quinta-feira, 17 de abril de 2014

Folha de S.Paulo - Mercado - Inflação no hemisfério Norte - 17/04/2014

Folha de S.Paulo - Mercado - Inflação no hemisfério Norte - 17/04/2014

Marcelo Miterhof
Inflação no hemisfério Norte
EUA e Europa vivem 'armadilha de liquidez' e saída é ampliar gasto público para estimular demanda
A inflação é debatida no hemisfério Norte. Na semana passada, Paul
Krugman em seu blog e em sua coluna no "New York Times" e Martin Wolf no
"Financial Times" combateram o medo inflacionário atávico.





Krugman defende que os EUA adotem uma política econômica mais ativa para
combater a estagnação e o desemprego que persistem desde a eclosão da
crise financeira em 2007/8.





Um aspecto-chave é o Fed (BC dos EUA) elevar sua meta implícita de
inflação anual de 2% para 4%. Além de abrir espaço para aumentar o gasto
público, uma inflação moderada desvalorizaria os endividamentos, cujo
peso tem travado a economia americana, ajustaria preços e salários
frente às mudanças na demanda e encorajaria as pessoas a gastar, em vez
de poupar.





Wolf diz que não há risco de alta inflação. O problema é o oposto: o Fed
e outros BCs insistirem em perseguir a atual meta de inflação por
crerem que o sistema monetário funciona como descrito nos manuais. O
colunista usa um didático boletim do Banco da Inglaterra para mostrar
por que não é assim.





Basicamente, a quantidade de moeda de uma economia é formada pelo
dinheiro de papel em poder do público e pelos depósitos bancários. Como a
maior parte dos recursos circula dentro do sistema financeiro, os
bancos concedem empréstimos (criam moeda, abrindo depósitos) sem
precisar manter a totalidade de reservas em papel. O crédito impulsiona a
atividade econômica, gerando a renda para pagá-lo (quando moeda é
destruída).





A ortodoxia entende que o BC controla estritamente a quantidade de
moeda, pois os bancos, visando a lucro, sempre concederiam o máximo de
empréstimos possível, dadas as exigências de reservas. Haveria um
multiplicador estável entre o papel moeda emitido pelo Estado e o
dinheiro total na economia.





Porém não é bem assim. O montante de crédito é resultado das decisões
dos bancos e de seus clientes, que, influenciados pelas condições
econômicas, avaliam as perspectivas de risco e retorno para ofertar e
demandar financiamentos.





De fato, a autoridade monetária tem o poder de fixar o custo (juros) de
os bancos recorrerem à suas reservas quando têm falta de liquidez (casos
em que as reservas são insuficientes para suprir a saída líquida de
depósitos) e de impor regras regulatórias, como frações mínimas de
reservas e capital próprio em relação aos ativos, para induzir um
comportamento criterioso pelas instituições financeiras.





Mas esse não é um processo automático. Numa economia aquecida, os bancos
criam inovações financeiras para "burlar" as regras do BC e aumentar a
circulação de moeda demandada pela economia. O risco é que o otimismo
faça o crédito expandir mais do que a produção é capaz de responder, o
que gera uma inflação momentânea ou, pior, uma especulação de ativos,
como numa bolha imobiliária.





Entretanto, nos últimos anos, o afrouxamento monetário ("quantitative
easing") --a monetização (compra) de títulos públicos pelo Fed-- não
trouxe risco de inflação porque a maior disponibilidade de reservas não
tem levado os agentes a expandir o crédito. Há pessimismo em razão do
alto nível de endividamento americano.





Os EUA e a Europa estão numa "armadilha de liquidez": os juros baixos
têm sido incapazes de ativar a economia. A saída é ampliar o gasto
público para estimular a demanda e melhorar as expectativas de retorno
dos negócios.





O problema é que não é fácil convencer os formadores de opinião. Wolf
atribui isso à incompreensão acerca de como realmente funciona o sistema
monetário.





Krugman, lembra o exemplo da inflação americana nos anos 70, quando os
índices anuais estiveram em dois dígitos, destacando que a época não foi
tão danosa para os salários reais quanto a era Reagan/Bush, marcada por
ajustes.





Quem mais perdeu nos 70 foram os detentores de ativos financeiros. É o
interesse dos muito ricos que dá lastro ao conservadorismo
anti-inflacionário, influenciando, inclusive financeiramente, políticos,
centros de estudos e meios de comunicação.





As motivações se complementam. Os ricos têm mais meios de fazer valer
seus interesses e são inegáveis as dificuldades de obter consensos no
conhecimento econômico. Por exemplo, é sempre possível de alguma forma
defender que a prosperidade do governo Clinton foi consequência da
"lição de casa" que teria sido feita pelos republicanos nos doze anos
anteriores.


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