segunda-feira, 21 de abril de 2014

Meu valor

Meu valor - cultura - versaoimpressa - Estadão



Luis Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo
 
Como todo homem tem seu preço e a corrupção é o que mais
dá dinheiro no Brasil, hoje, decidi calcular o meu valor para o caso de
quererem me comprar. É bom ter o nosso preço na ponta da língua e
sempre atualizado, pois - para usar a frase-lema do Brasil dos nossos
dias - nunca se sabe.


Nossa autoavaliação deve ser objetiva. Costumamos nos dar mais valor
do que realmente temos e há o perigo de, por uma questão de amor
próprio, nos colocarmos fora do mercado. Também tendemos a valorizar
coisas que, no mundo eminentemente prático da corrupção, não valem
muito, como bons hábitos de higiene e a capacidade de mexer as orelhas. O
que vale é o que podemos oferecer para o lucro imediato de quem nos
comprar.


*


As pessoas se queixam da falta de ética no Brasil e não se dão conta
de que isso se deve à pouca oportunidade que o brasileiro comum tem de
escolher ser ético ou não. Eu tenho tanto direito a ser corrupto quanto
qualquer outro cidadão, mas não tenho oportunidade de sequer ouvir uma
proposta para decidir se aceito. A corrupção continua ao alcance apenas
de uns poucos privilegiados. Por que só uma pequena casta pode decidir
se vai ter um comportamento ético enquanto a maioria permanece condenada
à ética compulsória, por falta de alternativas? Quando me perguntam se
sou ético, a única resposta que posso dar é a mesma que dou quando me
perguntam se gosto do vinho Chateau Petrus: não sei. Nunca provei.


*


Quem me comprar pode não lucrar com minhas conexões no governo ou com
o conteúdo, inclusive, dos meus bolsos. Mas e o casco? Quanto me dão
pelo vasilhame? Pagando agora eu garanto a entrega do corpo na hora da
minha morte, com os sapatos de brinde. Tenho muitos anos de uso mas
todos os sistemas em razoável estado de conservação, precisando apenas
de alguns ajustes das partes que se deterioraram com o tempo. Meus
cabelos são poucos mas os que ficaram são da melhor qualidade, do
contrário não teriam ficado. Não dão para uma peruca inteira, mas ainda
dão para um bom bigode.


*


Meu cérebro, vendido à ciência, daria para alimentar vários ratos de
laboratório durante semanas. Prejudicaria um pouco seu desempenho no
labirinto, mas em compensação eles saberiam toda a letra do bolero No Sé
Tú. Minhas entranhas dariam um bom preço em qualquer feira de órgãos
usados, dependendo, claro, do poder de persuasão do leiloeiro ("Leve um
sistema cardiovascular e eu incluo uma caixa de Isordil!"). Meu
apêndice, por exemplo, nunca foi usado.


*


Tudo calculado, descontada a depreciação, devo estar valendo aí uns,
deixa ver... Mas é melhor não me anunciar. Vai que aparece um corruptor
em potencial e eu descubra que não só não valho nada como estou lhe
devendo.

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