domingo, 20 de abril de 2014

Diário do Centro do Mundo » Quanto valem cinco meses na vida de uma pessoa?

Diário do Centro do Mundo » Quanto valem cinco meses na vida de uma pessoa?

Postado em 18 abr 2014

Quanto valem cinco meses na vida de uma pessoa?


A pergunta me ocorre quando penso em Zé Dirceu, preso exatamente há cinco meses na Papuda.


Alguém já fez essa conta para si mesmo?


Em dinheiro, é difícil calcular. Digamos que dessem a você, diante de
uma sentença de cinco meses na cadeia, a opção de pagar para não ir.


Quanto você daria para ficar em casa? Para conviver com seus amigos,
seus irmãos, seus pais, seus filhos? Para poder ir à padaria pela manhã
tomar uma média com pão e manteiga? Para comer uma pizza domingo?


Eis um caso de complicada precificação.


Do ponto de vista de tempo em si, nada paga, evidentemente, a
temporada na cadeia. Nossos dias são limitados e escassos. Os cinco
meses na cadeia – ou o que for – não são acrescentados em sua vida a
título de compensação.


E se a sentença é injusta, ou absolutamente controversa? E se você
acha que de um lado enfrenta algozes para os quais só importa punir e de
outro amigos cuja solidariedade e apoio não se manifestam numa hora tão
complicada?


Aí entram outras coisas humanas: raiva, sentimento de impotência, revolta.


A conta cresce expressivamente.


Onde, nisso, fica o caso de Dirceu?


Numa recomposição rápida, temos um julgamento que o tempo mostrou ser
um circo abjeto, animado e manipulado por uma mídia que repetiu o
comportamento de 1954 e 1964.


Depois, temos uma juíza que diz que, embora não existam provas contra Dirceu, se julga no direito de condená-lo.


Juízes de nível baixo, como se veria depois ao conhecê-los em sua
pompa vazia, sacramentariam a punição sem provas com uma figura chamada
Teoria do Domínio dos Fatos. (Nem o autor alemão da teoria achou que a
adaptação dela para o Mensalão fazia sentido.)


Numa canhestra matemática que levou um réu a ter uma pena maior do
que a que os noruegueses aplicaram ao assassino de dezenas de jovens
reunidos numa convenção, foram fixadas sentenças estapafúrdias como se
se tratasse de ciência exata.


Os réus, no percurso, foram logo para o STF, o que significou a perda
de pelo menos uma segunda instância para a revisão dos vereditos.


Depois, num arroubo teatral, em 15 de novembro Joaquim Barbosa, sob
os holofotes da mídia que o incensou quando lhe conveio e agora o
abandona como se esperava, manda prender alguns, Dirceu entre eles.


E na cadeia a perseguição como se amplia.


Uma proposta de emprego de um hotel vira um escândalo nacional artificialmente.


Aparece na mídia com alarde uma conexão no Panamá para o candidato a
empregador de Dirceu e depois ela desaparece quando se vê que não era
nada – mas sem que os leitores fiquem sabendo do complemento da
história.


Aparece outro emprego, mas um jornal diz que Dirceu conversou com
alguém pelo celular, e uma nota jamais provada faz que Dirceu continue
na prisão em regime integral.


Esta é a vida brasileira: uma nota basta para deixar alguém na
cadeia, ainda que ela não se sustente. Basta que esse alguém seja
Dirceu.


Uma revista – a mesma que impunemente tentou invadir criminosamente o
quarto de Dirceu num hotel de Brasília – continua em sua caçada insana e
publica fotos que mostrariam os “privilégios” de Dirceu na cadeia.


Há, aí, uma dissonância cognitiva. As fotos apresentam um Dirceu
abatido, visivelmente mais magro. Não é nada compatível com regalias ou
privilégios.


Num dos últimos capítulos da farsa, Barbosa – sem que a mídia lhe
cobre nada por isso – diz que as penas dos réus do Mensalão foram
artificialmente infladas para que não prescrevessem.


Não é crime isso? Ou é uma inovação da justiça brasileira, algo que
poderia fascinar justiças menos sofisticadas como – já que falamos nela –
a norueguesa?


Quanto, repito, valem cinco meses na vida de uma pessoa?


Na semana que vem, noticia-se hoje, Barbosa vai se pronunciar sobre o caso Dirceu.


Ainda que ele contrarie os prognósticos e libere Dirceu, quem vai pagar a conta pelo tempo perdido e sofrido na prisão?


Dirceu deveria processar o Estado, até para que coisas assim tenham consequências.


Não sei qual seria a quantia arbitrada, mas não seria pouca.


Ironia suprema, a conta seria paga por um Estado comandado por Dilma
Rousseff e pelo partido que Dirceu ajudou a construir, o PT.


Parece o realismo fantástico de Garcia Marquez numa versão de pesadelo, mas para Dirceu é a realidade como ela é.

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