida, conveniente cegueira de longo
prazo e ausência de regulação estatal. Já nos períodos de crise, como
dizia outro filósofo, tudo que é sólido se desmancha no ar.
Pasadena se desmanchou no ar, não há dúvida. De acordo com Graça Foster,
o negócio teria dado um prejuízo a Petrobras de aproximadamente US$ 500
milhões. É bastante, ainda que seja uma cifra bem inferior aos quase
US$ 2 bilhões alegados pelos críticos da Petrobras.
Entretanto, se subirmos corrente acima o rio de Heráclito, chegaremos à
conclusão que, em 2006, ano em que foi decidida a compra da refinaria, o
negócio era, sim, muito bom. Com efeito, havia na época um “boom” do
refino nos EUA. As margens de lucro estavam altíssimas, turbinadas por
um consumo doméstico de refinados que chegava a 9,5 milhões de
barrias/dia. Muitas empresas, não apenas a Petrobras, estavam de olho
nesse gigantesco e lucrativo mercado.
Mas não era apenas a perspectiva de grande lucro que motivava a
Petrobras. Em 1999, no governo FHC, a empresa havia traçado uma
estratégia de negócios que colocava o refino de nosso óleo pesado no
exterior como uma das suas prioridades. Na época, ainda não tínhamos o
óleo leve do pré-sal, que é bem mais fácil de processar.
Pasadena, bem situada no corredor de Houston e com uma capacidade
instalada de 100 mil barris/dia, era uma boa aposta para processar o
óleo pesado do pós-sal, principalmente do poço de Marlim, e vender, com
lucro muito alto, os refinados no mercado norte-americano. Com isso, a
nossa conta de petróleo tenderia a ficar superavitária, pois venderíamos
refinados, de valor agregado bem mais alto, no exterior.
E não era apenas Pasadena. Naquele período, impulsionada pela estratégia
traçada no governo tucano, a Petrobras comprou as refinarias de Baia
Blanca, e San Lorenzo, na Argentina, e a refinaria de Okinawa, no Japão.
Observe-se que, de acordo com o sindicato dos petroleiros, em suas
transações com a Repsol, na Argentina, o Brasil entregou 3 bilhões de
dólares e recebeu 750 milhões de dólares. Um prejuízo de mais de US$ 2
bilhões, quatro vezes maior que o de Pasadena. Porém, essa transação
desastrosa não merece, misteriosamente, nenhum comentário da mídia.
No entanto, coerentemente com aquela estratégia traçada no governo
tucano e com as condições do mercado da época, tomou-se a decisão de
comprar Pasadena. Mesmo com as cláusulas Put Option e Marlim,
inexplicavelmente ocultadas do conselho da empresa e explicavelmente
inseridas no contrato com a Astra, já que se destinavam a compensar o
fato de que a Petrobras teria efetivo poder de mando na refinaria, o
negócio tinha boas perspectivas de dar certo.
As perspectivas eram muito boas não fosse um detalhe: a crise
internacional, que tomou todo o mundo de surpresa e derrubou, entre
muitas outras coisas, o mercado de refino dos EUA. Assim, o problema
essencial de Pasadena não foram as cláusulas Put Option e Marlim ou
eventual ato de corrupção de diretor da Petrobras, mas a ausência de uma
“cláusula Parmênides”, que assegurasse a imutabilidade das condições da
economia mundial.
Caso as condições do mercado de refino tivessem permanecido semelhantes
às de 2006, ninguém estaria hoje falando de Pasadena, a não ser para
elogiar uma decisão estrategicamente acertada. Pasadena já estaria “no
lucro”, a Astra não teria abandonado o negócio e a presença de uma
refinaria da Petrobras nos EUA, mesmo após a descoberta do pré-sal e da
mudança da estratégia da empresa, não seria questionada.
Ante isso, pode-se questionar para que serviria uma CPI que tem como
ponto central o mau negócio de Pasadena? Será que tem alguém beócio o
suficiente para acreditar que a compra de Pasadena e o mau negócio que
ela se tornou resultaram de meros atos de corrupção? É possível que sim,
pois reina no Brasil do denuncismo certo reducionismo moral, que
pretende explicar todos os problemas do país com base na corrupção e no
malfeito.
Entre os Azande, povo africano estudado pelo famoso antropólogo Evans
–Pritchard, todos os infortúnios se explicavam pela bruxaria. No Brasil
de hoje, todos os problemas se “explicam” pela corrupção. Até mesmo um
negócio mal sucedido.
Não que atos de corrupção e de má-gestão não possam ter ocorrido, no
caso ou na empresa. Mas atribuir-lhes, de antemão, centralidade é, no
mínimo, um exagero “azandeano”. Além disso, a Petrobras já é objeto de
inquéritos internos e da própria Polícia Federal. Quem tiver de ser
punido, que seja.
Não obstante, essa metafísica da corrupção, quando aplicada à Petrobras
em pleno período eleitoral, talvez esconda interesses mais terrenos e
menos moralizantes.
Em primeiro lugar, há o óbvio interesse em desgastar o governo Dilma e a
candidatura da presidenta, que permanece à frente das pesquisas. Com
seu preciso “timing” eleitoral e sua vaga metafísica, a CPI se tornaria
palco de inúmeras ilações e denúncias, devidamente potencializadas pelo
maior partido de oposição do país.
Em segundo lugar, e menos óbvio, há também o interesse altruísta de
livrar a Petrobras do fardo de ter de explorar o pré-sal. Por isso,
crescem na mídia as matérias e reportagens patrioticamente dedicadas a
mostrar uma Petrobras à beira da falência, ferida de morte por suposta
má-gestão típica de uma estatal assediada pela política. Estratégia
antiga e marota, que deu certo na época das privatizações.
Não comove os altruístas e patriotas o fato da Petrobras, como bem
demonstrou Graça Foster no Senado, ser empresa sólida, com crédito no
mercado, desempenho extraordinário em prospecção, expertise única em
águas ultraprofundas e excepcionais perspectivas de médio e longo prazo,
já que dispõe do pré-sal, enormes megajazidas de óleo leve, num mundo
em que há carência de descobertas de novas jazidas, a não ser as de sujo
óleo de xisto.
Talvez aconselhados pelos mesmos gênios que apregoam a volta das medidas
impopulares, de saudosa memória, esses abnegados senhores desejem o
retorno do modelo de concessão, instituído nos tempos de FHC e
substituído pelo modelo de partilha, nos tempos de Lula. Nesse modelo de
concessão, as jazidas passariam a pertencer às empresas que vencem os
leilões e a Petrobras ficaria alijada da exploração conjunta. Exxon,
Chevron, Shell, et caterva, agradeceriam esse gesto de grandeza. A União
faria um caixa rápido para ampliar o superávit primário e a Petrobras
acabaria transmutando-se na tão sonhada Petrobrax.
É claro que, neste cenário, a Petrobras seria, agora sim, ferida de
morte. A cadeia do petróleo sustentada pela empresa, inclusive a
indústria naval, ressuscitada nos governos Lula e Dilma, também. E a
alavancagem do desenvolvimento nacional e da educação brasileira pelo
pré-sal seria convenientemente esquecida na névoa do denuncismo
metafísico.
Assim, a CPI do mau negócio tende a se transformar num mau negócio para o país.
E não se enganem com as juras de amores à Petrobras por parte daqueles
que pretendem imolá-la no altar das disputas eleitorais e achincalhá-la
no vórtice das ilações e das denúncias vazias. O depoimento de Graça
Fortes no Senado, no qual alguns inquisidores se referiram à empresa
como “abismo moral”, “quitanda” e outras elevadas expressões, é somente
uma prévia do que vem por aí.
Afinal, no caudaloso rio de Heráclito, há coisas que aqui permanecem tão
imutáveis quanto o ser de Parmênides. Duas se destacam: o entreguismo e
a cara de pau.

Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário